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RODRIGO MENDES/OBSERVADOR

RODRIGO MENDES/OBSERVADOR

Como Fezas Vital foi preso. A decisão relâmpago da juíza e o desespero da defesa com a amnistia da Jornada Mundial da Juventude

Juíza ordenou condução à prisão imediatamente após o trânsito em julgado de pena de 9 anos e 6 meses no Constitucional. Decisão relâmpago ultrapassou processo da segunda pena pendente há 15 dias.

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Foi o último acto de um caso que se iniciou a 1 de dezembro de 2008 com a intervenção do Banco de Portugal — após o Estado ter recusado emprestar 750 milhões de euros a João Rendeiro para salvar o ‘seu’ Banco Privado Português (BPP). Ao fim de 16 anos, foi preso o último banqueiro do BPP em liberdade para cumprir uma pena de prisão de 9 anos e 6 meses de prisão efetiva pelos crimes de abuso de confiança, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais por se ter apropriado indevidamente de 7,7 milhões de euros.

Salvador Fezas Vital, que se apresentou no Estabelecimento Prisional da Carregueira durante a tarde desta quinta-feira, junta-se assim a Paulo Guichard e Fernando Lima — os três ex-administradores vivos que se encontram cumprir penas de prisão efetiva pelos seus atos como administradores do BPP. O fundador João Rendeiro morreu em maio de 2022 numa prisão da África do Sul, após ter sido detido enquanto foragido à justiça portuguesa.

Último banqueiro do BPP em liberdade entregou-se para cumprir pena de prisão de nove anos e seis meses

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Como é que Salvador Fezas Vital foi preso? A história inclui desespero da defesa ao querer a aplicação da amnistia Juventude Mundial da Juventude (para menores de 30 anos, apesar de Fezas Vital ter 67 anos), mas também uma decisão relâmpago de uma juíza de primeira instância, que contrasta em absoluto com a morosidade de um caso que levou a quatro processos judiciais — dois já concluídos há alguns anos e dois que se encerraram nos últimos dias.

A justiça morosa do caso dos prémios: factos de 2008 só têm trânsito em 2024

A prisão de Fezas Vital começa paradoxalmente pelo processo mais atrasado em termos de tramitação: o chamado caso dos prémios do BPP, em que a administração liderada por João Rendeiro foi condenada por se ter apropriado de cerca de 30 milhões de euros através de prémios de performance auto-atribuídos que não lhes eram devidos.

A procuradora Ana Margarida Santos acusou João Rendeiro, Fezas Vital, Paulo Guichard e Fernando Lima em 2016 de se terem apropriado dos seguintes valores entre 2005 a 2008:

  • João Rendeiro — 13,613 milhões de euros
  • Salvador Fezas Vital — 7,770 milhões de euros
  • Paulo Guichard — 7,703 milhões de euros
  • Fernando Lima — 2,193 milhões de euros

O Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa condenou os arguidos a penas pesadas a 14 de maio de 2021 pelos crimes de abuso de confiança, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais. Rendeiro foi condenado a 10 anos de prisão, Fezas Vital e Guichard a 9 anos e 6 meses e Fernando Lima a seis anos. A Relação de Lisboa confirmou as penas em fevereiro de 2022 e o Supremo recusou os argumentos da defesa em dezembro de 2023, usando mesmo palavras particularmente duras.

Os arguidos agiram “sempre com dolo direto, daí que intenso. Com elevado grau de ilicitude”, em regime de “co-autoria, programada e antecipadamente”, em “conjugação de vontades e de esforços” e “em propósito de incomensurável ganância sem limite ou rédea. Tanto mais grave quanto” faziam “parte da estrutura decisória de um banco que, dada a sua pequena dimensão, permitia um total controle de todos os movimentos e operações”, lê-se no acórdão a que o Observador teve acesso.

O Supremo foi particularmente duro com Fezas Vital e Paulo Guichard, já que assegurou que agiram “sempre com dolo direto, daí que intenso. Com elevado grau de ilicitude”, em regime de “co-autoria, programada e antecipadamente”, em “conjugação de vontades e de esforços” e “em propósito de incomensurável ganância sem limite ou rédea", lê-se no acórdão.

Paulo Guichard, que já se encontrava desde abril de 2022 a cumprir pena por crimes praticados no processo da falsificação da contabilidade do BPP (quatro anos e oito meses) e no caso do embaixador (três anos), não recorreu para o Constitucional e conformou-se com a decisão. Fernando Lima recorreu, perdeu e foi preso em setembro de 2023.

Fezas Vital — que, através da sua advogada Sofia Caldeira, sempre teve um maior grau de litigiosidade durante os quatro processos que constituem o caso BPP — conseguiu com que a tramitação dos autos contra si ficassem um pouco para trás.

Assim, só a 3 de junho de 2024 é que o recurso de Fezas Vital foi apreciado pelo Tribunal Constitucional (TC). Foi rejeitado liminarmente por falta de fundamento e, após reclamação da defesa, a conferência da 3.ª Secção do TC voltou a rejeitar também a mesma, no último dia 25 de setembro.

A decisão relâmpago da juíza Tânia Loureiro Gomes

E é aqui que entra a juíza de direito Tânia Loureiro Gomes, titular dos autos do caso dos prémios na primeira instância. Perante uma clara manobra dilatória da defesa de Fezas Vital, que arguiu a nulidade dessa reclamação da conferência da 3.ª Secção do Tribunal Constitucional, a juíza do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa fez algo pouco comum para uma magistrada da primeira instância: instou o TC a aplicar uma norma do Código de Processo Civil (que se aplica à jurisdição penal) contra as manobras dilatórias.

Tendo em conta que já passaram “mais de três anos” sobre o acórdão condenatório “em primeira instância, confirmado pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa e pelo Colendo Supremo Tribunal de Justiça”, a juíza Tânia Loureiro decidiu, por despacho de 24 de outubro, solicitar diretamente ao conselheiro relator titular dos autos no Constitucional [Afonso Patrão] “informação urgente quanto à aplicabilidade” aos incidentes processuais do “disposto no artigo 670.º do Código de Processo Civil” relativo às manobras dilatórias, lê-se no despacho a que o Observador teve acesso.

670 é o número mágico contra as manobras dilatórias?

A aplicação do artigo 670.º do Código de Processo Civil implica, como aconteceu no caso do embaixador por decisão do Supremo Tribunal de Justiça (ver abaixo), que os incidentes dilatórios sejam alvo de certidão para um traslado (processo à parte). Isso faz com que os autos principais desçam de imediato para a primeira instância, com nota de trânsito em julgado para execução da pena.

E, até porque os autos do processo dos prémios eram urgentes devido ao riso de prescrição de um dos crimes (fraude qualificada) pelos quais os arguidos foram condenados, foi precisamente isso que o Tribunal Constitucional decidiu.

Num acórdão com data desta quarta-feira (13 de novembro), a 3.ª Secção do TC decidiu rejeitar a nulidade alegada pela defesa de Fezas Vital e invocou o art. 670.º do Código de Processo Civil para que fosse “extraído traslado [processo à parte] dos presentes autos” para serem tramitados eventuais novos incidentes processuais, lê-se no acórdão a que o Observador teve acesso. Assim, tudo ficava definido: “Considera-se na presente data transitado em julgado” o acórdão do TC que tinha rejeitado liminarmente o recurso de inconstitucionalidade apresentado.

Perante a notificação do acórdão às partes na manhã desta quinta-feira, a juíza Tânia Loureiro Gomes não perdeu tempo e, de acordo com o que lhe é permitido pela lei, agiu de forma proativa e emitiu imediatamente os mandados de condução à prisão para serem executados pela Polícia Judiciária.

Perante a notificação do acórdão do TC às partes na manhã desta quinta-feira, a juíza Tânia Loureiro Gomes não perdeu tempo, agiu de forma proativa e emitiu imediatamente os mandados de condução à prisão para serem executados pela Polícia Judiciária. Uma decisão relâmpago, rara na justiça portuguesa.

Ou seja, praticamente no mesmo momento em que a defesa de João Rendeiro e outras partes do processo foram notificadas da decisão do Constitucional, a juíza ordenou a prisão de Fezas Vital. Uma decisão relâmpago, rara na justiça portuguesa.

A mesma juíza, que viu João Rendeiro fugir em setembro de 2021, já tinha agravado as medidas de coação de Salvador Fezas Vital no dia 30 de outubro, ao obrigar o arguido a apresentar-se quatro vezes por semana na esquadra da PSP de Oeiras, a mais próxima da sua residência.

A ferramenta contra as manobras dilatórias: o artigo 670.º do Código de Processo Civil

No caso do embaixador, outro processo do caso BPP no qual Fezas Vital tem uma pena de prisão efetiva de dois anos e seis meses para cumprir, também o artigo 670.º do Código do Processo Civil foi invocado para decretar o trânsito em julgado e a baixa imediata dos autos à primeira instância para execução da pena.

A história conta-se em poucas palavras. Enquanto o Tribunal Constitucional não decidia o trânsito em julgado do chamado caso do embaixador, o que veio a acontecer no passado dia 22 de outubro, a defesa de Fezas Vital apresentou um novo requerimento no Supremo a arguir uma irregularidade na decisão de junho de 2023 tomada pela conselheira Helena Moniz — decisão esta que está descrita neste trabalho do Observador.

Supremo Tribunal de Justiça ordena prisão imediata do último administrador do Banco Privado Português ainda em liberdade

O problema é que tal irregularidade (composição do coletivo do Supremo que decidiu em junho de 2023 o recurso sobre o acórdão condenatório) já tinha sido arguida anteriormente. O que levou novamente à sua rejeição liminar. “O arguido pretende obviar ao trânsito em julgado da decisão que julgou inadmissível os recursos interpostos“, censura a conselheira Helena Moniz no acórdão a que o Observador também teve acesso.

Por tudo isto, a conferência da 3.ª Secção do Supremo invocou no seu acórdão o artigo 670.º do Código de Processo Civil (CPC) para combater essas manobras dilatórias da defesa de Fezas Vital.

No caso dos prémios, o Constitucional veio a tomar uma decisão semelhante. Perante a “manifesta falta de fundamento do incidente pós-decisório agora apresentado”, o “reclamante pretende apenas obstar ao trânsito em julgado” do acórdão do TC ,que tinha rejeitado liminarmente o recurso de inconstitucionalidade da defesa.

O problema é que tal irregularidade (composição do coletivo do STJ que tinha decidido em junho de 2023 o recurso sobre o acórdão condenatório) já tinha sido arguida anteriormente. O que levou novamente à sua rejeição liminar. “O arguido pretende obviar ao trânsito em julgado da decisão que julgou inadmissível os recursos interpostos“, censura a conselheira Helena Moniz.

Daí que o Tribunal Constitucional tenha feito “uso da faculdade prevista no vigente artigo 670.° do Código de Processo Civil, relativo a demoras abusivas (…), determinando-se o imediato trânsito em julgado das decisões proferidas nos presentes autos”, lê-se no acórdão.

O caso do embaixador que ficou em segundo plano

Fezas Vital tem uma segunda de pena de prisão efetiva de dois anos e seis meses por cumprir no chamado caso do embaixador. Contudo, e ao contrário do que o Observador escreveu esta quarta-feira, o Juízo Central Criminal de Lisboa ainda não emitiu o respetivo mandado de condução à prisão — apesar de o Ministério Público já ter promovido o mesmo durante esta última quarta-feira.

Recorde-se que o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) ordenou a 31 de outubro a baixa imediata “para execução” da pena, que nasce de uma queixa do embaixador Júlio Mascarenhas pelo crime de burla, invocando para tal o artigo 670.º do Código de Processo Civil contra as manobras dilatórias.

Ex-administrador do BPP começa a invocar problemas de saúde para não ser preso

Apesar da ordem do STJ, os autos só entraram no tribunal de primeira instância no dia 8 de novembro — seis dias úteis depois. E, cinco dias depois, a 13 de novembro, o Ministério Público promoveu a emissão do mandado de condução à prisão.

Tendo Salvador Fezas Vital tomado a iniciativa para se apresentar no Estabelecimento Prisional da Carregueira, já não serão necessários o mandados de condução à prisão. O que terá de acontecer agora será o apuramento de um novo cúmulo jurídico que junte as penas deste caso do embaixador (dois anos e seis meses) e do caso dos prémios (nove anos e seis meses).

Recorde-se que o embaixador Júlio Mascarenhas, cliente do BPP, foi prejudicado em cerca de 220 mil euros (montante das suas poupanças que foram perdidas com a falência do banco). Os ex-administradores do BPP foram considerados responsáveis pelo facto de Mascarenhas ter sido enganado, pois os serviços terão vendido ao embaixador produtos bancários de capital garantido que, afinal, eram produtos de alto risco financeiro.

O desespero da defesa: a aministia da Juventude Mundial da Juventude

Antes de os serviços do Ministério Público (MP) se pronunciarem sobre a emissão do mandado de condução à prisão, tiveram de apreciar um requerimento de Fezas Vital apresentado a 28 de setembro de 2023, A primeira instância tinha rejeitado tal requerimento, tendo a Relação de Lisboa, por recurso da defesa, concordado que só após o trânsito em julgado é que tais razões da defesa poderiam ser apreciados.

E que argumentos eram esses?

  • A defesa queria que o tribunal aplicasse a lei da amnistia da Juventude Mundial da Juventude a Salvador Fezas Vital, o que deveria levar a um perdão de um ano da pena de dois anos e seis meses;
  • E, que no caso de recusa, declarasse a inconstitucionalidade da lei da amnistia, por a mesma apenas se aplicar a jovens com menos de 30 anos;
  • Acresce que, após o perdão da pena de prisão, Fezas Vital ficaria em prisão domiciliária.

As respostas do procurador Augusto Miranda não poderia ser mais elucidativas:

  • “O arguido Fezas Vilta nasceu em 28-09-1957, pelo que à data da prática dos factos tinha mais de 30 anos de idade, pelo que não beneficia do perdão”, lê-se no acórdão do TC.
  • O facto de a lei da amnistia apenas se aplicar a jovens não é inconstitucional, tal como o Tribunal Constitucional já alegou novamente.
  • E também não era possível a suspensão da pena de prisão efetiva, como a defesa de Fezas Vital defendia. Porque a pena de prisão efetiva já tinha transitado em julgado, “pelo que o poder jurisdicional do tribunal está esgotado”, afirmou ao Observador.

Daí que o Ministério Público tenha promovido os “competentes mandados de detenção a fim de o arguido Salvador Pizarro de Fezas Vital cumpra a pena de prisão em que foi condenado”, lê-se na documentação a que o Observador teve acesso.

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