É possível vencer-se e ao mesmo tempo perder em pistas paralelas — se dúvidas houvesse, a noite da Iniciativa Liberal mostrou-o. Em dois anos, o partido cresce, finta o “voto útil” e pulveriza os objetivos anunciados: consegue perto de 5% de votos (o objetivo era 4,5%, há dois anos tinha tido 1,29%) e, mais importante, passa de um para oito deputados quando o objetivo era cinco.
Gritou-se vitória, e bem alto, no edifício da Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos, tanto que no final da noite o ambiente parecia o de um estádio de futebol, com direito a cânticos e mosh. Mas se a vitória foi sem espinhas (de goleada), o resultado tem os seus espinhos.
Ao longo da campanha, Cotrim Figueiredo ia insistindo: no caso de um Governo alternativo, liderado pelo PSD, a IL estava menos preocupada com “lugares” do que com políticas. E havia um lema: “Portugal precisa de crescer, para crescer precisa de mudar e para mudar precisa da Iniciativa Liberal”.
Afinal, a IL cantar vitória não bastou, o país não vai mudar profundamente como os liberais desejavam e pela frente estão quatro anos de maioria absoluta do PS. Não haverá privatização da TAP, revolução nos escalões do IRS nem sequer a “reforma estrutural” desejada no SNS. E será preciso concorrer com 12 deputados do Chega no Parlamento, mais quatro do que aqueles que a IL — que em campanha ainda chegou a sonhar com o terceiro lugar — conseguiu.
No final da noite, aos jornalistas, Cotrim mostrava-se satisfeito com os resultados eleitorais mas admitia que ficavam “manchados pela existência de uma maioria absoluta do PS”, que é “incapaz de fazer Portugal crescer” e que tem tido “enorme domínio do Estado”. E falava diretamente do resultado do Chega, dizendo que essas forças “crescem porque fazem apelo ao que de mais básico, simples e feio tem a natureza humana”, pondo “portugueses contra portugueses”, tendo uma “postura xenófoba” e não mostrando “vergonha nenhuma de serem populistas e básicos”. O “apelo” que o Chega tem para os cidadãos é reconhecido mas terá de ser contrariado: “Temos todos de o combater. Fazemos a nossa parte”.
Um discurso a cantar vitória: votos foram ganhos “sem ser populista e extremista”
Quando chegou ao palanque da Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos, porém, João Cotrim Figueiredo parecia radiante e o seu núcleo mais próximo no Parlamento e no partido (que inclui alguns dos deputados agora eleitos) idem, ao som de “People Have The Power”, em português “o poder é das pessoas”, de Patti Smith.
Começando por notar que “Portugal é hoje mais liberal” e agradecendo aos “mais de 260 mil liberais que votaram IL nestas eleições”, Cotrim defendia que “só houve dois partidos que podem cantar vitória porque atingiram os seus objetivos”: PS e Iniciativa Liberal. Tirava assim da equação o Chega, que chegou a acreditar que poderia ter um resultado de dois dígitos na percentagem de votos e que acabou com pouco mais do que 7%, ainda que como terceira força política.
Cotrim explicava que já telefonara a António Costa para lhe dar os parabéns, por um lado, mas também já lhe dissera ao telemóvel que ia contar “com a oposição firme da Iniciativa Liberal” na AR. E visava diretamente o Chega, o Bloco de Esquerda e o PCP: “Mostrámos que é possível fazer campanha com clareza de objetivos, com coerência de comportamento, com coragem de falar daquilo que é popular e daquilo que não é popular. Provámos que é possível ganhar votos sem ser populista e extremista”.
O presidente do partido prometia energia para todos os dias “lutar” e “convencer e endoutrinar” os portugueses, arrastá-los para a asa do liberalismo que (gritaram perto de 200 pessoas em uníssono) “funciona e faz falta a Portugal”. Agora, o combate “firme, constante, implacável” ao socialismo e a outros ismos prossegue, com mais força liberal mas com um país cada vez mais rosa e com mais interjeições.
[Ouça aqui a reportagem da Rádio Observador]
Uma noite “incrível”. IL canta “vitória” e promete “oposição firme”
O objetivo da “liderança na oposição” e as possíveis dores de crescimento
Por volta das 21h e pouco, já se faziam contas à vitória eleitoral, consumada antes de o serconsumada antes de o ser, e na equipa que trabalha de perto com Cotrim Figueiredo existia quem acreditasse num resultado ainda superior, chegando aos 6% dos votos (mais um ponto percentual do que o conseguido).
O presidente do partido e um conjunto de elementos do seu núcleo duro acompanhavam a contagem de votos numa sala interna da Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos, longe dos olhares indiscretos dos jornalistas, e Cotrim ia preparando o discurso, como o Observador pôde comprovar e registar em imagens.
Na sala comum e principal, onde estariam cerca de 200 pessoas (contas do partido), Carla Castro, que por essa altura já sabia que era uma questão de tempo até ser eleita deputada por Lisboa — era a segunda da lista, o partido conseguiria eleger quatro —, elevava a fasquia, aproveitando o flanco destapado do PSD: “Consideramos que vamos ser a liderança na oposição“.
Carla Castro, que é também coordenadora do gabinete de estudos da IL, prometia que o partido ia continuar a ser “uma oposição responsável” mas já antevia uma mudança estrutural: com mais deputados, a Iniciativa Liberal não ia mudar significativamente de estratégias — até por não estar “dependente das personalidades” e não ser catavento nas ideias, como os liberais acusam o Chega de ser — mas terá outra “capacidade de agendamento” face a quando tinha um deputado único. Que é como quem diz: de “marcar a agenda” das discussões políticas no Parlamento.
Também pouco tempo depois das primeiras projeções de resultados, quando ainda não se acreditava em maioria absoluta do PS, um dos elementos próximos de Cotrim dizia ao Observador que apesar de uma vitória do PS e um Governo à esquerda não ser um cenário que agradasse aos liberais, por motivos óbvios, de algum modo o resultado baixo do PSD sugeria que entre os partidos à direita o voto útil não tinha resultado. E isso era uma boa notícia para a Iniciativa Liberal, que o tinha combatido diariamente na campanha, mais acentuadamente na segunda semana.
Além disto, a possibilidade de ir para o Governo (que se esfumava) contemplava riscos: se a aritmética a isso conduzisse o partido teria de estar disponível e de se mostrar preparado, mas poderia ser demasiado cedo para quem nasceu há poucos anos e só agora terá, aliás, um grupo parlamentar.
Os próprios “quadros” estão em formação: dos nomes agora eleitos para o Parlamento só Cotrim Figueiredo e Carlos Guimarães Pinto (antigo presidente da IL) têm notoriedade mediática nacional. E não será até de estranhar se ao longo da próxima legislatura socialista alguns ex-centristas desavindos com o CDS, como Adolfo Mesquita Nunes que anunciou publicamente que apoiava os liberais nestas eleições, vierem a juntar-se ao partido. Colocado tudo isto no caldeirão, é verdade que na IL costuma dizer-se que os protagonistas são as ideias e não as pessoas mas chegar ao Governo precocemente poderia ser um presente envenenado.
Além das nuances políticas mais óbvias, que passam pela dificuldade de combater um PS com maioria absoluta e uma esquerda em franca maioria, a Iniciativa Liberal corre também riscos de se ter de deparar com as dores de crescimento de se ter tornado um partido maior.
Na última convenção liberal já se ensaiaram algumas tentativas de oposição, com acusações de “centralismo” no partido, até pela centralidade na IL que alguns dos elementos próximos e alguns dos delfins (como Bernardo Blanco) do líder foram ganhando a partir de Lisboa e do seu gabinete no Parlamento.
As acusações foram, é verdade, francamente minoritárias e Cotrim e a sua comissão executiva passaram aclamados pela convenção. Mas se o bom resultado nestas legislativas vai ajudar a que se mantenha a concórdia interna por algum tempo, num partido que faz questão de atirar aos “aparelhos partidários” também o tão desejado crescimento pode trazer espinhos a médio prazo.
[Como se desenhou um mapa cor-de-rosa absoluto. O filme da noite eleitoral:]