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Luana do Bem, 34 anos, é um dos nomes mais reconhecidos da nova geração de humoristas portugueses
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Luana do Bem, 34 anos, é um dos nomes mais reconhecidos da nova geração de humoristas portugueses

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Luana do Bem, 34 anos, é um dos nomes mais reconhecidos da nova geração de humoristas portugueses

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

"Como é que senti que estava preparada para isto? Não senti". Nos bastidores de "Crente", o primeiro solo de Luana do Bem

É uma das mais populares humoristas da nova geração e tem, finalmente, um solo. Antes de percorrer o país com "Crente", acompanhamo-la na estreia em Viseu, em palco e fora dele.

Aos 34 anos, Luana do Bem riscou quase todos os ingredientes da receita para ser uma jovem humorista de sucesso. Despontou como sidekick ao lado de Diogo Batáguas nos populares vídeos mensais que este publicava no Youtube. Ganhou desenvoltura ao passar pelo — no meio do humor, quase inevitável — Curto Circuito. Hoje, atua em várias frentes: está nas manhãs da Antena 3, no Irritações da SIC Radical, e no videocast Palácio da Ajuda.

Tudo foi bagagem para que a agência Kilt, onde está desde o primeiro bit, lhe dissesse: “Luana, está na hora”. E foi assim que chegou a Crente, porque acreditaram nela. “Como é que senti que estava preparada para fazer o solo? Não senti. Eles disseram na minha agência que era a altura e eu concordei.”

Não foi só isso. “Também corresponde a um crescimento de redes sociais”, explica ao Observador, no dia em que se estreia em nome próprio. “Ainda no outro dia falava sobre isso. Comecei a fazer stand-up em 2019 e o Instagram (onde acumula 177 mil seguidores) não tinha a importância que tem agora. [Sentimos que] o público estava comigo, o Irritações deu-me a conhecer a imensa gente. Arriscámos e ainda bem.”

Se tudo fazia crer que sim, as vendas de bilhetes confirmaram-no. As primeiras datas da digressão esgotaram numa semana. Em Viseu, onde o espetáculo se estreou no dia 11 de outubro, os quase 200 lugares do auditório voaram em 24 horas.

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Antes da estreia, Luana do Bem faz os últimos testes com a equipa de produção da Kilt, a agência em que está desde que começou

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

“1, 2, 3 som, experiência”. Várias horas antes do show a equipa testa som, luzes, elementos que compõem a cenografia. As portas abrem às 21h e ainda há coisas para afinar. No dia anterior, a humorista esteve em Matosinhos — um trabalho para uma empresa, a discreta fonte de rendimento de muitos comediantes portugueses —, e por isso demorou-se no hotel a descansar. Na estrada, todo o repouso é pouco, todo o vigor é bem-vindo. Por isso, quando chega ao Auditório Mirita Casimiro, gaba a energia de umas pequenas barras de proteína de café que acabou de comprar.

Dentro da régie, dá pequenas indicações sobre a luz no palco. Acertam-se tempos, fade ins, fade outs. O fumo não entra, não resulta, concluem. O produtor, João Mourão, simula uma cena com música recorrendo ao telefone. “Imagina ser no telefone”, troça. Luana retorque, em jeito de graça: “Quando comecei não era no telefone, mas era numa [coluna] JBL”. Escuta-se Like a Prayer, de Madonna, a canção que a introduzirá à plateia nas pelo menos mais de duas dezenas de datas pelo país — de Braga a Vila Real de Santo António, quase todas já esgotadas.

[Já saiu o quarto episódio de “A Grande Provocadora”, o novo podcast Plus do Observador que conta a história de Vera Lagoa, a mulher que afrontou Salazar, desafiou os militares de Abril e ridicularizou os que se achavam donos do país. Pode ouvir aqui, no Observador, e também na Apple Podcasts, no Spotify e no Youtube. E pode ouvir aqui o primeiro episódio, aqui o segundo e aqui o terceiro.]

Apesar do que pode aparentar, Crente, palavra que titula o espetáculo, pouco tem a ver com religião. Mesmo que, para Luana do Bem, a comédia tenha começado precisamente com um discurso de casamento, quando descobriu que tinha mais jeito para provocar gargalhadas do que para puxar a lágrima. Formada em Marketing, o stand-up surgiu depois de ter saído “por mútuo acordo” de uma agência de publicidade. Fez um curso e atirou-se a um open-mic no bar Xafarix, em Lisboa, numa noite promovida pelo humorista Salvador Martinha. Correu tão bem que a voltaram a convidar.

Desde então, muito tempo passou, mas Luana do Bem nunca parou de fazer stand-up. “Ando aí, testo, vou às noites de comédia em Lisboa, que é onde vivo.” Mais recentemente, acompanhou Diogo Batáguas no solo, Processo, fazendo a abertura dos espetáculos. “Fiz a tour com o Diogo. Ele deve ter feito 90 e tal datas e eu devo ter feito 79. Fiz praticamente todas. Depois parei um ano porque cansa. Aborreceu-me. Estava a fazer outras coisas. Queria estar em casa. Andei um ano aí de um lado para o outro.”

“Acho que a música tem de entrar um segundo antes”, diz à equipa. “Ou achas que não, João? Posso estar enganada.” O produtor anui.

"Dizem que quando não sabes falar de nada falas de ti, não é? Vou falando sobre mim e o meu texto roda sempre à volta de situações que até podiam ser normais, mas que eu vivo de uma forma que eu considero engraçada, por constrangimento ou não. Se for credível o suficiente, mas meio bizarro, mas que não saia de pé... O limite da mentira para mim é hilariante."

Luana do Bem, nome de família, chegou ao momento da carreira em que um solo, aquele bilhete de identidade que é aperitivo do que está para vir, se impôs. Mas o que vemos no espetáculo é menos preciso e fiel e mais um jogo de mistério. Crente, repete, “não é no sentido da religião”, tem mais a ver “com as crenças de vida”. No seu primeiro solo, Luana do Bem assume-se crente e tenta persuadir-nos a seguir o seu conjunto particular de crenças. O que é verdade ou não é o desafio que lança ao espectador durante uma hora ininterrupta, ao ritmo de uma atleta de alto rendimento.

O entusiasmo com que relata as peripécias é contrastante com a postura que toma horas antes, quando escolhe ficar no auditório, a sós, em silêncio, enquanto a equipa janta num restaurante perto do teatro. “Consigo comer, mas prefiro não. Fico mais lenta de movimentos, fico pesada. Não vale a pena”, explica.

O sorriso é aberto no palco e fora dele, mas sem microfone Luana revela-se uma pessoa tímida. Diz que quando tem medo fica mais reservada, mais calada, menos expansiva. “Quando tenho mesmo muito medo, fico arrogante”, admite ao Observador. Descortinar a personalidade dos humoristas é um exercício possível e recorrente, mas desengane-se quem ache que este é um espetáculo sobre Luana do Bem. Não nos vai contar como é fanática por futebol e como, mesmo sendo portista ferrenha, foi guia no Estádio da Luz. Tampouco vai revelar como adora coisas arrumadas ou como uma T-shirt a dizer “I love Excel” não seria totalmente descabido.

Nas horas que antecedem o espetáculo, a humorista prepara-se no auditório, ainda fechado

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Lá fora, Marta e Carlos abeiram-se do balcão no pequeno foyer, abrigados da chuva. Pedem um café e uma água com gás. Da moeda de dois euros ainda recebem troco. “Isto aqui não é Lisboa”, troça Marta. Eles sabem do que falam. Mudaram-se há cinco meses para Viseu, depois de a filha nascer, trocando um apartamento na capital comprado na hora certa por uma casa com espaço para viver. Em Lisboa papavam tudo o que era espetáculos de stand-up, e não perderam o Relatório DB ao vivo. “Foi espetacular”.

Falam do espetáculo que revelou, em certa medida, o impacto de Luana do Bem, que rompeu Campo Pequeno adentro numa personificação de Cristina Ferreira, com uma extravagante coroa e vestes brancas, carregada por homens. A euforia do público foi um ponto de viragem para a humorista, habituada a receber “imenso ódio online”. “A partir daí, todos os espetáculos correram bem”, diz Luana.

Nos últimos minutos antes do espetáculo, a humorista conversa no camarim com Ricardo Soares, fundador da Kilt, e Miguel Nunes, o novo agente, que acaba de chegar à produtora

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

“Gostamos muito de ti e gostámos muito do espetáculo”, dizem-lhe duas raparigas após o final. “Recebemos pouquíssima comédia aqui. Fiquei mesmo orgulhosa por teres escolhido Viseu para começar.”

Não foi propositado. É, de resto, comum para os humoristas evitar cidades como Porto ou Lisboa para o arranque de digressões, para que quando o espetáculo chegue a essas salas maiores o texto esteja já bem oleado e com todas as arestas limadas. Mas o facto de a cidade de Viseu ter sido criticada, em setembro, pelos humoristas José Pedro Gomes e Aldo Lima no programa Prova Oral (dando até origem a um episódio da rubrica Extremamente Desagradável) foi uma mera casualidade — que Luana não desperdiçou. “Se vocês não rirem, vão dar razão ao Aldo Lima”, provoca mal sobe a palco. Não é uma tomada de posição, no entanto, como nada do que faz. Não é isso que a leva a falar recorrentemente da namorada, ou a escolher She’s a Rainbow, dos The Rolling Stones, para terminar o espetáculo.

Como já repetiu em diversas entrevistas, considera que dizer que gosta de mulheres não é um ato de coragem, não quer ser vista como ativista. “Nunca pensei se seria ou não importante. Em determinado momento, incomodou-me estarem outras pessoas, na altura num circuito muito pequeno de comediantes, a falarem de uma coisa que era minha. É muito comum nas noites de comédia mandarmos uma boca para quando um comediante sai do palco, nada ofensivo, mas percebi: “Não quero que sejam outros a falar sobre isto que é meu.” Portanto, falei, porque no fundo como boa autocentrada que sou, falo mais é de mim. Sempre com naturalidade. Até porque já toda a gente importante para mim estava a par da minha orientação sexual”, disse há uns meses à Sábado.

Apesar de tudo, continua a ser o principal motivo de fel nas caixas de comentários nas redes sociais. “Nisso o Diogo Batáguas ajudava-me muito. O que ele diz é: as pessoas que gostam não comentam, ou comentam menos. E as que não gostam vão sempre comentar e vão sempre odiar. Deixei de ver inicialmente os comentários do Relatório. Depois voltei a ver numa vez que fizemos uma edição de comentários maus sobre mim e rimo-nos muito. Hoje em dia recebo mesmo muito hate na net. No Instagram, mesmo muito. Por ser gay. É sempre o hate mais básico”, conta. “Ser gay, ser um homem, ser lésbica, ser feia. Ser mal fodida. É uma cena que acontece muito. Só que tu pensas: em que é que isto reflete o meu trabalho mesmo? Logicamente: em nada. Acho que é um bocado por aí. Ao início, se calhar, afetava-me mais. Hoje tento não ligar muito. Tento mesmo não ficar triste. Porque se vou ficar triste com isso…”

“Estou um bocadinho nervosa, nota-se?”, diz, poucos segundos depois de subir a palco. O público responde que sim e isso, revela mais tarde, surpreende-a. Mas Luana finta o inesperado e encara a plateia dominando-a em menos de nada. “Adoro estar em palco, divirto-me sempre”, dirá depois.

No palco, Luana do Bem contraria toda a timidez e revela-se expansiva. Ao longo de 60 minutos, a humorista fala sobre "as crenças de vida", sem revelar ao espectador o que é verdade ou não

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Os 60 minutos de Crente navegam entre o que é verdade e mentira. “A cena do Crente era mais porque eu acho que as pessoas acreditam em tudo o que tu lhes disseres.” Explica que foi escrevendo o texto, acrescentando 10 minutos “aqui e ali”. “Depois lembrava-me de outros 10 minutos e escrevia. Depois tinha umas piadas muito giras sobre a minha namorada e escrevia.” As páginas iam-se acumulando. “Percebi que quase tudo era à volta da mentira. Percebi que posso estar o tempo todo a dizer que sou mentirosa, porque as pessoas estão sempre a acreditar em mim, nas minhas histórias.”

“Dizem que quando não sabes falar de nada falas de ti, não é? Vou falando sobre mim e o meu texto roda sempre à volta de situações que até podiam ser normais, mas que eu vivo de uma forma que eu considero engraçada, por constrangimento ou não”, conta. Grande parte das histórias são verdade. A outras a humorista “acrescenta um ponto, e um ponto, e um ponto”. “Se for credível o suficiente, mas meio bizarro, mas que não saia de pé… O limite da mentira para mim é hilariante. Ver até onde é que podes ir com a mentira.”

Não revela que percentagem do texto passaria num fact check, mas a avó Rute, uma personagem bem real, é um tema recorrente e justifica assim o seu protagonismo: “A minha avó é a pessoa mais engraçada que já conheci na minha vida. Consigo me imaginar a ser muito parecida com ela. A ser mais velha e a ser um bocado como ela é, sem pudores” — seja na forma como admite ter funcionárias favoritas no lar (e o barómetro é a oferta de bolo de aniversário) ou na relação sui generis com a namorada da humorista. Ver o espetáculo da neta é que não vai acontecer: “seria o maior desgosto”.

A humorista arrancou a digressão no Auditório Mirita Casimiro, em Viseu

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Refastelada numa cadeira do público após o espetáculo, Luana não dá sinais de cansaço. “Estou bem, curti”, garante. “Nunca tinha feito uma hora de stand-up, stand-up mesmo. Já fiz eventos, mas nunca tinha feito uma hora. Deu-me meio pânico ali aos 55 minutos, quando percebi que já estava a ir para o fim e só tinha passado uma hora e estava-me a parecer pouco. Mas tens de saber quando chega. Acho que no fim estiquei uma parte e até me baralhei e enganei-me por achar que tenho de fazer mais um bocado. E não tenho. Está bom, está bem sim. Está ali uma piada que fecha bem. Está bom.”

Na estreia, para não ter elementos de distração, Luana não teve número abertura, mas no resto da digressão será acompanhada por Tiago Almeida ou Guilherme Ludovice, ambos jovens humoristas à procura do seu lugar. “Vai ser a coisa menos… Não, é mentira. Ia dizer que era pouco meritocrática, mas não é, porque eles têm muito mérito”, corrige-se. Os dois amigos fazem com ela o podcast Palácio da Ajuda. “Só se alguma vez eles não puderem é que chamarei outra pessoa. Acho que a maior vantagem de poder finalmente escolher pessoas é poder escolher os meus melhores amigos. Agora vamos brincar por aí”, sorri. “Acho que se eles não fossem tão bons como são tinha-os escolhido na mesma. Tenho a sorte de eles serem bons.”

Com tendência para a autocrítica, perguntamos-lhe o que pode melhorar e revela que identificou “muletas de linguagem”, “ligações menos suaves”. Tudo impercetível para quem a viu, mas que não passa ao seu olhar clínico. Mais: diz que não resiste e no dia seguinte vai ver a gravação da estreia. “Houve uma altura em que a ouvia na própria noite, chegava à casa e não me ia deitar sem ir”, confessa. “Queria ver como é que correu, se fosse muito bom ficava muito excitada, se fosse mau, precisava de perceber rapidamente o que é que ia mudar. Hoje em dia, chego a casa, vou-me deitar imediatamente porque vou acordar às cinco e meia da manhã no dia a seguir e não consigo ouvir”. Insegurança ou perfecionismo? “É para melhorar, para ver onde é que bateu, o que é que não bateu”, diz. “Isso é a minha parte preferida: é o jogo. O jogo de: e agora?”

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