Artigo em atualização ao longo dia de de campanha
“Deixem o homem respirar! Ainda o abafam ali!”. De camisa branca, com os dois primeiros botões desapertados, Rui Rio arregaçou as mangas e, munido de cerca de duas dezenas de ‘jotas’ cantantes, atirou-se para o coração do interior norte — terras férteis em eleitorado laranja. No dia em que António Costa teve “dores musculares” e foi aconselhado a tirar as atividades de rua da agenda, Rui Rio, pelo contrário, teve uma agenda muito (muito) preenchida no que a rua diz respeito. Senão vejamos:
11h00 Contacto com a População no Centro de Bragança
15h30 Visita à Festa das Vindimas e do Vinho de Valpaços
18h00 Contacto com a População no Centro de Vila Real
19h00 Contacto com a População no Centro da Régua
Eram quatro os momentos previstos, a que se juntaram ainda outras três visitas a cooperativas e adegas de Valpaços e um almoço em Mirandela. Tudo em terras confortáveis para o PSD. O “contacto com a população” no centro da Régua acabou por ser cancelado por motivos de agenda, mas a verdade é que Rui Rio, que tem feito pelo menos uma arruada por dia, abraçou e beijou mais pessoas este sábado do que em qualquer outro dia da campanha. “Sou um homem do norte”, ia dizendo por onde passava, tentando fazer valer a afinidade.
Não é que precise de convencer muita gente de Bragança, Valpaços ou Vila Real a votar em si — por norma, são concelhos cor de laranja. E isso nota-se. “Veja aqui esta mancha laranja em Valpaços, doutor Rui Rio”, dizia-lhe uma comerciante de uma improvisada feira de vinhos no centro de Valpaços. Rui Rio bem sabe que sim. “Estou animado, mas também sei ver que se estivesse em Beja ou em Évora não teria a mobilização que tenho aqui em Bragança ou Vila Real, ou no Porto. No norte é mais fácil, para mim e para o PSD desde a sua fundação”, confessaria aos jornalistas numa rua de Vila Real.
Ao quinto dia de estrada (em modo intensivo), Rui Rio foi ao encontro das pessoas para passar uma só mensagem: a campanha está em crescendo, e quem duvidava de que o PSD não ia conseguir disputar o primeiro lugar, enganou-se. O taco a taco que Rui Rio tanto desejava chegou? Rio diz que sim, embora as sondagens mostrem o PSD ainda na casa dos 25% (mas em tendência crescente). “É hoje notório que a campanha está em crescendo, e se alguns diziam que não acreditavam que o PSD podia ganhar, neste momento é evidente que pode: está tudo em aberto”, disse aos jornalistas. “E até digo mais: eu disse que quando chegassem as eleições, ia estar disputar taco a taco com António Costa, agora está mais ou menos provado de que consegui chegar lá”. Agora, “se dá para ganhar ou não…vamos ver”.
De sorriso nos lábios, mas com poucas palavras, Rio ouviu mais do que falou, e retribuiu o afeto popular. Em Vila Real o passeio foi curto, não mais do que 25 minutos, e com pouca gente, mas em Valpaços, com muito vinho à mistura, houve carinho distribuído ao líder social-democrata. Vai um brinde? Foram dois até. Copo de vinho em riste e cá vai disto: “À vitória!”
Vá lá vai, que até a feira abana
Se dependesse de Valpaços, a vitória estava no papo. Mesmo assim, diz Rio, “se fizessem uma sondagem em Valpaços não sei não… então se fosse da Pitagórica…”. Ironiza com as sondagens, como sempre faz, mas não esconde o sorriso. A verdade é que tinha acabado de sair de uma pequena bolha de apertos, beijos, selfies e abraços.
A feira de vinhos que estava montada numa rua daquela cidade, com barracas e barraquinhas, era estreita e não muito longa, mas o presidente do PSD demorou a percorrê-la. Ora era puxado para um lado, ora era puxado para o outro, com o presidente da câmara a fazer as honras da casa mas ele próprio a ser esmagado pelo aparato de jornalistas e populares. “Onde é que ele anda? Doutor Rui Rio? Aqui está ele… estava a ver que não o via, vejo-o sempre na televisão, sempre na televisão, aqui está ele!”, dizia uma senhora munida de uma bandeira laranja, que apoia o PSD desde o tempo de Sá Carneiro.
Entre barracas e pipas de vinho, até o chão da pequena feira abanava e os placards pareciam à beira de cair. Um copo de vidro chegou mesmo a partir-se entre os safanões de uns e outros. Acompanhado por dois seguranças à civil, que têm estado com a comitiva desde o início, Rui Rio ia ao sabor de onde o mandavam. Nem um grupo de idosas, sentadas num banco de jardim, escapou aos beijinhos. Outras, contudo, ficaram para trás. “Queria dizer-lhe que pago 700 euros de selo do carro, mas já não consegui, ainda abafam o homem ali dentro”, dizia uma popular, queixando-se da dificuldade de chegar ao candidato do PSD, tal era o aparato que o rodeava.
“Estamos certos de que vamos ganhar as próximas eleições”. Rio pendura-se em pelourinho, pega no megafone e pede vitória
Com Costa lesionado, a verdade é que Rui Rio pode ganhar alguma vantagem na rua. Não há dia em que a agenda do líder do PSD não tenha pelo menos um, às vezes são dois, e este sábado até são três, contactos com a população nas ruas da cidade onde está. Se em Beja foi um passeio frouxo, em Évora melhorou (mesmo sendo terreno difícil), e chegados ao norte, a caravana ganhou ânimo. Depois de ter percorrido as ruas da Guarda a pé, na sexta-feira, este sábado de manhã foi a vez de fazer o mesmo em Bragança. Ao lado de José Silvano e de Adão Silva, cabeça de lista por Bragança, Rui Rio distribuía lápis e cumprimentos a quem encontrava.
O problema é os lápis não estarem afiados, e, por isso, ainda não estarem prontos a escrever uma cruz no boletim de voto. Em todo o caso, Rio garante que “escrevem bem, só precisam de ser afiados”. Nos cafés, nas esplanadas, ou no meio das ruas, não era raro ver gente a furar a mancha de jovens da JSD (que acompanham a comitiva num autocarro laranja com o rosto e o slogan de Rio) para irem dirigir uma palavra ao líder do PSD.
É certo que o terreno é fértil e confortável para sociais-democratas. Tradicionalmente, o PSD ganha em Bragança, e tudo indica que desta vez não será exceção. É o que dizem as projeções e foi o que corroborou um popular que se encontrava junto aos correios: “Aqui no distrito vai ganhar de certeza, no país está quase, tem trabalhado muito!”, disse, dando força a Rui Rio.
Uma hora depois de passeio ao som dos batuques e das cantigas populares da JSD, Rui Rio parou numa praça da cidade e “pendurou-se” num pelourinho. De megafone em punho, não fez por menos e, falando ao ouvido da gente do norte (da qual diz que faz parte) pediu vitória. Não só em Bragança, mas no país. “O norte estará sempre presente em todos os atos que tiver a partir do dia 6. Porque estamos certos de que vamos ganhar as próximas eleições!”, disse ao megafone. Cá em baixo, na praça, a resposta foi imediata: “Vitória! Vitória! Vitória!”.
Conspiração do Ministério Público? Costa “diz coisas sem nexo”
Se na noite passada, Rui Rio se absteve de falar diretamente sobre Tancos — pela primeira vez em três dias –, este sábado voltou a ser questionado pelos jornalistas sobre o tema e não fugiu dele (fugiu, isso sim, dos temas da vida interna do PSD). Como Observador e o jornal Expresso noticiaram, a tese que vigora na caravana socialista é de que o timing da acusação que envolve o ex-ministro da Defesa socialista e a ideia de envolver o Presidente da República no caso mediático podem estar ligados a uma conspiração do Ministério Público, mas Rui Rio não vê como e acusa Costa de, “no meio da barafunda”, “dizer coisas sem nexo”. “O que todos nós notamos é que o Partido Socialista, relativamente à questão de Tancos, está atrapalhado e não sabe o que há de dizer”, disse.
Depois do convite que Costa lhe fez no dia anterior, para que regressasse à campanha, este sábado e em jeito de ironia, Rio sugeriu mesmo que António Costa lhe enviasse a lista de temas que pode ou não pode falar na campanha, já que o primeiro-ministro não quer que se fale do caso de Tancos… “Vou ter de pedir ao doutor António Costa que mande a lista dos temas que quer que eu tire ou que eu ponha na campanha”, disse Rio em declarações aos jornalistas à entrada para um almoço em Mirandela, distrito de Bragança, o que suscitou vários risos na equipa que o acompanha.
A tese de conspiração do Ministério Público, para Rui Rio, não faz qualquer sentido, até porque o prazo legal para a acusação sair era até esta semana. Ou seja, se não tinha saído antes, a acusação do Ministério Público tinha mesmo de sair até esta sexta-feira (ou, mais rigorosamente, até este sábado, dia 28). “[António Costa] não sabe o que anda a dizer. Não vejo qualquer relação entre um roubo de armamento em Tancos e o Ministério Público gostar ou não gostar do PS ou do Governo”, começou por dizer, para depois concretizar melhor: “No quadro desta barafunda, diz coisas sem nexo, não consigo perceber”. “Agora diz que [a acusação] é porque alguém no Ministério Público não gosta do PS? Não percebo…”
Rio prefere é não comentar nada sobre as questões de “foro interno” do PSD. Questionado sobre a nega de Passos Coelho para entrar na campanha, Rui Rio chutou para o lado por uma questão de “inteligência”. E sobre os jantares que o seu challenger principal, Luís Montenegro, se prepara para fazer para planear o day after, Rio deu outro chuto. “Seria pouco racional, e pouco inteligente, da minha parte estar a comentar as questões de foro interno do PSD a uma semana das eleições”, disse.
Rio também não sabe se a melhor maneira de esclarecer politicamente o caso Tancos é, como sugeriu Jerónimo de Sousa (e, depois, Assunção Cristas), iniciar uma nova comissão de inquérito. “Não sei se é o melhor caminho. Não gosto de entrar aqui em histerias, e não podemos ficar eternamente a fazer comissões de inquérito, como aconteceu com Camarate”, afirmou. Para Rio, o caminho é a convocação de uma reunião extraordinária da Comissão Permanente da Assembleia da República (que funciona quando a AR não está em pleno funcionamento), e até acredita que essa reunião pode mesmo acontecer esta semana, antes das eleições. “O PS já deu luz verde, se o CDS também der, é possível fazer ainda esta semana”, disse.