Os Vencedores
Mariana Mortágua
Mariana Mortágua sai da convenção com todas as condições, internas, para liderar o partido. Os críticos atacaram o statu quo que domina o Bloco – pela falta de democracia interna e pela posição quanto à Guerra na Ucrânia – mas não apontaram a mira à nova líder. Em mais de oitenta delegados contra a direção, não houve um que questionasse as competências ou capacidades da nova líder nem sequer a sucessão dinástica de Catarina para Mariana. Só Pedro Soares se queixou de esta não participar em debates antes da Convenção e pouco mais. Com Marisa Matias a querer mudar de vida e Pedro Filipe Soares apaziguado com as funções na liderança parlamentar, Mortágua é uma líder sem sombra e sem um claro opositor ou potencial sucessor interno. A somar a tudo isto não teve nenhuma gaffe, não prometeu criar nenhum imposto Robin dos Bosques (aka Imposto Mortágua), mostrando saber gerir o tempo de afirmação, do tempo de ataque.
Catarina Martins
Chegou à coordenação do partido numa solução a dois, através da coordenação bicéfala com João Semedo, para suceder ao fundador e ao líder mais carismático do partido. As perspetivas não eram as melhores. Conseguiu segurar o partido no momento mais sensível da vida interna do Bloco de Esquerda, partido ao meio com o empate na convenção de 2014. Mesmo assim, garantiu a unidade interna, deu os melhores resultados eleitorais ao partido e teve um papel determinante na criação da ‘geringonça’. Depois, veio a derrocada, com o Bloco a atingir os seus mínimos olímpicos. Apesar de tudo, conseguiu sair da liderança sem sobressaltos, deixar esta reunião magna aplaudida por todos e com muitos elementos do partido, das mais diferentes sensibilidades, a pedirem que continuasse como ativo político. Deixa um legado complexo e com várias tonalidades, mas teve o mérito de conseguir não sair pela porta pequena, o que prova o respeito que deixou no Bloco de Esquerda.
Volodymyr Zelensky
Os críticos quiseram criar um embaraço à direção e colá-la à posição do Governo português, que inclui a disponibilização de armamento a Kiev em articulação com a NATO. Chamaram, inclusivamente, a partir do palco e por várias vezes, “nazi” a presidente do parlamento ucraniano – visitado por deputados portugueses (incluindo a bloquista Isabel Pires). Podia ter havido a tentação da ala super-maioritária do Bloco de Esquerda ceder e adotar uma posição mais crítica relativamente à Ucrânia. Mas isso não aconteceu. A nova direção vai seguir a linha da última: o mais importante é definir a diferença entre o agressor e o agredido, entre o invasor e o invadido. E para essa ala dominante do BE não há dúvidas: é a Ucrânia que está a ser atacada e não o contrário. Volodomyr Zelensky – por quem os bloquistas não morrem de amores – continua, assim, a ter um único partido relevante em Portugal incapaz de atacar mais a Rússia do que a NATO: o PCP.
Francisco Louçã
Esta Convenção simbolizou a suprema vitória interna de Francisco Louçã. Foi uma vitória política: depois de anos de divergência e desconfiança, o partido superou totalmente as correntes fundadoras e, como sinal definitivo disso, tem agora uma líder que não sai de nenhuma dessas tendências nem se bateu contra nenhuma delas, como aconteceu no embate Catarina Martins/Pedro Filipe Soares, que partiu o BE ao meio. E foi também uma vitória pessoal: durante anos, Louçã foi o grande propagandista da inevitável ascensão de Maria Mortágua. Por isso, no próximo ciclo político do BE, Francisco Louçã manterá a sua influência omnipresente. No Bloco, os líderes mudam, mas Louçã permanece. Apesar disso, o próprio reconhecerá que, mesmo com estas suas duas vitórias particulares, algo não está bem quando olha para fora em vez de olhar para dentro. Nesta Convenção, o BE mostrou que está adormecido e cansado. E, ao contrário do que aconteceu noutros anos, nem o discurso de Louçã entusiasmou os militantes. Ouviram-no com reverência, mas sem euforia. Noutras Convenções, Francisco Louçã pretendia “ir ao infinito e mais além”. Queria que o partido fosse longe, mas o BE está muito longe disso.
Os Vencidos
Pedro Soares
Era o grande rosto da oposição interna a Mariana Mortágua – como antes fora a Catarina Martins. No essencial, acusou a linha dominante do partido de três pecados capitais: de estar a esvaziar o debate interno, de nunca ter feito uma reflexão crítica sobre os péssimos resultados eleitorais e de ter uma posição errada sobre a guerra na Ucrânia. O partido não lhe deu razão – a Moção E, que personificava, não foi além dos 78 de votos contra os 439 de Mariana Mortágua. Com um dado extra: apesar de terem desaparecido da corrida três moções críticas da direção que se candidataram em 2021, diminuindo assim a concorrência, o grupo de Pedro Soares conseguiu perder mandatos em relação à última convenção. Já se sabia que representava uma minoria no partido, mas Pedro Soares e os seus partidários, além de umas críticas violentas (e inexplicáveis) à posição do partido face ao conflito ucraniano, não conseguiram sequer condicionar o debate e discutir aquilo que, supostamente, queriam: o futuro do partido. Fica para a próxima.
António Costa
Em 2018, em plena lua da mel da ‘geringonça’, o Bloco de Esquerda passou três dias na sua reunião magna a sonhar com cargos ministeriais e em futuras renovações de votos com o PS. Cinco anos, duas eleições legislativas e uma maioria absoluta depois, António Costa foi a pinhata da XIII Convenção do Bloco de Esquerda. No palco ou nas várias entrevistas que foram dando, os dirigentes bloquistas desdobraram-se em ataques ao PS, acusando os socialistas de alimentarem e de se alimentarem da “extrema-direita fascizante” para manter o poder através do “medo”. Os problemas na Saúde, Habitação ou na Escola Pública, a falta de respostas para conter a crise inflacionista ou o aumento das taxas de juro, por exemplo, para lá de todos os “tiros nos pés” do Governo, foram o combustível que serviu ao Bloco para acusar o primeiro-ministro de estar a “degradar a vida democrática”. Não é exatamente um novidade que, depois do chumbo do Orçamento do Estado para 2022, António Costa se tenha transformado num adversário dos bloquistas. Mas o partido sai desta convenção unido num propósito inequívoco: fazer oposição frontal e em toda a linha ao PS.
Paulo Raimundo
Sem nunca ter sido nomeado, embrulhado numa esquerda que acredita em “imperialismos bons” e “imperialismos maus”, o PCP acabou por ser um alvo indireto ao longo dos três dias de convenção bloquista. Não restam grandes dúvidas que o contraste entre as posições sobre o papel da Rússia na guerra da Ucrânia servirá a estratégia de Mariana Mortágua para fazer a sua afirmação à esquerda, tentando vender o Bloco como única alternativa razoável para as “vítimas da maioria absoluta” do PS. Numa das intervenções mais aplaudidas (e esclarecidas) da convenção, José Manuel Pureza pôs as coisas nestes termos: “[A nossa] esquerda pode ter outra posição sobre a Ucrânia? Não, não pode. Ou então, deixa de ser esta esquerda e passa a ser outra”. O Bloco não hesitará em usar um tema delicado para o PCP na tentativa de atrair o eleitorado flutuante à esquerda.
E o Omnipresente
André Ventura
Há políticos que procuram aliados; André Ventura procura adversários. Quanto mais inimigos e obstáculos tiver, mais o líder do Chega cresce. Por isso, incentiva o confronto e encoraja a divisão. Nesta Convenção do Bloco, André Ventura e o Chega tiveram a felicidade de perceber que o BE vai continuar a dar prioridade no seu discurso à extrema-direita e ao populismo. A única mudança é tática. O BE sente que nas últimas eleições perdeu muitos votos de esquerda que se refugiaram no PS por temerem Ventura. Por isso, agora o partido acusa o PS de dar gás ao Chega para tentar evitar que o movimento se repita em futuras legislativas. Mas, para André Ventura, nada muda: continua a ser uma das obsessões do BE — o que lhe dá muitíssimo jeito.