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UN climate summit COP27 in Egypt
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Anadolu Agency via Getty Images

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COP27 devia acabar esta sexta-feira, mais vai prolongar-se. O que está a fazer adiar um acordo final?

A cimeira de Sharm El Sheikh devia ser a COP da implementação das políticas — mas está a ser difícil chegar a acordo em algumas formulações básicas. A COP27 deverá prolongar-se para o fim de semana.

Quando chegaram à cidade-resort de Sharm El Sheikh, no Egito, há duas semanas, os delegados de perto de 200 países já sabiam que tinham em mãos uma espinhosa missão: atar as muitas pontas que tinham ficado soltas no acordo climático de Glasgow — e fazê-lo num contexto particularmente delicado, marcado pela guerra entre a Rússia e a Ucrânia, pelas tensões crescentes entre os EUA e a China e pelas violentas inundações que mataram centenas de pessoas no Paquistão e que trouxeram para o centro do debate a urgência do financiamento dos países mais expostos aos impactos atuais das alterações climáticas.

Duas semanas depois, é justamente esse problema — que no jargão das Nações Unidas é habitualmente referido como loss and damage, ou perdas e danos — que está a atrasar o acordo final de mais uma cimeira climática que deverá ficar aquém das expectativas dos ativistas, ambientalistas e decisores políticos.

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A COP27 deveria terminar formalmente esta sexta-feira, mas, como tem sido hábito nas cimeiras das Nações Unidas sobre as alterações climáticas, vai prolongar-se bem para lá do prazo: o acordo final só deverá ser conhecido no sábado ou, no pior dos cenários, já no domingo. O cenário, que já está a ser formalmente assumido em Sharm El Sheikh, repete o que aconteceu em Glasgow no ano passado, quando o acordo final só foi formalmente aprovado por volta das 20h de sábado, mais de 24 horas depois do prazo final, após um conjunto de rondas negociais que baixaram a ambição do documento e atiraram para o Egito várias das decisões difíceis com as quais os delegados não se conseguiram comprometer.

Climate and environmental activists demonstrate in Egypt

O financiamento de compensação por perdas e danos é o tópico central da COP27

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O primeiro esboço do documento final de Sharm El Sheikh foi publicado pela presidência egípcia da COP na quinta-feira e desiludiu praticamente toda a gente: no que toca aos combustíveis fósseis, limitou-se a repetir a formulação do acordo de Glasgow; e na questão do loss and damage, considerado o assunto central desta cimeira, a referência é ainda mais escassa, não detalhando qualquer plano para a criação do desejado fundo para perdas e danos e limitando-se a “saudar” o facto de o tema ter sido debatido na COP.

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A cimeira de Sharm El Sheikh foi inevitavelmente mais discreta que a COP26, em Glasgow. Por razões óbvias: no ano passado, os delegados dos países signatários do Acordo de Paris chegaram à cidade escocesa com a missão de aumentar a ambição dos seus compromissos climáticos e manter o objetivo primordial do acordo (garantir que o aquecimento do planeta até ao final do século fica abaixo dos 2ºC, idealmente nos 1,5ºC) ao alcance da humanidade. O acordo firmado em Paris previa uma revisão das metas climáticas a cada cinco anos — e Glasgow era o primeiro destes momentos de revisão.

Até então, os compromissos assumidos pelos países signatários limitavam o aquecimento global do planeta até ao final do século a 2,7ºC — ou seja, eram manifestamente insuficientes para atingir a meta de Paris. Os compromissos assumidos a partir de Glasgow não baixaram este valor significativamente e os delegados decidiram que a atualização das metas climáticas deveria passar a ser feita anualmente, com início a partir de Sharm El Sheikh.

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Algo semelhante sucedeu com um dos objetivos centrais que foram objeto de discussão em Glasgow: o fim do uso de combustíveis fósseis até meados deste século como exigência central para a descarbonização da economia global. O primeiro esboço do documento final de Glasgow falava da “eliminação progressiva do carvão”, mas a declaração final acabou muito mais polida, com um simples apelo à “redução progressiva” do uso de eletricidade a carvão como uma das “políticas para a transição rumo a sistemas energéticos de baixas emissões”. Foi mais uma decisão adiada para o Egito.

Todavia, o último ano contribuiu decisivamente para uma mudança de prioridades. As inundações catastróficas que devastaram o Paquistão, causando a morte de mais de 1.700 pessoas (incluindo 615 crianças) e obrigando perto de oito milhões de pessoas a abandonarem as suas casas, foram formalmente atribuídas pela ONU aos efeitos das alterações climáticas. A crise na Ásia trouxe para o centro da agenda da COP27 uma realidade bem clara: as alterações climáticas não são uma ameaça para o futuro, são uma crise no presente para vários países do mundo.

"Os EUA, o Japão, a Suíça, consideram que avançar com um fundo nesta matéria é assumir a responsabilidade de causa e efeito, do ponto de vista jurídico, daquilo que são as alterações climáticas e das suas consequências. É como que abrir um precedente."
Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista Zero

Na linguagem dos tratados da ONU sobre o clima, esta questão é descrita com o termo loss and damage, ou perdas e danos, e refere-se, conceptualmente, à ideia de que os países mais desenvolvidos do mundo (que são também os que mais contribuem para o aquecimento global, embora sejam menos afetados por ele) devem ajudar os países menos desenvolvidos (mais afetados pelo aquecimento global, embora contribuam menos para a crise), financiando diretamente as operações de recuperação das perdas e dos danos causados pelas alterações climáticas e ajudando na mitigação, adaptação e transição energética.

Em Glasgow, o já antigo objetivo de mobilizar 100 mil milhões de dólares por ano dos países mais desenvolvidos para ajudar os países em vias de desenvolvimento na transição energética voltou a ficar por cumprir. Desta vez, os países em desenvolvimento, formalmente representados nas negociações pelo G77 (um grupo das 134 economias em vias de desenvolvimento — o número 77 refere-se aos membros fundadores), em parceria com a China, chegaram a Sharm El Sheikh com uma exigência clara: a criação de um fundo de perdas e danos, financiado pelas economias mais avançadas do mundo, destinado a ajudar os países mais pobres a protegerem-se dos efeitos das alterações climáticas.

É aqui que reside o grande problema que está a atrasar as negociações no Egito. Como escrevia na quinta-feira a BBC, “os países ricos têm resistido a esta discussão ao longo dos últimos 30 anos, temendo que, uma vez que assumiram um papel central nas causas das alterações climáticas, terão de pagar esse preço durante séculos”. Foram os desenvolvimentos recentes, especialmente as inundações no Paquistão, que colocaram o tema na agenda negocial — mas não tem sido fácil chegar a um consenso que agrade simultaneamente aos países ricos e aos países pobres.

O presidente da associação ambientalista Zero, Francisco Ferreira, que se encontra no Egito e tem acompanhado de perto as negociações, explicou esta sexta-feira, num balanço aos jornalistas portugueses, o que está em causa nas negociações deste tópico.

“Em cima da mesa estão várias discordâncias. Em relação a um dos aspetos mais cruciais e importantes, as chamadas ‘perdas e danos’, ou seja, aquilo que é o apoio aos países em desenvolvimento para lidarem com catástrofes que são agravadas pelo aquecimento global e consequentes alterações climáticas, há toda a decisão sobre se se deve avançar ou não desde já com um fundo”, disse Francisco Ferreira, salientando que “muitos aspetos ainda faltam ser acordados”.

Climate activists hold demonstration in Egypt

Dezenas de manifestantes têm protestado em Sharm El Sheikh, exigindo compromissos dos países mais desenvolvidos para o financiamento das perdas e danos

Anadolu Agency via Getty Images

“Há três opções em cima da mesa: a primeira opção é que isso deve avançar desde já. É uma proposta dos chamados G77+China, em que estão todos os países, praticamente, em desenvolvimento. Depois, temos uma segunda proposta, [que aponta para a solução de] que este fundo só começaria no próximo ano. E uma terceira, que diz que deve haver outro tipo de mecanismos que não a criação de um fundo”, explicou o ambientalista português.

Francisco Ferreira argumenta que as divergências se devem à resistência dos países mais ricos em aceitar o precedente de se assumirem responsáveis pelo aquecimento global. “Os EUA, o Japão, a Suíça, consideram que avançar com um fundo nesta matéria é assumir a responsabilidade de causa e efeito, do ponto de vista jurídico, daquilo que são as alterações climáticas e das suas consequências. É como que abrir um precedente”, diz Francisco Ferreira.

“A União Europeia tem uma proposta diferente (…), em que assume o avanço deste fundo, mas com contrapartidas no quadro global. A garantia de que continuamos a tentar os 1,5ºC e que a linguagem sobre o fim dos combustíveis fósseis, nomeadamente o carvão, fica presente na decisão final”, explica o ambientalista português. O problema, continua Francisco Ferreira, é que a proposta de Bruxelas “não é aceite por muitos países em desenvolvimento e pela sociedade civil, porque acaba por, ao considerar os países mais vulneráveis, também excluir determinados países que são cruciais em termos daquilo que são os prejuízos, como é o caso do Paquistão”.

Isto porque a proposta inclui a atribuição de financiamento aos países que são formalmente classificados pela ONU como “países menos desenvolvidos”, uma lista que não inclui o Paquistão nem vários outros países cujas populações estão especialmente vulneráveis aos impactos das alterações climáticas.

COP27 In Sharm El Sheikh, Egypt

Frans Timmermans explicou no Egipto a proposta da União Europeia

NurPhoto via Getty Images

“Há aqui clarificações que são necessárias para garantir que se encontra um consenso, que não será de forma alguma fácil — porque este mecanismo das perdas e danos, que começou em 2013 em Varsóvia, que já teve uma rede em 2019 em Madrid, a chamada rede de Santiago, para concertar um conjunto de políticas, o que é facto é que já passaram nove anos e ainda não se concretizou, operacionalizou”, disse Francisco Ferreira. “Esse é um dos grandes objetivos desta conferência.”

Na manhã desta sexta-feira, o vice-presidente da Comissão Europeia Frans Timmermans, que tem a pasta da política climática, anunciou que a União Europeia estaria disposta a concordar com a criação de um fundo para as perdas e danos. Timmermans explicou, contudo, que há “condições claras” para aceitar a criação deste fundo, que teria de ser incluído num “pacote” que passasse também pela intensificação das metas climáticas de todos os países do mundo. Já os países menos desenvolvidos classificam a proposta da UE de pouco honesta, uma vez que repete as propostas iniciais do bloco europeu e não acrescenta novos compromissos.

Uma das dificuldades será garantir o apoio dos EUA — que insistem na ideia de que não se pode abrir um precedente que estabeleça uma noção de causalidade entre os países mais desenvolvidos e as alterações climáticas. “A proposta da UE estabelece, crucialmente, o princípio de que os pagamentos para os países em desenvolvimento para a adaptação climática têm de ser acompanhadas de reduções globais nas emissões de gases com efeito de estufa”, disse ao jornal The Guardian Paul Bledsoe, antigo conselheiro do Presidente Bill Clinton para as questões do clima e hoje investigador no think-tank Progressive Policy Institute. “Mas os rótulos importam. Esses pagamentos a outros países terão sempre de ser descritos como ajuda estrangeira genérica, nunca como compensações ou reparações climáticas, para obterem o apoio dos EUA.”

Tudo igual nos combustíveis fósseis e nos 1,5ºC

O documento final da COP27 continua atrasado também por outros temas relevantes, incluindo a questão dos combustíveis fósseis e a formulação das metas do Acordo de Paris (especialmente a relevância de manter ainda a referência aos 1,5ºC).

Relativamente aos combustíveis fósseis, a proposta de documento final até agora limita-se a repetir o postulado do acordo de Glasgow: “Acelerar as medidas rumo à redução progressiva da eletricidade a carvão não sujeita a compensação carbónica e reduzir e justificar os subsídios ineficientes aos combustíveis fósseis.”

“Não há aqui um incremento, uma melhoria”, lamenta Francisco Ferreira, da Zero, lembrando que esta cimeira tinha como grande objetivo debruçar-se sobre a ação e a implementação — e acaba por incluir, nas suas conclusões, apenas declarações de intenções.

O mesmo acontece relativamente ao grande objetivo de manter a meta dos 1,5ºC ao alcance da humanidade. A proposta preliminar para o documento final da COP27 também replica a formulação do documento de Glasgow e, de acordo com a Reuters, limita-se a sublinhar “a importância de fazer todos os esforços a todos os níveis de atingir o objetivo de temperatura do Acordo de Paris de manter o aumento da temperatura média mundial bem abaixo dos 2ºC acima dos níveis pré-industriais e continuar a fazer esforços para limitar o aumento de temperatura a 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais”. Atualmente, as temperaturas já se encontram 1,1ºC acima desses níveis pré-industriais.

 
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