Chama-se Operação Teia, foi lançada pela Diretoria do Norte da Polícia Judiciária, já levou à detenção dos presidentes de Câmara de Santo Tirso e Barcelos e do presidente do Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto por suspeitas de corrupção, tráfico de influências e de participação económica em negócio — e promete dar que falar.
No centro do inquérito está o casal Joaquim e Manuela Couto e a empresa de comunicação e de marketing desta última. O primeiro é um histórico autarca do PS da zona do Norte, sendo atualmente presidente da Câmara de Santo Tirso, enquanto a sua mulher é a líder de um pequeno grupo empresarial chamado W Global Communicaton, que deterá a agência de comunicação e marketing Mediana — Sociedade de Gestora de Imagem e Comunicação, Lda, e mais quatro sociedades. Ambos terão agido em alegado conluio, com Joaquim Couto a utilizar a sua rede de influência no PS para que a empresa da mulher fosse beneficiada nos processos de contratação pública de várias entidades.
Os alegados crimes de corrupção que estão sob investigação não têm por base pagamentos de ‘luvas’ aos decisores políticos, mas sim um suposto esquema de trocas de favores entre o casal Couto e José Maria Laranja Pontes, presidente do IPO do Porto, e Miguel Costa Gomes, presidente da Câmara de de Barcelos. Estão em causa ‘cunhas’ para empregos em entidades públicas e até um aumento da influência política quer de Costa Gomes quer de Laranja Pontes — serão essas as alegadas contrapartidas que a lei exige para a consumação do crime de corrupção.
Autarcas socialistas de Santo Tirso e Barcelos e Presidente do IPO do Porto detidos por corrupção
A cunha para a filha do presidente do IPO do Porto
Entre dezembro de 2008 e fevereiro de 2019, Manuela Couto fechou, enquanto líder da empresa Mediana, cerca de 80 contratos com entidades públicas, avaliados em cerca de 1,9 milhões de euros, segundo o portal dos contratos públicos.
Só no caso do IPO do Porto, estão em causa cerca de 360 mil euros de serviços de comunicação e imagem, adjudicados por ajuste direto entre junho de 2017 e novembro de 2018. De acordo com as suspeitas da PJ do Porto, uma parte dessas adjudicações será uma alegada contrapartida pela influência do socialista Joaquim Couto junto de Luísa Salgueiro, presidente da Câmara de Matosinhos desde as eleições autárquicas de outubro de 2017, para que Marta Laranja Pontes, filha do presidente do IPO do Porto, fosse escolhida como chefe de gabinete da autarca matosinhense.
Ao que o Observador apurou, Marta Laranja Pontes é funcionária da Câmara de Matosinhos há mais de 10 anos, mas foi efetivamente selecionada para chefe de gabinete de Luísa Salgueiro quando esta ganhou as eleições.
Segundo a Sábado, existirá ainda uma relação antiga entre Joaquim Couto e José Maria Laranja Pontes. Ambos são médicos, tendo sido colegas enquanto estudantes da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e, mais tarde, no Hospital de Santo António, também no Porto.
A Câmara de Matosinhos foi um dos alvos das buscas que os inspetores da Diretoria do Norte realizaram durante a manhã desta quarta-feira, passando pelo gabinete da autarca. A própria filha do presidente do IPO do Porto, que foi detido na mesma operação, interrompeu a licença de maternidade e deslocou-se à sede da autarquia matosinhense para ser notificada das buscas e para entregar o seu telemóvel — que foi apreendido. Também o disco do seu computador profissional foi alvo de cópia para ser junta aos autos, assim como foi solicitada uma cópia da nomeação de Laranja Pontes, efetuada por Luísa Salgueiro.
Pelo menos para já, Luísa Salgueiro não é considerada suspeita nos autos sob investigação.
O esquema sob investigação
O inquérito, que foi divulgado esta quarta-feira de manhã através de um comunicado da PJ, foi aberto no início de 2018 no Departamento de Investigação e Ação Penal do Porto. Ao contrário do que se possa pensar, os autos não nasceram de uma certidão de um segundo processo relativo a Melchior Moreira, presidente do Turismo do Porto e do Norte de Portugal, que ainda se encontra em prisão preventiva. Também naquele caso, Manuela Couto, enquanto líder da W Global Communication, foi considerada suspeita de alegadas práticas criminais mas não foi detida.
O esquema que está agora sob investigação da Operação Teia tem dois planos:
- Por um lado, um conjunto de adjudicações de serviços de comunicação e imagem em que a Mediana (e outras empresas da W Global Communication) foi, alegadamente, favorecidas em detrimento da concorrência, Em troca, Joaquim e Manuela Couto diligenciavam para satisfazer interesses particulares de José Maria Laranja Pontes e de Miguel Costa Gomes;
- Noutros casos, as empresas de Manuela Couto terão sido só uma uma espécie de placa giratória de circulação de dinheiro. Isto é, terão sido assinados contratos de prestação de serviços fictícios — que alegadamente não correspondem a uma prestação de serviços real — para que os fundos saíssem do IPO e da Câmara de Barcelos e fossem entregues a terceiros.
No caso da Câmara de Barcelos, estão em causa adjudicações à sociedade Mediana que superam os 1,1 milhões de euros, entre dezembro de 2011 e fevereiro de 2019. Este último contrato, publicado a 26 de fevereiro de 2019, é mesmo o último contrato da Mediana que foi registado no portal dos contratos públicos (base.gov.pt).
De acordo com o jornal Público, a alegada troca de favores entre o casal Couto e Miguel Costa Gomes tinha como objetivo aumentar a influência política do autarca barcelense. Das escutas telefónicas realizadas aos suspeitos constam diversos contactos entre Joaquim e Manuela Couto e Costa Gomes, relacionados com o Governo de António Costa.
Neste momento, a estratégia da investigação da PJ do Porto visa centrar os autos nos contratos públicos realizados entre o IPO do Porto, a Câmara de Barcelos e as sociedades do grupo W Global Communication de Manuela Couto.
Quem são os suspeitos?
O mais conhecido dos suspeitos é Joaquim Couto. Detido juntamente com a sua mulher Manuela na vivenda do casal em Vale de Pisão (Santo Tirso), Joaquim Couto é um histórico do PS. Eleito pela primeira vez como presidente da Câmara de Santo Tirso em 1982, Couto foi sucessivamente reeleito até 1999. No segundo Governo de António Guterres, foi nomeado governador civil do Porto — mantendo-se nesse posto até 2002.
Em 2013, voltou a candidatar-se e a ganhar a liderança da autarquia de Santo Tirso, tendo sido reeleito quatro anos mais tarde. Quando foi detido na manhã desta quarta-feira, Couto estava, portanto, a exercer o seu sexto mandato como autarca daquela cidade do distrito do Porto, sendo, por isso, conhecido como um dos ‘dinossauros’ do PS na zona do Norte, ao nível de Mário Almeida (histórico autarca de Vila do Conde) ou de Mesquita Machado (ex-presidente da Câmara de Braga).
Com uma influência política que sempre suplantou a pequena cidade de Santo Tirso, Joaquim Couto tem sido uma figura central nos jogos de poder da Federação do Porto do PS, assim como na gestão entre o PS e o PSD dos diferentes poderes autárquicos e metropolitanos da zona do norte.
Já a sua mulher Manuela era, até outubro de 2018, uma autêntica desconhecida da opinião pública. Foi nessa altura que outra grande operação da Diretoria do Norte da PJ, a Operação Éter, conheceu a luz do dia com a prisão de Melchior Moreira, então presidente da entidade pública Turismo do Porto e do Norte de Portugal. Manuela Couto não foi, então, detida, mas foi constituída arguida por, alegadamente, ter sido cúmplice de Melchior Moreira na alegada viciação de procedimentos de contratação pública.
Está em causa na Operação Éter um alegado esquema de corrupção que terá levado ao desvio de mais de 7 milhões de euros dos cofres do Turismo do Porto e do Norte de Portugal para duas empresas, entre 2016 e 2018. Uma delas será uma sociedade do grupo W Global Communication. De acordo com o Público, Manuela Couto terá alegadamente pago um jantar de 1.350 euros a Melchior Moreira em Madrid, à margem da Feira Internacional de Turismo.
Miguel Costa Gomes, por seu lado, saltou para a ribalta em outubro de 2016. Estava em causa o processo de escolha dos candidatos do PS às autárquicas do ano seguinte e o autarca de Barcelos não só não tinha o apoio da concelhia local, como até já havia um nome para substitui-lo: o deputado Domingos Pereira que tinha o apoio da esmagadora maioria dos militantes da concelhia de Barcelos. Este foi mesmo o caso mais sensível do PS a nível nacional.
Eleito em 2009 contra Fernando Reis, histórico social-democrata que governava a Câmara de Barcelos desde 1990, Costa Gomes foi reeleito em 2013 mas arriscava-se a deixar de ter o apoio do PS nas autárquicas de 2017. Mas a direção nacional liderada por António Costa bateu o pé e obrigou a concelhia a apoiar o autarca em nome do princípio político nacional de que os presidentes de câmara deviam recandidatar-se.
Joaquim e Manuela Couto, José Maria Laranja Pontes e Miguel Costa Gomes estiveram ao juiz de instrução criminal do Tribunal Judicial da Comarca do Porto esta quinta-feira, pelas 14h, para a realização do primeiro interrogatório judicial como arguidos e a consequente definição das respetivas medidas de coação. O interrogatório deverá prolongar-se na manhã desta sexta-feira.
Operação Teia. Interrogatório deverá prolongar-se na manhã de sexta-feira