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A vacina de Oxford foi submetida a um ensaio clínico de larga escala. O que é que ficámos a saber?
Ficámos a saber que a vacina da Universidade de Oxford em parceria com a farmacêutica AstraZeneca — aquela que Portugal comprou e de que deverá receber 6,9 milhões de doses — é eficaz na prevenção da Covid-19. Foram esta segunda-feira divulgados os resultados provisórios desse ensaio clínico de larga escala no Reino Unido e no Brasil que revelaram que a vacina é 70,4% eficaz.
Isto significa que, “no grupo estudado, daqueles que apareceram infetados, 70% não tinham tomado a vacina”, resume o imunologista Pedro Madureira, investigador do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3s), ao Observador. É assim a terceira vacina a mostrar eficácia, depois das desenvolvidas pela Pfizer e pela Moderna.
Mas 70,4% de eficácia não é pouco?
Não. Apesar de as vacinas desenvolvidas pela Pfizer e pela Moderna terem índices de eficácia superiores, que ultrapassam os 90%, o resultado desta vacina não é reduzido. O “limite mínimo aceitável para as vacinas serem distribuídas é de 50%” e esta vacina está muito acima desse valor, lembra Tiago Correia, especialista em saúde pública internacional e docente no Instituto Português de Medicina Tropical, em declarações à Rádio Observador. “70% é muito bom. Não fiquem presos à ideia de que tem 70% de eficácia, mas prendam-se à ideia de que vai haver mais uma vacina”, afirmou ainda, acrescentando que estes valores podem “variar” até mesmo numa fase posterior, quando já estiverem a ser administradas.
A própria vacina da gripe tem uma eficácia entre os 20% e os 40%. ”E já é bom”, afirma o imunologista Pedro Madureira. Por uma razão: a ideia é que a pessoa vacinada não só não tenha a doença mas também que não a transmita. “Portanto, na teoria, não precisamos de ter uma eficácia de 100% para que a população esteja toda protegida. Chegando a um ponto em que temos 70% de cobertura dessa vacinação, provavelmente toda a população estará protegida”, explica.
E como é que se chegou a este valor de 70,4%?
Este valor dos 70,4% de eficácia foi apurado num estudo que envolve 22.690 mil voluntários — 12.390 no Reino Unido e 10.300 no Brasil — ao combinar os resultados de dois regimes de dosagem.
Num grupo, 2.741 pessoas foram vacinadas inicialmente com apenas meia dose e, um mês depois, com uma dose completa — aí, a eficácia foi de 90%. Noutro grupo, 8.895 pessoas foram vacinadas com duas doses na quantidade normal, com pelo menos um mês de intervalo — aí, a eficácia foi de 62%, detalha a AstraZeneca em comunicado. “Incrivelmente, descobrimos que um dos nossos regimes de dosagem pode ser cerca de 90% eficaz e, se esse regime de dosagem for usado, mais pessoas podem ser vacinadas”, afirmou Andrew Pollard, o investigador-chefe do gabinete de testes da vacina na Universidade de Oxford, em comunicado.
Ao Financial Times, admitiu mesmo que a equipa “esperava que as duas doses completas tivessem uma melhor resposta”. Certo é que a análise combinada de ambos os regimes de dosagem (90% e 62%) resulta numa eficácia média de 70,4%.
Ora, o somatório perfaz apenas 11.636 pessoas vacinadas, de um total de 22.960 mil. Isto porque alguns voluntários recebem uma vacina placebo, isto é, uma substância sem efeitos farmacológicos. Embora nem a Oxford nem a AstraZeneca refiram nos comunicados se as restantes pessoas tomaram esse placebo — apenas referem que parte dos voluntários tomou —, o imunologista do i3s explica ao Observador que, “em todos os ensaios clínicos, parte das pessoas, às vezes metade, não vai receber a vacina” porque “só assim é que se consegue comparar o efeito da vacina ou de outro fármaco”. “Depois, vê-se se a doença foi mais incidente naquelas que não tomaram a vacina”, remata.
É que “a parte psicológica é muito importante, por isso é que as pessoas que fazem parte do estudo não sabem se estão a tomar a vacina”. “Muitas vezes, nem os próprios médicos sabem o que é que estão a dar, para não haver qualquer influência. É um ensaio cego: só a empresa é que sabe e no final faz o cruzamento dos dados”, lembra.
Das pessoas que ficaram infetadas, quantas tinham tomado a vacina?
Segundo a BBC, no grupo total de voluntários houve 131 casos de infeção — nenhuma pessoa teve um caso grave da doença ou precisou de tratamento hospitalar. Desses, 30 tinham recebido a vacina e os restantes 101 casos apenas tinham recebido uma vacina placebo. E isto é um resultado bom. Segundo o imunologista Pedro Madureira, “como a maior parte das pessoas (101) não tinha tomado a vacina, é uma forma de inferir que a vacina tem alguma eficácia”. “Um mau resultado era se todas elas tivessem tomado a vacina”, explicou.
Ainda assim, num estudo de 20 mil pessoas, só 130 é que apareceram infetadas, e por isso ainda é cedo para tirar conclusões. “Falta aparecerem mais pessoas infetadas”, refere o imunologista, clarificando: “Quando o número de infeções for maior já se poderá inferir melhor acerca da segurança ou falta dela da vacina”. A própria farmacêutica já adiantou que “mais dados continuarão a acumular-se e serão conduzidas análises adicionais”. Estudos como este normalmente “nunca demoram menos de doisa três anos para terem a sua eficácia avaliada”, explica Pedro Madureira, notando que “há toda uma urgência” com a pandemia.
Quanto custará esta vacina?
A farmacêutica AstraZeneca garantiu que irá vender a vacina ao preço de custo, enquanto durar a pandemia. Isto significa que cada dose custará entre 3 e 4 dólares (entre 2,5 e 3,4 euros). É por isso bem mais barata do que as vacinas da Pfizer e da Moderna: a primeira custa 20 dólares por dose (cerca de 17 euros) e a segunda custa 25 dólares (cerca de 21 euros), escreve a BBC.
Este preço “sem fins lucrativos” é válido até que termine a pandemia, não sendo exatamente claro o que é que os produtores entendem por “fim da pandemia”, nota o The Guardian. A AstraZeneca assinou um contrato com o governo brasileiro que indica que este período de “desconto” terminará em meados de 2021. O The New York Times avança no entanto que a farmacêutica prometeu vender a baixo custo a vacina a países mais pobres “para sempre”.
O baixo custo de produção está relacionado com o facto de a tecnologia usada pela Universidade de Oxford seguir “um modelo muito mais clássico”, nas palavras de Pedro Madureira: é baseada numa tecnologia diferente das duas vacinas da Pfizer e da Moderna, que usam uma tecnologia mRNA. “Neste caso, são partes do vírus que são produzidas e são inoculadas na pessoa. As vacinas da Moderna e da Pfizer funcionam de forma um bocadinho diferente. Têm o tal RNA, um ácido nucleico que vai ser internalizado pelas nossas células e depois as nossas células é que vão produzir as proteínas virais — e só depois é que é desencadeada a resposta imune. É uma plataforma que estava a ser estudada há muitos anos para vacinas para o cancro”, explicou.
Ora, isto vai refletir-se em termos de produção, manutenção e distribuição. “A plataforma RNA é muito mais cara: envolve toda uma cadeia de distribuição e armazenamento que não está de todo estabelecida na maior parte dos países. Não é um processo standard”, adianta o imunologista da i3s.
É mais fácil de armazenar? É por isso mais adequada para países pobres?
Sim e sim. É mais fácil de armazenar porque pode ser conservada em condições normais de refrigeração, entre 2ºC e 8ºC, e tem uma validade de pelo menos seis meses. O comunicado da Oxford garante que a vacina pode até mesmo ser guardada “à temperatura de um frigorífico” — em vez do frio intenso que é exigido para a vacina da Pfizer, que tem de ser conservada a -70ºC, e a da Moderna, cuja temperatura tem de ser de -20ºC.
Esta vacina exige assim uma logística menos complicada para ser distribuída por todo o mundo. Daí que seja mais adequada para distribuição em países mais pobres. O imunologista Pedro Madureira admite mesmo que as outras vacinas dificilmente chegarão a países em desenvolvimento. Aliás, a vacina de Oxford foi apresentada como “uma vacina para o mundo”.