Não é uma previsão do Governo, tal como pediu o Presidente da República, mas é uma antevisão do que aí vem no fecho de 2022, em 2023 e até 2026. O Conselho das Finanças Públicas (CFP) revelou esta quinta-feira a atualização das perspetivas económicas e orçamentais para 2022-2026, no âmbito da conjuntura de “elevada incerteza”, motivada pela “deterioração dramática nos custos da energia na Europa”. O cenário para 2023 é mais pessimista do que aquele publicado em março – e pior do que as previsões já reveladas por instituições como o Banco de Portugal e a OCDE sobre o crescimento da economia portuguesa. E poderá vir a revelar-se ainda pior.

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Para 2022, as estimativas até foram revistas em alta. O CFP antecipa um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 6,7% este ano, que contrasta com a previsão de 4,8% avançada em março. Um crescimento suportado, “em larga medida, pelo forte desempenho, no 1º semestre, das exportações de serviços e do consumo privado, beneficiando de um quadro de poupança ainda acima da média histórica”.

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O Conselho destaca, pela positiva, a “recuperação assinalável” em relação ao período marcado pela pandemia, graças, precisamente,  às “poupanças acumuladas nos anos de pandemia, os planos de consumo de bens e serviços, de turismo e não só, que estavam adiados e que agora se puderam concretizar em pleno”.

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Mas em 2023 o cenário muda. A entidade tem, para o próximo ano, a mais baixa previsão de crescimento para a economia portuguesa adiantada até agora por qualquer instituição: 1,2%. Um “abrandamento expressivo” que é “fruto da persistência das pressões inflacionistas, com consequências negativas para o consumo privado, e do abrandamento da atividade económica externa”.

Na última previsão, o CFP esperava um crescimento da economia de 2,6% em 2023. Entre as instituições que já se pronunciaram, este é o valor mais baixo, que compara com os 1,7% da OCDE, os 1,9% do FMI e Comissão Europeia e os 2,6% do Banco de Portugal.

A previsão modesta deve-se ao “reaparecimento da inflação nas economias desenvolvidas, e também em Portugal, depois de um interregno cuja duração, pelo menos para as gerações mais novas, fez parecer que se trataria de um fenómeno remetido para os relatos históricos”. A prova de que a inflação é mais do que uma página na história é a carteira dos portugueses, que já em 2022 deverão perder o equivalente a um vencimento mensal, para quem tem 14 meses de ordenado, lembra o CFP.

“A perda de rendimentos em termos reais resultante da inflação é um dos fatores que levam ao muito fraco crescimento do consumo privado que se prevê para 2023”, destaca o CFP, que também aponta o aumento das taxas de juro como fator de retração do consumo.

Além das pressões inflacionistas, prevê-se ainda “um forte abrandamento da procura externa, dados não só os desenvolvimentos nos mercados alimentares e energéticos, em boa parte resultado do prolongamento do conflito na Ucrânia, mas também uma política monetária mais restritiva”.

E a situação poderá deteriorar-se, avisa o Conselho. “Esta fraca taxa de crescimento pode, na verdade, ser considerada algo otimista, pois poder-se-ão materializar perspetivas menos animadoras que ainda não se refletem nos cenários quantitativos avançados pelas instituições de referência à data de elaboração da projeção do CFP. Consequentemente, não se pode excluir a hipótese de recessão nalguns dos nossos principais parceiros comerciais, o que teria implicações inevitáveis em Portugal”, conclui.

Inflação beneficia contas no curto prazo

De resto, as previsões do CFP para a inflação não são meigas. Para 2022, vão além das do Governo. A inflação medida pelo Índice Harmonizado de Preços no Consumidor (IHPC) deverá ser de 7,7%, acima dos 7,4% projetados pelo Executivo. E já muito longe dos 3,9% projetados em março. O BdP apontou (em junho) para 5,9% e Bruxelas para 6,8%.

O Conselho refere que a inflação em 2022 “deverá refletir sobretudo as dinâmicas esperadas para o preço dos bens alimentares e energéticos nos mercados internacionais, a depreciação do euro e a manutenção de restrições do lado da oferta”.

Para 2023, a projeção ainda aponta para uma inflação elevada, de 5,1%, que deverá abrandar gradualmente até aos 1,9% “no médio prazo, em linha com o gradual desvanecimento das pressões inflacionistas e progressiva normalização da oferta”. Para 2023, o BdP antecipa uma inflação de 2,7% e a OCDE de 4%.

Apesar dos efeitos nocivos enunciados, o CFP recorda que o fenómeno da inflação acaba por beneficiar as contas públicas no curto prazo. Assim, a estimativa do défice para 2022 foi atualizada de 1,6% do PIB, que era a previsão de março, para 1,3%. O Governo prevê um défice de 1,9%. Esta revisão do CFP reflete “não apenas a revisão em alta da receita, influenciada sobretudo pelo efeito da inflação no crescimento da receita fiscal, mas também, entre outras, a incorporação de um impacto de medidas de natureza pontual e de emergência superior em cerca de 2 p.p. do PIB ao que era conhecido em março”.

Neste mesmo sentido, e “considerando a reversão automática, no final de 2022, das medidas de mitigação do efeito do choque geopolítico e do apoio ao rendimento das famílias, a que acresce uma despesa com a pandemia superior ao previsto” o CFP antevê que em 2023 não haja défice, mas um excedente de 0,1% do PIB, em linha com 2019.

“Contudo, a projeção apontaria antes para um défice de 0,4% do PIB, caso se admitisse uma reversão apenas parcial (ao invés da reversão integral) de algumas dessas medidas legisladas para vigorar apenas em 2022, alerta o CFP, que para os anos seguintes projeta “uma posição orçamental globalmente equilibrada”.

Já no mercado de trabalho, o CFP antecipa uma desaceleração no ritmo de crescimento do emprego de 1,9% em 2022 para 0,2% em 2023. A taxa de desemprego deverá diminuir para 5,6% da população ativa este ano e para 5,3% em 2023. No médio prazo, “a evolução do emprego encontrar-se-á condicionada sobretudo pela evolução demográfica, pelo que se antecipa uma desaceleração deste indicador para valores próximos de zero e uma estabilização da taxa de desemprego em torno de 5,1%“.

O rácio da dívida deverá diminuir cerca de 27 p.p. ao longo do horizonte projetado, atingindo 100,6% do PIB em 2026.

Quanto à despesa pública, refere o CFP, antecipa-se uma diminuição do seu peso no PIB nominal entre 2022 e 2026, de 45,8% do PIB para 44%.

Como habitual, o CFP ressalva que estas previsões podem não se concretizar, caso haja choques externos como a eventual interrupção total do fornecimento de bens energéticos por parte da Rússia à Europa, “o que se traduziria num aumento das pressões inflacionistas e penalizaria o crescimento real da economia portuguesa e dos seus principais parceiros”.

Mas há mais riscos. Nomeadamente, a manutenção ou reforço das medidas Covid-zero na China, “o que prolongaria os constrangimentos nas cadeias de produção e distribuição globais”, ou a “transmissão da inflação (incluindo bens energéticos e alimentares) à inflação subjacente”.

Incerteza é a palavra de ordem nos próximos meses e o CFP está ciente disso. Além dos riscos que vêm de fora, o Conselho identifica ainda pontos de interrogação cá dentro. Na execução do PRR, por exemplo, “não poderá ser descartada a possibilidade de atrasos adicionais aos já anunciados, cujo impacto em termos reais poderá ser agravado, num contexto de aumento nos preços de investimento”. E no plano orçamental não é de descartar a hipótese de serem tomadas mais medidas de resposta à crise energética, que deitariam as previsões por terra.

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Além destes, há riscos que pairam de forma quase perene. Entre eles, a “possibilidade de que o impacto em contas nacionais decorrente do apoio financeiro à TAP possa vir a ser superior ao considerado para 2022 e/ou de poderem vir a ser concedidos apoios adicionais nos próximos anos”, ou a “eventual utilização do montante remanescente de 485 milhões de euros ao abrigo do Acordo de Capitalização Contingente do Novo Banco“.

Também não são de descartar “as pressões orçamentais sobre a despesa corrente primária nos próximos anos relacionadas com as pensões e com as pretensões dos parceiros privados no âmbito de projetos de PPP”.

O CFP sublinha, ainda, que estas previsões para 2023 “não constituem, em rigor, uma previsão, mas antes uma “projeção em políticas invariantes”, ou seja, não considera medidas de política que não tenham sido já decididas, e exclui do cenário “medidas agora em vigor, decididas para o ano corrente, e cujo enquadramento prevê a sua caducidade no fim do ano”. Estas previsões incluem ainda uma atualização dos vencimentos na função pública de acordo com a inflação prevista para 2023, o que não deverá acontecer.