Rui Rio ouve atentamente. Está rodeado de pouco mais do que cinco dos seus mais próximos apoiantes. Para trás tinha ficado um final de semana particularmente duro, com uma derrota traumática e surpreendente (pela dimensão do resultado) no Conselho Nacional de quinta-feira. Não é sequer uma reunião da comissão permanente do partido — o núcleo mais restrito da direção do PSD. Rio fez questão de ouvir apenas aqueles em que mais confia.

Um a um, com maior ou menor veemência, todos defendem que Rio deve avançar com uma recandidatura. Há demasiado em jogo para desistir agora e o tabuleiro interno, apesar de tudo, não está assim tão desequilibrado como os adversários internos querem fazer crer. É segunda-feira e o líder do PSD despede-se dos seus fiéis conselheiros sem abrir o jogo como é, de resto, o seu hábito. Promete dormir sobre o assunto e só então tomar a decisão.

Horas depois, já durante a manhã de terça-feira, os seus mais próximos agitavam-se. “Dos fracos não reza a história”, dizia um deles ao Observador. Apesar de toda a expectativa que entretanto se criara, Rui Rio vai mesmo a votos. E vai disposto a derrotar Paulo Rangel.

Para lá de toda a contagem de espingardas que está a ser feita, o núcleo duro da liderança social-democrata mantém (parte) do plano original que tinha quando tentou o adiamento das eleições internas no PSD: fazer de Rui Rio candidato a primeiro-ministro e travar a existência de uma disputa interna.

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Para tal, se o Orçamento do Estado for de facto chumbado já na votação da generalidade, agendada para 27 de outubro, a direção de Rio convocará imediatamente um Conselho Nacional extraordinário e colocará à votação novamente o adiamento das eleições.

A esperança é que, desta vez, os conselheiros deem razão ao líder social-democrata e percebam os riscos que o PSD corre ao estar a discutir eleições internas quando o país se prepara para enfrentar eleições antecipadas.

Em teoria, com as diretas a 4 de dezembro, o partido dificilmente teria um líder em funções até à realização do congresso do partido, agendado, oficialmente, para os dias 14, 15 e 16 de janeiro.

Ora, nessa altura, e de acordo com o calendário gizado por Marcelo Rebelo de Sousa, o país estaria já a poucos dias de ir a votos. Logo todo o processo prévio de elaboração de listas de deputados, de apresentação de candidatura e definição de programa eleitoral teria já de estar concluído — o que daria força ao argumentário de Rio de que o partido não se poderia dar ao luxo de estar a discutir eleições internas.

Para que isso aconteça, é preciso que Marcelo se mantenha fiel ao calendário que o próprio sugeriu — chumbo do Orçamento em outubro, eleições antecipadas em janeiro, novo Governo em fevereiro, Orçamento algures em abril.

Paulo Rangel não só tem desvalorizado por completo a ameaça de eleições antecipadas, como tem dito que, mesmo nesse cenário altamente improvável, Marcelo jamais marcaria eleições sem que a vida interna dos partidos estivesse devidamente clarificada — logo, a direção do PSD não tem razão ao agitar com insistência a ameaça de um PSD ingovernável por altura das legislativas.

Os homens de Rio não poderiam estar mais em desacordo: além de correr o risco de cair na incoerência de protelar umas eleições que, em caso de crise política, teriam de acontecer o quanto antes, Marcelo não teria força política para pedir ao país que se deixasse condicionar pelos calendários do PSD.

Por outras palavras: mesmo que Marcelo não nutra grande simpatia por Rio (e a direção do PSD tem a certeza de que não), mesmo que Marcelo seja conhecido no seio do PSD pela sua inconstância, mesmo que Marcelo tenha altos índices de popularidade, nem assim seria capaz de manter o país em suspenso apenas porque o PSD está a debater a sua vida interna.

Uma guerra de currículos

Seja como for, o núcleo duro de Rio não está a trabalhar exclusivamente nesse cenário. Admitindo que tudo corre dentro do previsto — Orçamento aprovado, legislativas antecipadas afastadas, diretas no PSD a 4 de dezembro –, Rui Rio vai a votos com duas mensagens distintas.

Em primeiro lugar, o líder social-democrata e os seus apoiantes tudo farão para convencer os militantes de que estão a votar, não na definição de um líder, mas sim na escolha do futuro candidato a primeiro-ministro de Portugal

Nesse capítulo particular, Rui Rio julga ter vantagem sobre Rangel e os apoiantes do líder social-democrata vão bater sistematicamente na mesma tecla: Paulo Rangel é um “mero tribuno”, sem qualquer experiência executiva; Rio tem 12 de Câmara Municipal do Porto que falam por si.

Além disso, o líder social-democrata vai insistir no discurso do ‘nós’ contra ‘eles’. Na cabeça de Rio, Rangel rodeou-se de apoiantes que representam uma parte do partido que vem do passismo e que se desligou das bases — a mesma “elite de predestinados” que se tinha organizado em torno de Miguel Pinto Luz e de Luís Montenegro e que perdeu na primeira e na segunda voltas das últimas eleições internas.

Mesmo consciente de que pode não ter, neste momento, um favoritismo evidente nas estruturas partidárias, Rui Rio vai a votos também porque acredita que o voto das bases está com ele. A ideia de que quem decide são os militantes e não os importantes estará presente em todos os discursos de Rio até às eleições internas. A ver com que resultados.