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Florêncio de Almeida, presidente da ANTRAL (à esquerda), Maria Rendeiro (ao centro) e João Rendeiro (à direita) são os protagonistas de um novo caso a envolver o ex-líder do BPP
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Florêncio de Almeida, presidente da ANTRAL (à esquerda), Maria Rendeiro (ao centro) e João Rendeiro (à direita) são os protagonistas de um novo caso a envolver o ex-líder do BPP

Florêncio de Almeida, presidente da ANTRAL (à esquerda), Maria Rendeiro (ao centro) e João Rendeiro (à direita) são os protagonistas de um novo caso a envolver o ex-líder do BPP

Como a fuga de Rendeiro levou à prisão de Maria: todas as suspeitas contra a mulher do ex-líder do BPP

Ministério Público arrestou o apartamento na Quinta do Patiño que os Florêncio de Almeida cederam a Maria de Jesus Rendeiro e procura agora negócios idênticos e o rasto do dinheiro das obras vendidas.

Esteja onde estiver, João Rendeiro já saberá que a sua mulher está sob detenção e irá passar a noite no Estabelecimento Prisional de Tires. Ironia das ironias, o ex-líder do Banco Privado Português (BPP) não é arguido neste processo por ter fugido para parte incerta, mas é o principal protagonista de todos os negócios sob suspeita e arrisca ver (à distância) Maria de Jesus Rendeiro ser presa preventivamente.

Pelo meio deste novo caso, temos ainda a família Florêncio de Almeida. O pai Florêncio, o todo-o-poderoso presidente da ANTRAL — Associação Nacional dos Transportadores Rodoviários em Automóveis Ligeiros — será um antigo cliente do BPP, enquanto que o seu filho Florêncio Plácido de Almeida foi durante muitos anos motorista de João Rendeiro. Certo é que os Florêncio de Almeida realizaram uma série de negócios imobiliários que começaram por ser revelados por uma investigação do programa “Sexta às 9” (RTP) e que estão agora no centro da investigação da Operação “D’Arte Asas”.

Caso BPP. Juíza extrai certidão para abertura de inquérito contra mulher de João Rendeiro

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As principais suspeitas

Os autos da Operação “D’Arte Asas” são autónomos do chamado caso BPP e foram abertos no dia 6 de outubro — nove dias antes de a juíza Tânia Loureiro Gomes ter ordenado a extração de certidão do chamado processo dos prémios (no qual João Rendeiro tem uma condenação pendente de 10 anos de prisão efetiva) para que o Ministério Público (MP) investigasse as suspeitas do crime de descaminho que incidem sobre Maria de Jesus Rendeiro.

Ora, esta nova investigação nas mãos de uma procuradora do Departamento Central de Investigação e Ação Penal tem dois grupos de factos indiciários independentes e o primeiro grupo começa precisamente pelas suspeitas de descaminho. Sendo fiel depositária de um acervo de 124 obras de artes no valor de cerca de 150 milhões de euros que estavam apreendidas à ordem dos autos do processo dos prémios para poder ressarcir os lesados do BPP, Maria de Jesus Rendeiro não terá impedido que 15 dessas obras de arte fossem deslocadas e três tenham sido claramente falsificadas.

É precisamente o produto das vendas de obras de arte que está na origem de suspeitas de branqueamento de capitais imputadas a João Rendeiro e à sua mulher. Porquê? Porque a venda é ilícita por se tratar de bens que estavam apreendidos por ordem judicial e porque os fundos terão sido transferidos por intermédio de diferentes sociedades offshore alegadamente controladas pelo líder do BPP.

Das obras de arte desaparecidas, oito terão sido mesmo vendidas no período de outubro de 2020 a outubro de 2021 por intermédio de João Rendeiro. Tais operações de venda terão rendido cerca de 1,3 milhões de euros e o MP não acredita que Maria Rendeiro não estivesse a par de tudo.

É precisamente o produto dessas vendas que está na origem de suspeitas de branqueamento de capitais imputadas a João Rendeiro e à sua mulher. Porquê? Porque a venda é ilícita por se tratar de bens que estavam apreendidos por ordem judicial e porque o produto da venda terá sido transferido por intermédio de diferentes sociedades offshore alegadamente controladas pelo antigo líder do BPP.

As vendas alegadamente simuladas entre o João Rendeiro e o Rei dos Táxis

O segundo grupo de suspeitas que incidem sobre Maria Rendeiro e o seu marido relaciona-se com diversos negócios imobiliários que o MP suspeita que tenham sido simulados com o objetivo final de providenciar liquidez a João Rendeiro e uma casa à sua mulher que estivesse a salvo de uma apreensão judicial. Para o efeito, o casal terá tido a ajuda da família Florêncio de Almeida.

O primeiro negócio aconteceu quando faltavam cinco dias para o Natal de 2020. Nesse dia 18 de dezembro, o encontro entre Maria de Jesus Rendeiro, mulher do ex-líder do Banco Privado Português (BPP), Florêncio Plácido de Almeida, filho do presidente da ANTRAL, e a mulher deste foi marcado para o Cartório Notarial na Rua Rodrigues Sampaio, em Lisboa. O casal vendia ali o direito de usufruto da casa onde declarava residir, uma vivenda no luxuoso condomínio da Quinta do Patiño, em Cascais, não muito longe daquela onde também vivia o casal Rendeiro.

Por esta altura João Rendeiro já tinha uma pena de prisão de cinco anos e oito meses pendente na justiça portuguesa por ter falsificado a contabilidade do BPP. Estava ainda a ser julgado num segundo processo, ao qual comparecia sempre acompanhado pelo seu motorista, Florêncio Plácido Almeida. Neste processo, acabaria condenado cerca de um mês depois daquela escritura a uma pena ainda mais pesada, de dez anos de prisão, por fraude fiscal e abuso de confiança.

Mulher de João Rendeiro foi detida e vai passar a noite na prisão de Tires

Naquele encontro no cartório da Rodrigues Sampaio, Florêncio Plácido de Almeida e a mulher vendiam o usufruto da sua vivenda a Maria de Jesus Rendeiro por um período de 15 anos a um valor de 200.976 euros, justificando o valor pela idade da mulher de Rendeiro: 69 anos. Um negócio que não teve mediação imobiliária e que estabeleceu também na escritura que todas as despesas ficariam a cargo de Maria de Jesus, detida esta quarta-feira por suspeitas dos crimes de branqueamento e de descaminho.

Anos antes deste negócio, porém, o motorista de Rendeiro já tinha ficado com outro bem do antigo banqueiro por intermédio do seu pai, de quem herdou o nome. Pormenor relevante: Florêncio de Almeida sénior é o presidente da ANTRAL — Associação Nacional dos Transportadores Rodoviários em Automóveis Ligeiros, a poderosa associação conhecida por representar os taxistas de todo o país.

O prédio de 330 m2 da família de Rendeiro, com os números 37 e 39 na Rua Silva Carvalho, em Campo de Ourique, foi vendido a Florêncio de Almeida (pai) por 350 mil euros. Na escritura, assinada pelo antigo banqueiro e pelo empresário em janeiro de 2015, numa conservatória na Avenida Almirante Reis e sem qualquer imobiliária a intermediar o negócio, foram também vendidos ao empresário um outro prédio urbano na mesma rua de Campo de Ourique com os números 41 e 41A por 150 mil euros e dois terrenos rústicos na Murtosa, também herdados por Rendeiro, segundo os documentos consultados pelo Observador.

Há duas vivendas na Quinta do Patiño arrestadas por causa de Rendeiro: uma pelo processo da pena de dez anos e outra à ordem do processo de branqueamento e descaminho de Maria de Jesus

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Mais tarde, em 2018, Florêncio Almeida acabaria por doar parte do prédio de Campo de Ourique ao filho, que acabou por vendê-lo e com as mais valias do negócio comprou a tal vivenda perto do patrão, João Rendeiro, e cujo usufruto alienou à mulher. Um negócio que para o Ministério Público poderá ter sido simulado, para que Rendeiro conseguisse fazer circular dinheiro à margem dos processos crime que ainda enfrenta.

Apartamento que motorista cedeu a mulher de Rendeiro está arrestado

Poucos dias depois de estes autos terem sido abertos no DCIAP, a procuradora titular ordenou a apreensão do apartamento da Quinta Patiño onde Maria Rendeiro vive como usufrutuária. Segundo a certidão do registo predial, consultada pelo Observador, este imóvel foi alvo de uma “apreensão em processo penal” no dia 15 de outubro.

Assim que João Rendeiro declarou ao processo que não pretendia regressar a Portugal, a juíza mandou a Polícia Judiciária a casa do casal para perceber se os bens arrestados há quase uma década ali se mantinham. Mas o relatório entregue pela Polícia Judiciária viria a indiciar logo que algo não batia certo: 15 obras estavam desaparecidas e três tinham sido claramente falsificadas, sem ser mesmo preciso uma grande perícia para o confirmar. Era visível a “olho nu” como escreveu a própria magistrada na decisão que comunicou também esta quarta-feira de multar em mais de mil euros a mulher de Rendeiro por ter violado os seus deveres enquanto fiel depositária daqueles bens.

Maria de Jesus Rendeiro condenada a pagar multa por deixar escapar obras de arte do marido

A juíza ainda deu alguns dias a Maria de Jesus Rendeiro para procurar as obras que nunca deviam ter sido deslocadas do seu lugar. A mulher de Rendeiro entregou metade, mas uma delas era também uma falsificação. Um comportamento “censurável” aos olhos da juíza que não acredita que a mulher de Rendeiro não se tenha apercebido de nada. Enquanto fiel depositária, Maria de Jesus Rendeiro teve oportunidade de se explicar na última sexta-feira no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, mas foi tomada pelas lágrimas e disse não estar em condições psicológicas para falar. Também a defesa, a mesma que representa o marido, apoiou o silêncio sustentando-se no facto de haver já um processo-crime por descaminho e de Maria de Jesus Rendeiro ter o direito de não se auto-incriminar e por isso ficar em silêncio.

Galeria em Bruxelas já foi contactada por polícia portuguesa

A procuradora a quem calhou o processo crime pelo descaminho das obras estava, no entanto, atenta à diligência. É que, apesar de Maria de Jesus Rendeiro não justificar onde estavam as obras, o advogado do BPP, Miguel Coutinho, acabaria por revelar o paradeiro de algumas delas. Pelas suas contas, explicou o advogado, estarão em falta 13 dos objetos e, desses, oito “já foram vendidos entre 23 outubro de 2020 e 1 de outubro de 2021 pelo valor de 1 milhão e 300 mil euros”, disse. Mais: quatro dessas obras terão sido replicadas e falsificadas para substituir as originais — levantando assim as suspeitas iniciais da PJ. E uma delas está agora exposta publicamente numa galeria em Bruxelas.

Obra de Frank Stella que polícia procurava em casa de Rendeiro está desde setembro numa galeria em Bruxelas

Apesar de não prestar uma posição pública sobre o caso, uma fonte da galeria Charles Riva Collection em Bruxelas disse ao Observador já estar a par do caso e até já ter sido contactada pela polícia portuguesa. No entanto, dizem, a obra continua exposta e, segundo defendem, deverá ser a leiloeira Christie’s a esclarecer o negócio firmado em março deste ano. Deverá também esclarecer a venda de outros quadros arrestados que comercializou. O Observador está desde sexta-feira a tentar contactar a leiloeira sem obter qualquer resposta.

Resta saber se o MP irá avançar para a anulação desses negócios jurídicos, promovendo a cooperação judiciária internacional para apreender os quadros e fazê-los regressar a Portugal. Ou se optará por tentar apreender o produto da venda que estará na posse de João Rendeiro.

Certo é que, com um iminente perigo de fuga por parte de Maria de Jesus Rendeiro após a sua presença em tribunal, o MP apressou-se a mandar a Polícia Judiciária para o terreno, tendo promovido previamente a detenção de Maria de Jesus Rendeiro junto do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa e ordenado a realização de 14 buscas domiciliárias e não domiciliárias. Segundo o comunicado da Judiciária, polícias da Unidade Nacional de Combate à Corrupção, com o apoio da Unidade de Perícia Tecnológica e Informática, tinham como missão preservar e apreender prova indiciária que reforcem os indícios sobre a ilicitude dos negócios celebrados entre os Rendeiro e os Florêncio de Almeida.

Por isso, também as casas do presidente da ANTRAL foram passadas a pente fino, assim como a dos filhos. A PJ fez buscas em Lisboa, Oeiras, Estoril e até em Alcáçovas. O Observador apurou que no Alentejo o alvo foi uma quinta de turismo rural detida pelo filho de Florêncio de Almeida, denominada a Horta do Passarinho.

Caso BPP: João Rendeiro condenado a 10 anos de prisão

Na operação “D’Arte Asas”, assim denominada pela PJ, os inspetores procuraram provas que sustentem as suspeitas da prática dos crimes de branqueamento, falsificação e descaminho, crimes estes “relacionados com o acervo de obras de arte apreendidas a João Rendeiro, no âmbito da investigação BPP”, lê-se no comunicado, que não especifica o que foi apreendido “A operação desencadeada visa a recolha da prova dos factos e a recuperação de produto do crime”, conclui o comunicado enviado pelo DCIAP.

Retificada informação às 23h22m sobre a data de abertura do inquérito criminal e o imóvel que foi arrestado na Quinta Patiño

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