Há um Orçamento feito pelo Governo onde está José Luís Carneiro que será aprovado na quarta-feira pela bancada onde está sentado Pedro Nuno Santos. Os dois candidatos à liderança do PS ficam comprometidos com a proposta que vai entrar em vigor a 1 de janeiro, mas o que farão se, depois das eleições internas, chegarem ao cargo de primeiro-ministro? A resposta de José Luís Carneiro está no nome que ficou responsável por esta área na sua moção: Fernando Medina. Já Pedro Nuno Santos não esclarece o que fará.

Ambas as candidaturas foram questionadas pelo Observador sobre o que acontecerá ao Orçamento que vai ser aprovado caso sejam eles a ter essa decisão em mãos depois das legislativas de 10 de março. A lei em vigor será para executar como está ou avançar com uma proposta para o alterar? A candidatura de José Luís Carneiro respondeu apenas: “O nosso responsável pelo Orçamento no âmbito da moção é Fernando Medina“. O atual ministro das Finanças é responsável pela proposta de Orçamento que está a ser debatida atualmente, pelo que é improvável que tenha grandes alterações a propor.

Além disso, José Luís Carneiro tem apresentado como uma das suas vantagens de campanha essa garantia de “previsibilidade” e de “segurança”. Ainda esta quarta-feira, em entrevista à CNN, o candidato disse mesmo que a “segurança” é uma das coisas que as pessoas querem saber, exemplificando com a segurança “para cumprir o Orçamento. Os nossos pensionistas que estão em casa querem saber se vamos ser capazes de pagar as pensões e garantir a melhoria das pensões.” E compromete-se a “honrar esses compromissos com as melhorias que, entretanto, foram aperfeiçoadas, foram desenvolvidas no Parlamento”, no debate da especialidade que ficará fechado na próxima semana.

E ainda foi mais longe na defesa da proposta, ao dizer que “do ponto de vista substantivo, o documento tem uma abordagem muito clara. Por um lado, valorização dos rendimentos, entre os quais a valorização dos salários, e, particularmente, entre os mais jovens, a valorização do investimento público, que é essencial no investimento na saúde, nas escolas, é essencial nos transportes e na mobilidade, é essencial na habitação”.

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Carneiro conta mesmo com “as propostas políticas previstas em sede de Orçamento do Estado” para, juntamente com  as propostas políticas que promete “construir para o futuro”, vai “ganhar as eleições e ser o primeiro-ministro do país”. Pelo meio, vai dizendo — em jeito de picardia com o adversário Pedro Nuno — que tem as contas certas como “um princípio que está plasmado no Orçamento” e que essa “não é uma obstinação do PS nem do Ministro das Finanças, Fernando Medina. É um compromisso com as futuras gerações”. Os objetivos económicos inscritos na proposta são matéria sagrada, incluindo o excedente de 0,2% do PIB.

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Pedro Nuno esconde o jogo, mas não vai “fazer tremer as pernas” ao costismo

Já a candidatura de Pedro Nuno Santos prefere não esclarecer o que o candidato planeia fazer e que compromisso pretende levar para as legislativas nesta matéria. Embora a candidatura de Pedro Nuno Santos prefira, para já, não esclarecer o seu plano para o Orçamento do Estado, não faltam pistas. Pelo menos, pistas do que Pedro Nuno, ainda no papel de futuro-candidato – quando ainda era impossível adivinhar que rebentaria uma crise política em poucas horas – dizia que faria se o Orçamento estivesse nas suas mãos.

No espaço de comentário que teve por breves semanas na SIC, antes de avançar com a sua candidatura, Pedro Nuno teve tempo de elogiar o atual Orçamento (é “belíssimo”) mas também de deixar uma lista de reparos e críticas de fundo. A grande discordância assenta no ritmo da redução do défice e da dívida pública: se ter contas certas é um bom princípio, Pedro Nuno acredita que parte do excedente deveria ter sido usada para “resolver problemas da administração pública” e apaziguar as classes profissionais que estão “em guerra” com o Governo.

Durante os seus comentários, o candidato que acreditava que “era possível fazer diferente” neste Orçamento entrou mesmo em detalhes, lembrando que o défice previsto (0,9%) acabou por ser muito diferente no saldo final do ano (0,8% de excedente) e que isso significaria um “desvio de 4,4 mil milhões que não chegam à economia”. Parte desse dinheiro deveria ter sido usado para negociar com os médicos e atenuar a perda de poder de compra de que estão a sofrer, defendeu, assim como para aumentar a atração e retenção dos professores – sendo que Pedro Nuno defende mesmo a reposição do tempo de serviço congelado, ao contrário do atual Governo.

O candidato à liderança do PS insistiu ainda nas virtudes de outras aplicações da margem orçamental, como o investimento em investigação e desenvolvimento, e duvidou da eficácia do fundo de investimentos estruturantes de Medina (admitindo que “a ideia é boa”).

E embora o candidato não queira, para já, assumir posição, há na campanha quem antecipe que se Pedro Nuno chegar a primeiro-ministro não deve “mexer muito” no Orçamento – “até é o OE em que mais se deve rever”, nota uma fonte pedronunista – mas pode aproveitar para fazer algumas mexidas que “corporizem” as ideias que defendeu como comentador. “Faz sentido ter algumas mudanças que aprofundem um bocadinho mais a distribuição de rendimentos” caso os indicadores económicos estejam estáveis, nota a mesma fonte, garantindo que nesse caso seria possível “cumprir o que defendeu” sem mexer nas metas orçamentais.

Até porque Pedro Nuno tem aqui um equilíbrio para garantir entre as ideias que defendeu enquanto comentador – quando a perspetiva de poder vir a liderar o PS era longínqua – e a manutenção das contas certas, que “não quer pôr em causa”. Se Carneiro se tem assumido como o defensor dessa herança (e até conta com Medina na equipa para assegurar que o seu legado continua protegido), do lado pedronunista mantém-se uma garantia: o candidato não tomará decisões orçamentais que voltem a colar ao PS a fama do despesismo ou façam “tremer as pernas” ao costismo.

Quem entra altera

Uma proposta de alteração ao Orçamento surge quando o Governo em funções entende que é necessário fazer uma alteração às dotações previstas mais ou menos profunda, quer isso tenha um impacto no valor global das dotações ou não (são os chamados orçamentos suplementares ou retificativos, respectivamente).

No passado, quando entrou um novo Governo o Orçamento que estava em vigor nesse ano foi sempre alterado por quem entrou, no entanto, quem entrou foi sempre de uma cor política diferente. Por exemplo, em 2001 António Guterres apresentou a demissão de primeiro-ministro depois de já ter aprovado, no Parlamento, o Orçamento para 2022 com o deputado do CDS Daniel Campelo a compor o número (116 deputados) que então faltava ao PS. O país foi a votos, o PSD ganhou as eleições e, em maio de 2002, o primeiro-ministro Durão Barroso retificou a lei que estava em vigor à medida do seu programa eleitoral.

O mesmo aconteceu com o Orçamento de 2005, depois da dissolução da Assembleia da República. Saiu Pedro Santana Lopes e entrou José Sócrates, que em junho apresentou uma alteração à lei que estava em vigor, isto já depois de ter pedido a Vítor Constâncio — na famosa “Comissão Constâncio” — para apurar o “real valor do défice” deixado pelo Governo anterior. O défice apurado foi de 6,83%, o que levou o Governo a ter argumento para avançar com “medidas imediatas” que Sócrates dizia visarem “defender a credibilidade da economia portuguesa”.

A última mudança foi a de 2011, quando Passos entrou em funções, depois da saída de Sócrates e com a troika a entrar no país. A alteração passou pelo aumento do limite do endividamento para incluir o resgate à banca que era necessário na altura.