A Moldávia está a poucas semanas de uma das votações mais importantes da sua história. A 20 de outubro, milhões de eleitores vão dirigir-se às urnas não só para escolher o Presidente que vai liderar os destinos do país nos próximos quatro anos, mas também para votar num referendo nacional sobre a adesão da antiga república soviética à União Europeia. Pelo meio, vão soando os alarmes sobre a influência do Kremlin, que, segundo as autoridades moldavas, orquestrou um plano para subornar os cidadãos e levá-los a votar contra a aproximação da nação à UE.
Está em curso um plano “ao estilo máfia” para “perturbar o processo eleitoral”, denunciou o chefe da policia moldava em declarações ao jornal Politico depois de ter anunciado numa conferência de imprensa esta semana que só no mês de setembro mais de 15 milhões de dólares em fundos russos (cerca de 13,6 milhões de euros) foram transferidos para as contas bancárias de mais de 130 mil cidadãos no país.
“A Moldávia está a enfrentar um fenómeno de suborno de eleitores, combinado com uma guerra híbrida e desinformação, nunca antes visto“, sublinhou Viorel Cernăuțeanu. Os alertas chegam também à União Europeia, que na agenda da próxima quarta-feira tem marcada a votação de uma resolução sobre as tentativas russas de interferir nas eleições presidenciais, que vão decorrer em paralelo com o referendo.
O plano russo para subornar eleitores moldavos
O alegado plano de Moscovo denunciado pelas autoridades moldavas para influenciar as eleições tem um rosto: Ilan Shor, um oligarca pró-russo, fundador de um partido banido no ano passado pelo Tribunal Constitucional da Moldávia por ter promovido uma onda de protestos declarados “inconstitucionais”. Está exilado em Moscovo depois de ter sido condenado à revelia a 15 anos de prisão num julgamento relacionado com o desaparecimento de milhões de euros dos bancos moldavos.
Supostamente sob ordens do Kremlin, o magnata moldavo-israelita, a partir de Moscovo, terá ajudado a fazer o branqueamento do dinheiro que se destinou a subornar cidadãos moldavos. Em troca, exigia-se um voto nos boletins de outubro contra a aproximação do país à União Europeia.
O chefe da polícia moldava revelou em conferência de imprensa que os pagamentos chegaram a mais de 130 mil cidadãos da antiga república soviética através de contas abertas no banco Promsvyazbank. Ao receber os subornos, os destinatários dos fundos foram instruídos através da rede social Telegram sobre como votar e também espalhar desinformação sobre a UE.
O próprio Ilan Shor já veio negar as denúncias. Em declarações à agência russa Tass, o oligarca descreveu as palavras das autoridades moldavas como um “espetáculo absurdo” e acusou o Partido de Ação e Solidariedade, da Presidente Maia Sandu, de aceitar dinheiro de organizações não governamentais ocidentais.
Moldávia acredita que Rússia gaste até 100 milhões de dólares em interferência eleitoral
Ainda antes dos detalhes sobre o plano russo serem divulgados, outros responsáveis de topo moldavos já tinham avisado que a atual líder estava a ser alvo de uma “descarada” campanha digital para deslegitimar os laços crescentes do país com o Ocidente.
“A polícia estima que 50 milhões de dólares foram canalizados para as eleições do ano passado, usados para comprar todo o tipo de pessoas, desde propagandistas a eleitores vulneráveis. À medida que se aproximam as próximas eleições presidenciais e o referendo, prevemos um afluxo ainda maior de fundos ilícitos [russos]”, disse o conselheiro de segurança nacional moldavo ao Politico no final de setembro.
Por essa altura Stanislav Secrieru antevia que para as eleições e referendo de 2024 a Rússia estaria disposta a muito mais, estimando um gasto de até 100 milhões de dólares para interferir no processo democrático. “Estão a jogar com o medo, sabendo que a nossa janela para a adesão à UE não vai ficar aberta para sempre”, reconheceu.
Não é, de resto, o primeiro plano russo a ser exposto. No início do ano passado, o Presidente ucraniano revelou à imprensa que o país tinha intercetado um plano para “destruir a democracia na Moldávia e estabelecer o controlo sobre o país”. Numa questão de poucos dias, Maia Sandu confirmava que a Rússia estava a planear um golpe de estado, ainda que lembrasse que não era novidade Moscovo “realizar ações subversivas no território” moldavo.
Rússia está a planear um golpe de Estado na Moldávia, diz a Presidente Maia Sandu
Também no ano passado, um consórcio internacional — com meios de comunicação como o Kyiv Independent (Ucrânia), o Delfi Meedia (Estónia) e o Expressen (Suécia) — expunha uma estratégia de dez anos para trazer a ex-república soviética para a esfera de influência russa.
O documento, intitulado “Objetivos Estratégicos da Federação Russa na República da Moldávia”, a que mais tarde também a CNN Internacional teve acesso, traçava como um dos objetivos garantir que os políticos e a sociedade moldava tinham uma atitude negativa relativamente à NATO. Também falava em manter no país uma presença forte de grupos de influência pró-russos nos setores políticos e económicos.
O que está em jogo nas eleições e referendo sobre a UE
Espremida entre a Ucrânia, em guerra com a Rússia há mais de dois anos, e a Roménia, membro da União Europeia e da NATO, a Moldávia tem traçado um caminho de aproximação ao Ocidente. O país candidatou-se à UE em março de 2022, recebendo em pouco tempo o estatuto de candidato. Este ano, começaram as negociações sobre a adesão durante o verão.
O processo foi celebrado pela Presidente moldava, que sublinhou que o futuro do país é na União Europeia. “Juntos somos mais fortes”, escreveu no final de junho numa publicação na rede social Twitter. “A abertura das negociações de adesão apenas dois anos após a concessão do estatuto de candidato é uma prova da determinação da Moldávia em cumprir a agenda de reformas da UE“, destacava no mesmo dia a ministra dos Negócios Estrangeiros da Bélgica, que liderou a delegação europeia nas negociações.
Esse futuro vai a votos com o referendo nacional de outubro, que vai questionar os eleitores sobre se apoiam as alterações constitucionais que vão permitir à Moldávia — um dos países mais pobres da Europa — juntar-se à UE. O processo não está a ser bem visto por todos, com os partidos de oposição a mostrar-se contra a rápida iniciativa de Sandu para integrar o bloco comunitário e a acusar a Presidente de ter convocado o referendo para melhorar as suas hipóteses de vencer as eleições.
Na Moldávia, a oposição é composta pelos socialistas, comunistas e pelo partido pró-russo Chance, criado após a dissolução da formação Shor e que mantém ligações ao oligarca. Nestas eleições, foram aprovados um recorde de 11 candidatos. Entre eles inclui-se a atual presidente Maia Sandu, que tem como principais opositores o antigo procurador-geral Alexander Stoianoglo, que é apoiado por partidos pró-Rússia, e Renato Usatii, que defende boas ligações tanto com o Ocidente como com Moscovo. Quanto ao referendo, dois dos 15 partidos em campanha opõem-se à iniciativa pró-europeia, apelando à renovação dos laços com a Rússia, diz a Reuters.
Por agora, a atual Presidente segue na liderança das sondagens. Uma das mais recentes, conduzida pela empresa Idata, mostrava Maia Sandu com 26,8% das intenções de voto, seguida por Usatii (12,7%) e Stoianoglo (11,2%). Quanto à adesão à UE, a sondagem apontava que 56% dos inquiridos se mostravam a favor e 34% contra.