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Carlos Almeida não vende ilusões. E critica quem o faz. Em entrevista ao Observador, o diretor de investimentos do Banco Best alerta para a importância de uma “disciplina de poupança“, antes de mais, e – depois – decisões de aforro e investimento que sejam feitas “por convicção” e não por escassez de opções, sobretudo no mundo de taxas de juro baixas em que vivemos. Mas esses juros baixos não durarão para sempre, nem durarão os combustíveis mais baratos. O mais crucial, contudo, é que as pessoas se preparem para o risco de um corte importante nos rendimentos quando chegarem à reforma. Há formas simples de reduzir o risco de dissabores no futuro.
As ações europeias são um dos investimentos favoritos para 2016, a julgar pelos relatórios dos analistas internacionais. Revê-se nesta perspetiva?
Sim, existe esse consenso entre os analistas para 2016, de uma maior preferência pelas ações europeias e, também, as ações japonesas. Um consenso que, no Banco Best, também partilhamos. Em certa medida, é um consenso de mercado muito semelhante ao que observámos no início deste ano que agora termina, 2015. Também já havia uma preferência pelas ações europeias e japonesas.
Que fatores explicam essa preferência, então e agora?
Essencialmente, temos a continuação do programa de estímulos por parte do BCE e a sua extensão até março de 2017, o que vai gerar alguma procura por ativos com maior nível de risco. É um aspeto importantíssimo. Mas começam, também, a surgir alguns indicadores de atividade económica que favorecem o investimento em ações. E há, ainda, uma componente relativa: tivemos uma subida das ações norte-americanas nos últimos anos que leva a que alguns investidores tenham, agora, uma posição neutral para esse mercado – à luz do início do ciclo de subidas da taxa de juro nos EUA. Assim, a maior indefinição em relação ao comportamento das ações norte-americanas favorece as ações europeias – onde se perspetiva uma maior injeção de liquidez por parte do banco central.
Falamos de fluxos de investidores relacionados com a injeção de liquidez. Mas, do ponto de vista fundamental, de onde é que virá o crescimento, que possa permitir mais lucros para as empresas e uma valorização das suas ações?
No Japão já se nota um aumento do investimento das empresas, mas isso é um contraponto ao que estamos a ver na Europa, onde o investimento ainda está tépido. E nos EUA também está parado, em certa medida. Nestes dois últimos blocos, o que estamos a ver é um aumento do consumo das famílias, porque ainda existem alguns constrangimentos do consumo público, na Europa. Por outro lado, na componente das exportações temos visto melhorias graças ao efeito da desvalorização do euro face ao dólar. O consumo das famílias está a ser suportado pela redução dos custos com a energia e combustíveis, que leva também a níveis de inflação baixos, e, por outro lado, temos as taxas de juro baixas nos créditos.
Fruto, mais uma vez, dos estímulos do BCE.
Sim, mas há que realçar que estes programas de compra de ativos por parte dos bancos centrais são ótimos para comprar tempo. Essa compra de tempo cria uma oportunidade para que outros agentes económicos – governos e empresas – implementem medidas no sentido de fomentar o consumo, ajudar à redução das dívidas mas, também, promover as reformas estruturais para aumentar a produtividade.
Como tem visto a política do BCE, nomeadamente os juros negativos nos depósitos?
O objetivo é que os bancos se sintam levados a aumentar o crédito à economia. E, por outro lado, que os próprios aforradores se sintam compelidos a assumir maiores riscos nos seus investimentos – o que, em teoria, pode animar a economia. O que temos visto, até agora, é uma ligeira recuperação da atividade de crédito por parte das PME, porque os bancos vivem num dilema. Por um lado, temos um BCE a dizer injetem mais crédito na economia mas, ao mesmo tempo, temos o mesmo BCE a dizer têm de reforçar [os rácios de] capital, porque estão a tomar riscos. Ou, então, só podem financiar as empresas que impactem pouco o vosso capital.
Como se dá a volta a esse problema?
Uma das consequências deste estado de coisas é que os empresários terão de ser cada vez mais assertivos quanto às suas contas, quanto ao modelo de negócio, na divulgação dos seus dados, porque quanto menos transparentes forem do ponto de vista da prestação da informação financeira mais exigentes os bancos serão antes de tomarem risco – porque vai consumir mais capital aos bancos, penalizando os seus rácios. As empresas têm de identificar e explicar muito bem as oportunidades de retorno de um investimento. Não só aos bancos mas, também, ao próprio mercado quando recorrerem a ele para se financiarem – o que esperemos que aconteça cada vez mais.
Governos devem dar orientação para estimular (também) a poupança
Considera que esse tempo está a ser bem aproveitado, pelas empresas e pelas famílias?
Estes efeitos são conjunturais, daí a importância de existir uma cautela por parte das famílias, quanto à importância de poupar. É importante que as famílias consumam, de forma moderada, mas é preciso não esquecer que é preciso poupar. As taxas de juro baixas irão vigorar por mais algum tempo – admito que não veremos alterações significativas durante ano e meio, dois anos – mas é preciso salientar que se o BCE for bem sucedido nas medidas que está a tomar (e o objetivo é ser bem sucedido) vamos ter níveis de inflação próximos de 2% e os juros irão subir necessariamente. Taxas de juro tão baixas são uma anormalidade e chegará um momento em que se assistirá a um aumento dos preços dos combustíveis (e de outros bens). Dentro de dois ou três anos, as necessidades irão passar a ser, seguramente, outras.
Falou dos governos. Que orientação é que, na sua opinião, deve ser dada às empresas e, sobretudo, às famílias?
Os sinais transmitidos aos cidadãos devem, também, passar pelo incentivo à poupança. Estimular o consumo, por si só, poderá trazer efeitos de curto prazo mas, a médio prazo, as coisas poderão não correr da forma que estava previsto. Muita gente reconhece que é necessário, numa primeira fase, haver uma vertente de estímulo ao consumo, para melhorar a componente do investimento e contribuir para a diminuição do desemprego. Mas o aumento do consumo, por si só, não traz esses mesmos efeitos de um modo duradouro. São necessárias linhas de orientação para continuar a dinamização do setor exportador – porque só por aí é que vamos conseguir diminuir o défice face ao exterior e, também, atrair investimento estrangeiro para baixar o desemprego.
Que mais fatores podem suportar o crescimento na Europa e, por inerência, em Portugal?
Temos uma Europa que cresce a duas velocidades, com taxas de desemprego muito díspares. E deve ser aí que a política orçamental funciona como um equilíbrio. A dúvida é saber até que ponto é que a política orçamental, nomeadamente através do Plano Juncker, poderá dinamizar o crescimento e o investimento público. Vamos ter de ter mais investimento público, mas nos países com mais restrições esse investimento terá de ser feito através de ajudas da Comissão Europeia, no sentido de fomentar e canalizar o investimento para os países com maiores restrições orçamentais e, ao mesmo tempo, promover um maior nível de gastos públicos por parte dos países que têm mais excedentes. Quanto a isso, tenho um otimismo moderado.
Poupar, sim. Mas poupar como?
Falávamos da importância da poupança. Mas poupar como?
Poupar, essencialmente, com disciplina. Muitas vezes nós colocamos a questão da poupança centrada no investimento que vou fazer no final. Mas, antes disso, é preciso estarmos predispostos para a poupança. E saber que podemos poupar nem que seja 50 euros ou 100 euros por mês. Primeiro a disciplina, depois o objetivo e aí, sim, vamos ao terceiro fator: investir onde. Depois de estabelecidos os dois primeiros fatores – a disciplina e o objetivo (seja poupar para a reforma, para a educação dos filhos, para uma viagem que queiramos fazer, etc.) – é fácil encontrar a melhor solução do ponto de vista do prazo e do perfil de tolerância ao risco de quem está a poupar e a investir.
Pode dar um exemplo prático?
Vamos imaginar: se estou a pensar investir com um objetivo que tem em vista um período de 10 ou 15 anos, para um complemento da minha reforma, poderei privilegiar uma solução que envolva ativos de maior risco. Porque, a médio e longo prazo, são os que terão os melhores retornos. Se, de um momento para o outro, assistirmos a uma desvalorização de 10% no espaço de um mês o importante é não colocar em causa a estratégia que foi o ponto de partida. O que devo fazer é continuar a minha disciplina de poupança ao longo do tempo. Em Portugal temos de fazer esse reforço porque é provável que, quando se chegar à idade da reforma, nomeadamente a faixa etária entre os 30 e os 45 anos, haja uma quebra entre o meu último salário e a minha reforma na ordem dos 50%. É crucial que, independentemente da idade, se comece a poupar já.
Quem é Carlos Almeida?
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O diretor de investimentos do Banco Best tem cerca de 15 anos de experiência na gestão de ativos, mas já trabalha com os mercados financeiros desde 1998.
Formado pela Universidade Lusíada de Lisboa e com formação suplementar pela Universidade Católica, na área dos investimentos em produtos de renda fixa, Carlos Almeida trabalhou no ActivoBank, entre 2002 e 2006.
Na passagem para o Banco Best, assumiu funções de diretor-adjunto (head of trading). Em maio de 2014, passou a diretor de toda a área de investimentos do banco online.
É um apaixonado pela causa da formação e literacia financeira e diz que o melhor investimento que fez na vida foi num produto de poupança com reforços mensais automáticos, que mantém, para a educação dos filhos.
“Sou um investidor moderado, acredito no investimento a longo prazo e procuro dosear o risco para viver o presente com tranquilidade”, disse em entrevista ao Diário Económico, em 2011.
A dificuldade é que os salários não são elevados, nomeadamente em boa parte dos membros mais jovens da sociedade.
Hoje em dia já é possível investir pequenas quantidades, aos poucos, em fundos de investimento abrangentes e globais. É necessário é que haja uma disciplina de poupança. Depois, é também importante não concentrar os investimentos num único ativo, num único país ou num único setor. Nunca é demais sublinhar a questão da diversificação quando se fala em assumir riscos um pouco maiores, que possam resultar numa remuneração efetiva mais tarde. As alternativas para os investidores nacionais, em que temos taxas de juro de zero praticamente, são muito poucas. Daí essa necessidade de alguma tomada de risco. Mas é crucial realçar que a tomada de risco não se pode fazer por necessidade, tem de se fazer por convicção. Isto significa que o investidor não poderá, de repente, começar a investir no mercado de ações porque não há outras alternativas atrativas.
Os últimos anos têm sido férteis em crises mediáticas e correções bruscas que têm penalizado as bolsas. Isso não afeta a perceção das pessoas?
Note que as ações dos EUA, por exemplo, desde 2007 acumulam uma valorização de dois dígitos, na ordem dos 15%, aproximadamente. E estamos, portanto, a falar de uma altura anterior à crise financeira grave que se viveu. Ou seja, quem se manteve fiel à sua estratégia e conseguiu manter os seus investimentos ao longo dos episódios de grande volatilidade que se viram, saiu a ganhar. Isto mostra que os investidores não devem assumir riscos por falta de alternativas porque isso torna mais provável que, num susto, abandonem esses ativos de risco. Se não se sentirem confortáveis com essa tomada de risco, se ela não acontecer por convicção, é preferível ficarem onde estão, nos depósitos, nos investimentos de curto prazo – ainda que sejam a abdicar da probabilidade de maior remuneração a médio/longo prazo.
Investir em 2016. De olhos postos nos EUA (mas não em Donald Trump)
Falámos superficialmente dos EUA e da subida dos juros. É o fator mais importantes para os mercados em 2016?
Olhando para aquilo que é a expectativa dos mercados e a visão transmitida pela Fed, notamos desde logo falta de consenso. Historicamente, quando olhamos para os ciclos de subida das taxas de juro, vemos que nos primeiros doze meses após a primeira subida a Fed costuma fazer uma média de oito subidas. Aquilo que a Fed está a perspetivar é quatro subidas no próximo ano, mas o mercado está a prever duas subidas. Enquanto a Fed já está a dizer que vamos andar a metade da velocidade histórica, o mercado diz-nos, neste momento, que a Fed vai andar ainda mais devagar do que isso.
O que é que o mercado sabe que a Fed (diz que) não sabe?
O mercado acredita que a Fed não conseguirá produzir um efeito imediato de aumento dos níveis de inflação. Melhor dizendo, a Fed poderá não encontrar na inflação um argumento que lhe permita fazer as tais quatro subidas. Este vai ser um ponto de destaque, capaz de gerar alguma volatilidade ao longo de 2016, esta disputa entre as expectativas do mercado e as ações da Fed. Um terá de se ajustar ao outro, como é normal acontecer.
Se a Fed acabar por subir os juros mais lentamente, que efeito terá isso, por exemplo, para os mercados emergentes?
Se a razão para uma subida dos juros mais rápida for um aumento do preço do petróleo e das matérias-primas, o efeito sobre esses países, de um modo geral, até pode ser mitigado pelas maiores receitas com a venda desses produtos. Esse será um dos elementos centrais – e mais imprevisíveis – para 2016: a evolução do preço do petróleo e das matérias-primas. Será crucial para a confiança dos consumidores e para a inflação.
E os mercados europeus, vão sofrer com essa volatilidade?
Os EUA têm um papel central para aquilo que se chama o sentimento dos investidores internacionais. E agora ainda mais, porque os EUA tornaram–se o principal motor de crescimento da economia mundial. Nos últimos anos estamos a assistir a uma maior preponderância do crescimento dos países desenvolvidos e um menor contributo dos países em desenvolvimento, nomeadamente os emergentes. Por isso é que se admitirmos um cenário negativo para os mercados norte-americanos, é difícil imaginar que haja um sentimento positivo nos restantes mercados.
As eleições norte-americanas também vão ser tema, capazes de criar instabilidade?
No que diz respeito aos EUA, mais do que com o ciclo presidencial, estou mesmo mais preocupado com a avaliação das empresas – o preço das suas ações face à sua capacidade de gerar resultados – e com a evolução das taxas de juro. As eleições irão gerar ruído, vamos ter a Super Terça-Feira no final da primavera, a definição dos candidatos em Congresso em julho, portanto a altura entre o final da primeira metade do ano e até novembro poderemos ter algum ruído. Mas não antecipo muito mais do que isso, até porque o Congresso já é dominado Republicano, pelo que o poder legislativo já está desse lado.
O grande susto de 2015 – a China – e os outros riscos para 2016
Preocupa-o o susto que se viveu este verão com a China, um país tão crucial para a economia global?
A China é a segunda maior economia do mundo, e dentro de alguns anos será, certamente, a maior. É um tema falado há muitos anos, embora tenha ganho destaque neste verão. Tínhamos assistido a uma forte valorização das bolsas chinesas na primeira metade de 2015, algo que as pessoas atribuíram à procura por ações por parte dos cidadãos chineses, pelo que, no verão, isso contribuiu para que o movimento negativo tenha sido mais pronunciado. Mas é verdade que a China está a viver um período de transição – redução do enfoque nas exportações para um maior relevo dos serviços e do consumo interno – que em todos os mercados desenvolvidos, historicamente, provocou a um abrandamento do crescimento. Isso é normal. Em 2007 a China crescia 10%, em 2014 ficou nos 7%, este ano irá ficar entre os 6% e os 6,5%, vamos ver.
Segundo os dados do governo…
Sim, é certo. Mas o abrandamento que existe é um reflexo da economia. A economia está a evoluir para zonas onde é mais difícil obter taxas de crescimento tão elevadas. Era difícil manter a China a crescer mais de 10% para sempre, era impensável. O mais importante para a China é que haja um plano das autoridades. E há um plano. Veja-se a entrada do renminbi no conjunto das moedas do FMI, estava no plano, a internacionalização na moeda, estava no plano, a própria criação de zonas francas e livre circulação de capitais, também estão a funcionar. E temos um banco central chinês ativo, só em 2015 fez cinco vezes cortes na taxa diretora – ou seja, mais um banco a expandir a política monetária.
Não está, portanto, preocupado com os riscos de uma aterragem brusca na China?
A China é um elemento importante, mas não vejo a questão numa ótica de hard landing ou de soft landing mas numa ótica de os próprios mercados começarem a incorporar que a China já não vai ser tão dependente da indústria manufatureira, temos de olhar para os serviços para aferir, também, o desempenho daquela economia. O importante na China é a sua coesão social, pelo que este é importante que seja cumprido o objetivo de crescimento em torno de 6% e 7%. Mas a China é, de facto, uma questão para os próximos anos e um risco importante para a economia global, o que só reforça a importância de uma diversificação de ativos e geografias numa carteira de investimentos.
Que outros riscos destacaria, à entrada em 2016?
O risco geopolítico é, se calhar, o mais importante para 2016. Temos alguns focos que estão a ganhar cada vez mais relevância. A emergência da Rússia, com a retirada ou não das sanções europeias, a instabilidade na Turquia, no Médio Oriente, em países dependentes do petróleo e algumas instabilidades que podem advir daí. São riscos geopolíticos que não são facilmente mensuráveis. Outro é o referendo no Reino Unido. As últimas sondagens apontam para uma possível vitória da permanência na União Europeia mas há um grau de imprevisibilidade que pode levar a alguma volatilidade em antecipação ao referendo.