A carrinha branca de Clemens Weisshaar foi encontrada completamente queimada no meio de uma zona de mato remota. Nada restou. “O que havia para arder, ardeu”, conta ao Observador o comandante dos Bombeiros Voluntários de Grândola, que respondeu à ocorrência no domingo. No interior estaria o filho do alemão, Tasso, de três anos. A Polícia Judiciária acredita que o homem de 44 anos pegou fogo ao carro propositadamente e depois se suicidou. O local não terá sido escolhido ao acaso: o terreno é isolado e de difícil acesso. Os bombeiros afirmam mesmo que é quase impossível lá chegar, sobretudo quem não conhece a zona — Clemens conhecia, estava a reconstruir uma casa ali perto, na zona dos Mosqueirões, a cerca de dez minutos de carro de Grândola, onde vivia há já alguns anos.
Agora, na pequena e pacata vila de Grândola, é difícil virar uma esquina ou entrar num café sem que se ouça falar de outro assunto: “Isto é tudo muito estranho”; “Eu ainda nem acredito”; “Diz que ele estava a construir uma casa ali para os lados dos Mosqueirões”. A notícia espalhou-se rapidamente.
Natural de Munique, Clemens Weisshaar, o pai de Tasso e suspeito pela morte do menor, era bem conhecido na vila. “Era cliente habitual aqui no café, vinha sempre beber uma cerveja ou petiscar”, conta ao Observador Melina Pereira. A funcionária do Café Pirata, que fica mesmo no centro de Grândola, conhecia bem o alemão: “Era muito simpático e brincalhão. E trazia sempre o miúdo, o filho”. Irene Nunes, mãe de Melina, confirma: “Era muito simpático. Andava sempre aqui com a criança”. “Às cavalitas!”, acrescenta outra cliente. E falava bem português, ainda que “arranhado e com algum sotaque”, confirmam todos.
São 17h30 de segunda-feira e o Café Pirata está cheio. É um negócio de família e, assim que se entra, percebe-se que o violento crime já tomou conta de todas as conversas. Vários homens de diferentes idades estão sentados ao balcão e vão atirando comentários, enquanto seguram uma mini com as duas mãos. “Isto foi algo muito cruel”, diz um deles. Chama-se Domingos Mateus e está visivelmente indignado com toda a situação, porque conhecia Clemens de vista. “O homem costumava vir aqui com o Tasso”, conta ao Observador. E, por isso mesmo, ainda nem acredita no que aconteceu. E muito menos nos violentos contornos do caso.
Clemens e o filho estavam desaparecidos há uma semana. Os corpos foram encontrados por caçadores e populares. O pai ter-se-á suicidado de seguida perto da carrinha, com um tiro.
A mãe, de nacionalidade inglesa, Phoebe Arnold, é uma conceituada estilista. O casal estava separado desde julho, segundo relatam ao Observador várias fontes próximas da família. Depois da separação, no verão, a mulher levou a criança para Lisboa. O pai deveria ter ficado com o filho no último fim de semana de outubro e levado o rapaz de volta à mãe na segunda-feira da semana passada, o que não aconteceu. Phoebe Arnold acabou por dar o alerta às autoridades nessa altura, que desencadearam as buscas.
Vários habitantes explicam ao Observador que pensavam que Clemens tinha levado o filho para a Alemanha. Ninguém previu que o desfecho fosse um alegado crime de homicídio seguido de suicídio. “Isto impressiona, porque nós tínhamos uma relação com as pessoas. Um crime destes? Ninguém diria”, lamenta Irene Nunes, ainda dentro do café.
Mas Célia Silva, proprietária do estabelecimento, não tem dúvidas: a distância com a criança mudou Clemens. “Desde que a mãe levou a criança para Lisboa que ele não era o mesmo. Andava triste, andava perturbado”, afirma num tom sério e pesado, enquanto acena com a cabeça e mete as mãos dentro do avental. E adianta: “Dizem por aí que ele enviou uma mensagem à mulher a dizer ‘nunca mais me vais pôr os olhos em cima, muito menos ao teu filho’”. Todos dentro do café confirmam que Clemens não andava bem: “Nós tínhamos as mesmas brincadeiras e ele continuava a vir cá mesmo sem o filho, mas não era tão brincalhão”, relatam ao Observador outros clientes.
A casa da família fica numa rua acima, a um minuto a pé. Era ali que Clemens Weisshaar vivia com o filho e com a companheira, antes de esta se mudar para Lisboa. As datas variam de pessoa para pessoa, mas de acordo com a maioria dos vizinhos, a família estava naquela casa há cerca de dois anos.
A rua é estreita e a casa destaca-se. É a maior de todo o quarteirão. A fachada não esconde a idade do edifício: a pintura estalou em vários sítios e as rachas em alguns cantos são bem visíveis. A caixa do correio, com um número 28 pintado a spray de forma improvisada, está a abarrotar de publicidade. Mas outros pormenores saltam à vista: as portas de madeira e as janelas são novas, assim como os dois degraus de pedra branca da entrada principal.
De acordo com os vizinhos, a família estava a fazer obras e a remodelar a casa. “Não conhecia bem o alemão, mas via-o por aqui frequentemente”, explica ao Observador António Henriques, vizinho. “Andava sempre com o miúdo, era muito simpático”, acrescenta. E, depois, de braços abertos, suspira: “É difícil não ficar impressionado com o que aconteceu”.
Aníbal Matos, um outro vizinho, que vive mesmo em frente à família, confirma o choque e adianta: “Ele era completamente normal. Andavam aí a fazer obras. Costumava estar aí com dois colegas, portugueses, nas obras”. Outro morador daquela rua, sob anonimato, afirma mesmo: “Era impecável”.
Vizinhos e fontes próximas da família descrevem invariavelmente Clemens Weisshaar como um homem simpático e acessível. Nenhuma das pessoas que falaram com o Observador o imaginava capaz de algum tipo de violência.
Quanto à mãe do menino, toda a gente tem ideia de que não tinha uma vida social tão ativa. “A mulher? Não a via tanto. Nem sei se eram casados. E também não costumavam andar juntos”, lembra António Henriques, um dos vizinhos. Óscar Carvalho Lopes tem uma oficina ao fundo da rua e também confirma que a mulher passava pouco por ali.
O “cãozito” Apolo e o mistério da mulher francesa: “Isto foi muito estranho”
Para além da descrição como “simpático” e “normal”, vários habitantes de Grândola lembram Clemens sempre acompanhado pelo cão da família: Apolo. “É um cãozito amarelo e cego de um olho”, descrevem ao Observador os clientes do Café Pirata. “O Clemens vinha aqui ao café e o cãozito ficava sempre à porta. Ele já nos conhecia e dávamos-lhe comida”, relata Célia Silva, com um sorriso no rosto.
“Olha! É aquele cão!”, atirou no mesmo momento. Lá fora, na rua, uma mulher com cabelo loiro e um gorro passeava um cão pela trela, enquanto falava ao telefone. “Je suis française” (“sou francesa”), respondeu apenas, quando questionada sobre se era próxima de Clemens — enquanto repetia que não falava português nem inglês. Afirmou também, por gestos, que o cão não se chamava Apolo. Mas, quando voltou a passar pelo café, Apolo reconheceu funcionários e clientes. “Isto foi muito estranho”, ouviu-se no café entre quem estava habituado a ver sempre outra pessoa com aquela trela na mão.
Célia Silva, mãe do proprietário do Café Pirata, explica que na última semana (quando Clemens desapareceu) três mulheres (“duas estrangeiras e uma portuguesa”) foram ao café perguntar por ele. Lembra também que, na semana anterior ao desaparecimento, o alemão esteve no estabelecimento com outro amigo. “Era mais velho, alto, de cabelo assim grisalho. Não falava português, talvez fosse também alemão”, confirma Melina Pereira, atrás do balcão.
A GNR também chegou a ir a este estabelecimento perguntar por Clemens, um dia depois de o alemão ter desaparecido com a criança. Mas o caso já não está com a GNR de Grândola neste momento, que agora remete todos os esclarecimentos para a Polícia Judiciária.
As obras no monte, a pista de motocross e o carro carbonizado: “Tudo o que havia para arder, ardeu”
Os corpos de Clemens e do filho foram encontrados perto de um monte onde o alemão estava a restaurar uma casa. Várias fontes explicam ao Observador que Clemens Weisshaar costumava comprar casas, restaurá-las e depois vendê-las. O alemão seria, aliás, um conceituado designer e arquiteto.
O monte fica na zona dos Mosqueirões, a cerca de 10 minutos de carro de Grândola. O local é remoto. Só há uma estrada que se estende por vários quilómetros e os carros vão passando a conta-gotas. Só se ouve o soprar do vento ao fundo e os chocalhos das ovelhas que por ali pastam tranquilamente. A casa em questão está em ruínas. É possível ver, ao longe, os andaimes que rodeiam a infraestrutura e confirmam as obras.
Rui Ermidas é o proprietário da Taberna dos Mosqueirões, o único estabelecimento aberto naquela zona. Também conhecia bem Clemens: “Ele era uma pessoa simples. Vinha aqui frequentemente, talvez uma vez por semana. Bebia um café, um moscatel ou uma cervejinha”. De acordo com Rui Ermidas, o alemão parava ali depois de um dia de trabalho a restaurar a casa com “os dois colegas das obras”, portugueses. Também costumava aparecer com o filho: “O miúdo era um anjinho”. “Foi sempre tudo muito normal. Nunca desconfiei de nada. Nada previa um desfecho destes”, lamenta o proprietário da taberna. E a mulher? “Não a conhecia tão bem. Eles vieram cá almoçar umas duas, três vezes. Um casal completamente normal”, garante.
Enquanto fala, sai do estabelecimento, coloca-se à beira da estrada e aponta para a casa que Clemens estava a restaurar. Fica mesmo do outro lado. “Eu acho que ele queria fazer ali uma pista de motocross, e a casa era para guardar as motas”, conta.
Os corpos foram encontrados ali perto, na Herdade da Ribeira Abaixo. “É um local de muito difícil acesso”, sublinha ao Observador o comandante dos Bombeiros Voluntários de Grândola. Joaquim Duarte detalha que recebeu a ocorrência no domingo ao final da tarde: “Fomos chamados para remoção de dois cadáveres. Levámos duas ambulâncias e dois veículos 4×4, porque o terreno é mesmo muito complicado”. O comandante dos Bombeiros Voluntários de Grândola recusa falar mais sobre o que encontrou à chegada ao local, mas adianta: “O veículo estava completamente queimado. As chamas consumiram tudo. Tudo o que havia para arder, ardeu”.
Os corpos foram depois transportados para o Instituto de Medicina Legal de Santiago do Cacém para serem autopsiados. Em declarações à Lusa, o diretor da Polícia Judiciária de Setúbal, João Bugia, confirma que “há indícios de que se tratou de um crime de homicídio da criança pelo próprio pai, que, de seguida, se terá suicidado”.
PJ confirma “indícios de crime e suicídio” no caso do pai e filho encontrados mortos em Grândola
Jardim de infância que Tasso frequentava “está de luto”
No ano passado, o filho do casal andava no Jardim Alfazema, jardim de infância que fica na aldeia de Santa Margarida da Serra, a cerca de 15 minutos de carro de Grândola. Uma zona igualmente pacata. A criança frequentou aquele estabelecimento até a mãe a levar para Lisboa. A informação foi confirmada ao Observador por fonte próxima daquele infantário. A mesma fonte adianta que toda a escola “está de luto”. O Observador tentou contactar as educadoras de infância do Jardim de Alfazema, que se recusaram a prestar declarações. O jardim de infância tem cerca de uma dezena de crianças.
A uns passos do Jardim Alfazema, fica a taberna de Agostinho Chaínho, que se lembra bem da criança: “Os miúdos costumam passar aqui com as professoras, vão dar aqui uma voltinha a pé. E eu dou-lhes sempre rebuçados. É uma festa”, afirma, apoiado no balcão. “E esse miúdo era completamente normal. Falava com as outras crianças”, continua a descrever. Agostinho Chaínho adianta ao Observador que era Clemens quem costumava ir levar e buscar o filho ao jardim de infância. A mãe viu-a poucas vezes.
O estabelecimento está praticamente vazio. Um cliente, sentado ali ao lado, também confirma: “Não os conhecia, era mais o pai que aí aparecia”. E sempre na tal carrinha branca.
“Toda a gente se admira (com o caso). A gente vê as pessoas, mas não sabe o que se passa”, afirma Agostinho, com o seu distinto sotaque alentejano. Ao lado, a sua mulher concorda: “Isto comove todos”.
Mãe está “de coração partido” e pede privacidade
A família materna da criança encontrada morta em Grândola emitiu um comunicado na manhã desta terça-feira a reagir ao caso. Na nota, citada pela imprensa britânica, pode ler-se que Phoebe Arnold está de “coração partido”. A família pede ainda privacidade, de forma a homenagear a criança.
“A família de Phoebe Arnold, cujo filho perdeu a vida, em Grândola, em circunstâncias trágicas, está de coração partido com a morte de uma criança que não poderia amar mais. Os eventos da última semana marcaram para sempre a sua vida e deixaram feridas que nunca irão cicatrizar”, começa a nota divulgada em nome da família da estilista britânica a residir em Portugal.
“A família deseja estar junta e, neste momento, pede a privacidade necessária para proteger a investigação policial e para lidar com as consequências deste crime indescritível”, continua o comunicado. A nota descreve ainda uma criança “amada e bela, que lhes foi tirada na mais cruel das circunstâncias”.
A advogada de Phoebe Arnold, citada pela imprensa britânica, já tinha adiantado antes que a mãe da criança estava num estado de “choque e sofrimento profundo”.
Pai da criança era um conhecido designer alemão e mãe uma conceituada estilista
Clemens Weisshaar tinha 44 anos. Nasceu em Munique e, de acordo com o jornal britânico Daily Mail, estudou em Londres no Central Saint Martins College of Art and Design e na Royal College of Art. Fundou o próprio estúdio de design há 21 anos. Conta com trabalhos nas coleções do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, no Centro Georges Pompidou, em Paris, e na Fondazione Prada, em Milão. Trabalhou ainda com nomes como Rem Koolhaas (o arquiteto que projetou a Casa da Música, no Porto).
Já a mãe do menino é uma conhecida estilista britânica que trabalha com nomes como a cantora Paloma Faith e que cofundou a revista Ponystep, antes de trabalhar como diretora de moda em revistas como a Elle e a Garage.
O facto de a mãe de Tasso ser britânica trouxe a Portugal cerca de meia dezena de jornalistas do Reino Unido, que chegaram um dia após os corpos terem sido descobertos e se fixaram em Grândola a escrever sobre o caso. “Hoje anda aí um batalhão de jornalistas”, comenta um dos vizinhos que mora em frente à casa da família.