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Da fábrica de enchidos às enchentes do Olympia. Chegará Tony Carreira ao Olimpo?

A relação com os fãs é inabalável. Mas as acusações de plágio são um golpe no conto de fadas do menino da aldeia que subiu a pulso. Tony controla tudo. Menos os erros que cometeu na era pré-Internet.

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A melodia de “Sonhos de Menino” é exatamente igual à da canção “L’Idiot” (1981), de Hervé Vilard e Henri Didier René. Mas a originalidade da letra ninguém pode tirar a Tony. Nela, o cantor de cantigas de amor lembra uma aldeia, perdida na Beira. É Armadouro, na Pampilhosa da Serra, a tal terra que o viu nascer, a 30 de dezembro de 1963.

Tony viria depois, Carreira ainda mais tarde. O menino nasceu António Manuel Mateus Antunes, num casebre de pedra “que mais se assemelharia a um palheiro do que propriamente a um lar”, recorda na biografia A Vida Que Eu Escolhi, que autorizou a Bertrand a publicar, em 2008, para assinalar 20 anos de carreira. O livro está esgotadíssimo. Como tudo o que faz Tony. Coliseu de Lisboa? Três noites seguidas esgotadas. E mais houvesse. Esgotar a maior sala do país, a Meo Arena? Fácil. E com vários dias de antecedência. Esgotar o mítico Olympia, em Paris, três noites seguidas? Ainda é preciso responder?

Tony Carreira é o artista português que mais multidões arrasta, dentro e fora de portas. 20 álbuns de originais, 60 discos de platina e mais de quatro milhões de discos vendidos, lê-se na sua página de Internet. O disco mais recente lançou-o em janeiro deste ano, com o título Sempre Mais.

Desde que a família Carreira veio viver para Portugal, no final dos anos 90, que Fernanda Antunes gere o império.

Vítor Rios / Global Imagens

Com ele tem sido sempre assim. Sempre mais. Menos era difícil, se tivermos em conta a vida de uma família pobre de uma aldeia em tempos de ditadura. Mal Tony nasceu, o pai, Albino Antunes, emigrou para Paris, para trabalhar na construção civil e viver nos precários bidonvilles. Maria Pereira Mateus, a mãe, juntar-se-ia mais tarde, levando consigo José, o filho mais velho, e deixando Tony, com seis anos, aos cuidados dos avós paternos. Para piorar, a irmã mais nova, Fernanda, foi entregue aos avós maternos, numa aldeia vizinha chamada Sobral. De repente, Tony não tinha ninguém. Só sonhos. Voltemos novamente a “Sonhos de Menino”:

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Lembro-me de um menino que andava sozinho,
Sonhava vir um dia a ser
Sonhava ser cantor de cantigas de amor
Com a força de Deus venceu
Dessa pequena aldeia o menino era eu.

O “rei da capoeira” que roubou a mulher a outro Tony

O pai foi finalmente buscá-lo um dia. Com 11 anos, Tony entrou pela primeira vez num comboio com destino a Paris, onde os pais moravam num “humilde” apartamento nos subúrbios. O adjetivo “humilde” é frequente quando o assunto é Tony, e o cantor faz questão de relembrar as suas origens de dificuldade sempre que pode. Nas músicas. No livro. Na biografia do seu site, onde frisa por duas vezes as “origens humildes”. No primeiro dia de aulas, a sacola que levou era “humilde, feita de serapilheira”. Com a força de Deus venceu, canta. A história mostra outra coisa. Que se o menino da pequena aldeia venceu, isso deve-se à sua persistência e a todas as escolhas que fez na vida. Mas penou muito.

Quis ser como Mike Brant. Cortou o cabelo igual, pagou algumas lições de guitarra a um chinês chamado Mao e foi colher os frutos do sucesso junto das raparigas.

A chegada a Paris foi mágica. De repente, Tony tinha eletricidade, uma televisão e casa de banho dentro de casa. Por outro lado, não tinha o francês, o que fez com que fosse mandado para a segunda classe. Se já era difícil fazer amigos sem falar o idioma, ainda mais quando os colegas de carteira têm menos quatro anos de idade. Ainda não havia a palavra “bullying”. Senão, talvez Tony pudesse explicar aos pais numa palavra como era ir às aulas em França. As primeiras noites eram passadas a chorar. Mas as crianças adaptam-se rápido e não demoraria muito até o adolescente emigrante português pedir a sua primeira guitarra, pagar, com o dinheiro que ganhou, algumas aulas a um chinês chamado Mao, e descobrir que a sua figura conquistava as raparigas do liceu.

Liceu que acabou depressa porque, aos 16 anos, puseram-no a trabalhar na fábrica de enchidos onde trabalhava a mãe. Não só porque era preciso ajudar no magro orçamento familiar, mas também porque se José não tinha tido a oportunidade de estudar além dos 16 anos, a mentalidade ditou que os filhos mais novos também não teriam.

Quando disse ao pai que queria ser cantor, a resposta foi curta e grossa. “Não. Tu tens de ser mecânico. Isso é que era uma boa profissão para ti.” Nada a fazer. Por essa altura, Tony já tinha descoberto Mike Brant, israelita naturalizado francês que fazia música pop e conquistava com os seus cabelos impecavelmente penteados. Olha-se para Brant, que morreu em 1975, e percebe-se quem é o modelo em que Tony se foi inspirar para ser o cantor romântico e galã que é hoje.

Ao mesmo tempo que trabalhava na fábrica, seguia o sonho da música com os “Irmãos 5”, um grupo amador onde tocavam também dois dos seus primos. Um sucesso nos bailaricos de emigrantes portugueses, embora Tony assuma que não tocavam assim tão bem. Durante os cinco anos em que tocou no conjunto musical, Tony assume que era “literalmente, o rei da capoeira”. Tiremos o literal, porque o que o jovem António Antunes teve foi “namoradas que nunca mais acabavam”, que ia conhecendo nas “festinhas repletas de portuguesas”. Foi, aliás, numa delas que conheceu a futura mulher, Fernanda. Morena, bonita, dava nas vistas e o vocalista dos “Irmãos 5” conta que foi amor à primeira.

A emigrante portuguesa não reparou em Tony. Talvez porque estava acompanhada pelo namorado, de seu nome… Tony. António Antunes deu conversa à amiga, inventou que fazia anos na semana seguinte — “era um bocado mentiroso”, acrescenta na biografia — e convidou-as para ir à sua festa que era, na verdade, um bailarico onde iam tocar os “Irmãos 5”. O amor seguiu veloz. Uma espécie de “Se Acordo e tu não estás” antes de existir, e que agora está inserida no lote de músicas que o Ministério Público o acusa de plagiar.

Porque eu morro
Se passa um dia só e não te vejo
Nem oiço a tua voz quando chamar por ti
Como é que eu vou viver, viver assim?

A solução para ninguém morrer de amor arranjou-se num instante. Fernanda trocou o Tony antigo por um novo e, dois meses de namoro depois, estavam a viver juntos. Meia dúzia de meses mais tarde, nas férias de agosto, casaram numa igreja em Vila do Conde. A festa foi “muito simples e humilde”, descreve na biografia. “A festa de copo de água decorreu num restaurante do mais humilde que possamos imaginar”, volta a repetir.

Estávamos em 1985, ele tinha 22 anos, um emprego numa fábrica de enchidos e o sonho de menino por cumprir, ela tinha apenas 18 anos e um emprego noutra fábrica, por turnos. Tony tinha pressa, “por considerá-la a mulher mais bonita do mundo e, de longe, o grande amor da minha vida”, assume na biografia. “Fomos viver imediatamente para um bairro social [ainda em França], “porque foi a primeira casa que encontrei”, justifica o cantor na sua biografia.

No fim da atuação, uma das juradas disse-lhe simplesmente, para todos ouvirem: “Zero pontos, pode ir embora, não tem qualquer futuro!”

Em 1988, António Antunes estreava-se na TV portuguesa com “Uma Noite a Teu Lado”, no Prémio Nacional da Música, de onde ia sair o nome que representaria Portugal na Eurovisão. Metade da letra em francês e em português, corte de cabelo à futebolista dos anos 80, movimentos desengonçados e pouco naturais, guarda-roupa a necessitar de urgentes melhorias. Perdeu para a cantora Dora. Voltaria a perder em 1989, quando tentou a sorte num concurso organizado por Júlio Isidro na RTP. No fim da atuação, uma das juradas disse-lhe simplesmente, para todos ouvirem: “Zero pontos, pode ir embora, não tem qualquer futuro!

Valeu a pena ter ido a Portugal, porque fez contactos, pediu ajuda e gravou o single “Uma Noite a Teu Lado”. As vendas das suas primeiras gravações não foram animadoras, mas o cantor não desanimou. Acreditava que tudo o que era preciso era uma boa editora a apoiá-lo, disposta a pôr a sua máquina a trabalhar.

Um dia, Francisco Carvalho, da editora discográfica, liga a Tony para agendarem uma reunião, em Paris. O emigrante só fez uma exigência, e não foi dinheiro: poder trabalhar com Ricardo Landum. Satisfeito o pedido, deixou a fábrica de enchidos, 10 anos depois. Começava ali uma parceria de sucesso que dura até aos dias de hoje.

A fórmula Carreira (e o casamento mantido em segredo para não estragar o negócio)

Uma das medidas a tomar no caminho do sucesso foi mudar o nome. De António Antunes passou a Tony, o Carreira chegaria logo a seguir. “Foi um dos meus produtores que se lembrou, porque funcionava bem pronunciado nas duas línguas”, recordou o músico. A outra, foi melhorar o visual “simplório”, como descreveu o seu consultor de imagem de longa data, Vasco Correia, ao Diário de Notícias, em 2010. Cortar o penteado à futebolista foi a primeira medida. O consultor também mexeu nas cores que vestia, para que se adaptassem ao repertório mais popular que interpretava na época. Hoje, veste cores sóbrias, em especial preto e branco. “O que lhe dá um ar mais credível, além de que sai do panorama nacional. Ninguém se veste como ele”, afirmou Vasco Correia. Tony não se importa de ser maquilhado, nem que o consultor controle constantemente o seu peso e lhe aplique castigos quando engorda.

A par do imaginário da criança pobre que venceu na vida, a imagem não é uma questão menor no seu sucesso e há que cuidá-la. Aos 53 anos, é um homem charmoso, que vence sondagens de revistas como “O Cinquentão Mais Sexy”. Que chega ao palco elegante, sem barriga, com a camisa mais aberta do que as regras da etiqueta mandam, mas entre botões de camisa e os pelos do peito com a cruz de Cristo neles pousada, não é preciso um sondagem para imaginar a opção favorita dos fãs, maioritariamente mulheres.

O peso é controlado, as roupas mais escuras dão-lhe mais credibilidade. Capachinho? Vasco Correia jurou a pés juntos que o farto cabelo de Tony é genuíno. © Divulgação

Tony Carreira diz uma frase forte na sua biografia que encaixa mais no imaginário macho latino do que no homem sereno e romântico. “A partir do momento em que passei a viver com a Fernanda, a primeira coisa em que eu pensei não foi pedi-la em casamento, mas sim fazer-lhe um filho para garantir que ela não se ia embora.” Se pensou, mais rápido o fez. Fernanda já estava grávida de Mickael quando o namorado a pediu em casamento.

Apesar do amor louco pela mulher, Tony é como Marco Paulo e tem dois amores. O outro é a música. Foram muitos anos agarrado a um sonho. Fernanda chegou a dizer-lhe para desistir. Porque achava que ele não tinha jeito, mas também porque o marido casado de fresco passava o tempo todo fora de casa. Quando não estava na fábrica estava a cantar com os Irmãos 5 aos fins de semana ou no estúdio de Patrick Oliver, em Paris. “Os nossos problemas no casamento começaram aí”, e Tony admite mesmo que estiveram para se divorciar “em duas ou três ocasiões”, por causa das digressões, por se dedicar demais à música e de menos à vida familiar. Havia um amor que estava a ganhar ao outro.

Em 1999, esteve para se separar. “Nessa fase deprimente passei muito tempo a viver sozinho em Lisboa (...) e foi nessas noites que passei sozinho que escrevi algumas que considero serem as minhas melhores canções, como 'Depois de ti mais nada'", escreve na biografia, em 2008. É uma das canções sob acusação de plágio.

Naqueles primeiros anos a lutar pelo sucesso, Tony também escondeu um facto da sua vida que, anos depois, não se cansava de repetir: que era casado. “Cheguei inclusive a dar muitas entrevistas onde dizia que era solteiro e estava à procura da mulher ideal”, assume na biografia. Fazia-o porque acreditava que, assim, conquistava mais fãs. A mulher ficava em França a cuidar dos filhos, o que permitia a Tony andar mais desacompanhado em Portugal e manter a fachada. Fernanda não gostava de ler essas entrevistas, mas o que mais a irritava era passar tanto tempo sozinha. Em 1999, pediu o divórcio. “Nessa fase deprimente passei muito tempo a viver sozinho em Lisboa (…) e foi nessas noites que passei sozinho que escrevi algumas que considero serem as minhas melhores canções, como “Depois de ti mais nada” ou “É melhor dizer adeus”. O casal conseguiu resolver os problemas. Até 2014, quando se separaram de vez.

A primeira vez que deixou uma revista mostrar a família completa — Fernanda, Mickael e David — foi em 1997, numas férias no Algarve. A escolhida para dar o ‘furo’ foi a revista cor de rosa Nova Gente. Nessa altura, já não precisava de vender às fãs o sonho de um amor real com o seu ídolo. Os cartazes “Faz-me um filho” nunca desapareceram dos concertos, porque o amor platónico basta-lhes. Tony continua, de resto, a vender o sonho do sucesso. O conto de fadas do emigrante pobre que subiu a pulso porque nunca desistiu do sonho que teve em menino e que hoje, rico e famoso, continua igual ao que era quando não trabalhava de avental ensanguentado ao peito e galochas até às virilhas, na fábrica em França.

O império contra-ataca

“Tinha 15 anos, foi no Olympia”, recordou Mickael Carreira ao Diário de Notícias, sobre a primeira vez que pisou um palco. “Fiquei tão assustado que nem me lembro bem… mas fui eu que pedi ao meu pai, que disse que gostava de cantar com ele.” Na biografia publicada em 2008, Tony Carreira diz que um dos momentos mais felizes da sua vida foi ver o filho mais velho subir ao palco e cantar para milhares de pessoas. Tinha 20 anos quando se estreou no discos, em 2006, com “Mickael”. O produtor? Ricardo Landum, com o agenciamento a cargo da Regi-concerto, claro. Apenas a editora era diferente da do pai: Mickael optou pela Vidisco. Talvez para não haver mais comparações ou competições com o pai, o filho apostou nos ritmos latinos, que vendem bem nas lojas e têm maior facilidade na internacionalização do que uma música romântica cantada em português. Uma das músicas de maior sucesso é “Bailando”, espécie de franchise de Enrique Iglesias que inclui um dueto com o cantor interessado.

A partir do momento em que Mickael Antunes decidiu que queria vingar no mundo da música — decisão que implicou não seguir estudos superiores –, Tony pôs a máquina a trabalhar. O estúdio, o material, o produtor, o agenciamento e a fórmula que faz dele o que é hoje: o cuidado com a imagem, a aposta em bons músicos para tocarem ao vivo com o cantor, a dedicação aos fãs, que se traduz, por exemplo, em longas sessões de autógrafos a seguir a cada espetáculo, sempre com um sorriso no rosto e um olhar que faça cada fã sentir-se única. Tudo como o pai faz. Incluindo as versões. Ei-las outra vez. “Porque ainda te amo” é igual ao tema de Luciano Pereyra “Porque aún te amo”.

Ao contrário do que dizem algumas notícias publicadas na sexta-feira, o que Mickael faz não é plágio. A canção vem assinada por Rudy Amado Pérez, tal como mais oito canções do disco Viver a Vida. Não será difícil encontrar mais adaptações, procurando com paciência. Mas só é plágio se a autoria das canções estiver atribuída ao próprio Mickael, que foi o erro de Tony Carreira no passado. Num tempo em que ainda não havia Internet em cada lar.

Mickael e David Carreira seguem a fórmula do sucesso: tudo como o pai faz. Incluindo as versões. "Porque ainda te amo", de Mickael Carreira, é igual ao tema de Luciano Pereyra "Porque aún te amo".

Em 10 anos, Mickael vendeu 170 mil discos e soma 733 mil fãs na sua página de Facebook. Menos 44 mil fãs do que o pai (777 mil). Porém, nenhum dos dois está perto do sucesso que David Carreira tem nas redes sociais. O filho do meio do clã Carreira já passou a barreira do milhão de fãs, somando já currículo na moda, na representação e, desde 2011, nos discos.

Os Carreiras vendem e a fórmula de sucesso pode não ficar por aqui. Sara Antunes, a filha mais nova do clã, já partilhou o palco com o pai algumas vezes e manifestou o desejo de ter uma carreira musical. Mas este ano entrou na universidade e, por agora, não há planos a curto prazo. Se houver, certamente que Sara os discutirá com a mãe, Fernanda.

Desde que os Carreira se mudaram para Portugal, no final dos anos 90, para que pudessem passar mais tempo com Tony, que Fernanda Antunes assumiu a agenda do marido. Separados desde 2014, a ex-mulher não passou a ex-parceira nos negócios e continua a ter uma palavra importante a dizer. É que quando o tema são as canções e os fãs, é de Tony que se fala. Quando o Observador faz questões sobre marcação de concertos ou de entrevistas, Fernanda Antunes é o nome chave dos bastidores e da empresa Regi-concerto. Que, de acordo com a Forbes portuguesa, vale sete milhões de euros.

Mickael Carreira segue à risca a receita de sucesso do pai. Bom visual, dedicação às fãs, profissionaismo nos espetáculo e gravações, e adaptação de canções estrangeiras.

Neverfall / Global Imagens

Uma década sob acusações de plágio

Nem tudo são rosas no percurso de António. 2008, por exemplo, foi um ano cheio: comemorou 20 anos de carreira com o lançamento da biografia e lançou o 14.º disco. Mas foi nesse ano que teve de enfrentar acusações públicas de plágio. A questão coincidiu com o aparecimento de um blogue anónimo totalmente focado em comparar as canções de Tony com as de outros artistas. Muitas delas só agora alvo de investigação por parte do Ministério Público. No YouTube, é fácil encontrar vídeos de 2008 e 2009 com montagens comparativas.

As comparações também já foram feitas num programa de rádio francês, em 2009. Agora é mais sério. O Ministério Público (MP) formulou uma acusação de plágio em relação a 11 músicas “Depois de Ti Mais Nada”, “Sonhos de Menino”, “Se Acordo e Tu Não Estás”, “Adeus Até Um Dia”, “Esta Falta de Ti”, “Já que Te Vais”, “Leva-me ao Céu”, “Nas Horas da Dor”, “O Anjo que Era Eu”, “Por ti” e “Porque é que Vens” são as 11 canções alegadamente plagiadas, segundo o despacho de acusação do MP, proferida este mês.

A biografia A Vida Que Eu Escolhi foi publicada antes de o escândalo rebentar e não menciona uma única vez alegados plágios. O cantor refere-se sempre a estas canções como suas e, mais ainda, apostas suas contra o que as editoras achavam à época. Gravar o videoclip de “Sonhos de Menino”, por exemplo, foi uma insistência sua, quando a editora achava que a canção não ia vender. Tony disse-lhes que sabia que ia resultar. “Se acordo e tu não estás” foi a grande âncora do disco ao vivo no Olympia. “Eles queriam um tema chamado ‘Eras tu a metade de mim’, mas decidi que era mesmo no tema ‘Se acordo e tu não estás’ que nós teríamos de apostar. E o tempo encarregou-se de comprovar que eu estava certo…

Tony Carreira teve, em 2008, a mesma postura que tem hoje: não explica o que aconteceu, limitando-se a sugerir invejas e a dizer que o que havia por resolver já está resolvido. “Não houve processo nem queixa de ninguém [na Sociedade Portuguesa de Autores]”, explicou numa longa entrevista ao Expresso, em 2009. Não houve processo, porque Tony resolveu a questão de forma mais recatada. “Foram um ou dois erros que eu cometi há 12, 13 anos e que toda a profissão sabia”, disse. Quando a Internet era uma miragem e só por milagre alguém conseguiria comparar as canções.

"Eles [a editora] queriam um tema chamado ‘Eras tu a metade de mim', mas decidi que era mesmo no tema 'Se acordo e tu não estás' que nós teríamos de apostar. E o tempo encarregou-se de comprovar que eu estava certo…”

Logo depois, o cantor romântico diz que outros artistas também já o fizeram e que, se há polémica, é porque o seu nome é grande no meio musical. “Ainda agora os Coldplay foram acusados por Joe Satriani, a Madonna já teve esse problema… A única coisa que eu tenho a dizer sobre isto é que com outros artistas sai uma notícia pequenina e com o Tony foram milhares, uma autêntica perseguição para me matar artisticamente.”

No telejornal da SIC, Tony falou esta semana, em exclusivo, para dizer que é uma questão passada e que já a resolveu com os visados. E apontou dedos: “A Companhia Nacional de Música é simplesmente uma entidade que, por outros motivos, repito, por outro motivos, decidiu pegar nisto para estragar uma imagem.”

“Foram um ou dois erros que eu cometi há 12, 13 anos e que toda a profissão sabia”, disse Tony no passado, sobre a apropriação indevida de canções de outros autores.

Igor Martins / Global Imagens

O Observador tentou contactar artistas como Hervé Vilard, Frédéric François e Rudy Amado Pérez, mas não obteve respostas. Rudy Amado Pérez, o autor de “Después de Ti… Qué” (2000), ajudou a produzir o disco mais recente de Tony Carreira, Sempre Mais. Sinal de que qualquer mal estar que tenha havido no passado, está sanado. A Regi-concerto, empresa que gere a carreira de Tony e dos filhos Mickael e David, não respondeu ao pedido de entrevista do Observador ao artista. Em 2009, Tony Carreira não explicou ao Expresso, como nunca explicou até hoje, porque cantou canções decalcadas de outras e as assinou nos seus discos, junto com Ricardo Landum, autor de alguns dos maiores sucessos da música pimba e ligeira deste país, e colaborador de Tony Carreira há vários anos. Na mesma entrevista ao Expresso, é evasivo quanto aos motivos que o levaram a cometer erros.

— Porque fez esse “pequeno erro”, como diz?
Não há explicação quando se faz uma canção que é mais ou menos igual a outra. Acham que a Madonna quando faz uma coisa deste género é porque não tem visibilidade?

As acusações de plágio são frequentes no mundo da música. O próprio Ricardo Landum ganhou em julho uma ação que interpôs no Brasil, onde acusa o cantor brasileiro Gusttavo Lima de ter usado e modificado uma composição sua, “Que Mal Te Fiz Eu”. “Sinto-me moral e materialmente defraudado com isto tudo”, disse em março o compositor-mor do pimba ao Correio da Manhã. E acrescentou “Simplesmente pegou [Lima] na canção e usou-a como bem quis”.

Depois das acusações… Qué?

Tony Carreira é um saudosista. Guarda o pequeno dicionário que comprou em França para perceber as primeiras palavras. O rádio em que ouviu a primeira canção da sua vida — “Lágrima”, de Amália. A primeira guitarra que teve, herdada do pai, que a mandou fazer a um marceneiro da Pampilhosa da Serra. Até guarda a pasta de documentação que o júri entregou aos concorrentes no Festival da Figueira da Foz, em 1988. Se um dia alguém quiser erguer um museu ao músico, material não falta.

Tem razões para se orgulhar do seu percurso, porque não é fácil sair da espiral de pobreza familiar e vencer. Tony não tem problemas em falar do seu passado, porque esse passado ajuda-o no presente. Mas quando o assunto são os “erros” do passado, é tão evasivo quanto tranquilo no que ao plágio diz respeito. Em relação à justiça, é difícil medir o grau de tranquilidade. Já quanto à sua legião de fãs, Tony pode estar tão descansado quanto um monge budista.

https://www.facebook.com/tonycarreiraoficial/photos/a.178861078804991.40721.121083281249438/1634421793248905/

Poucas foram as figuras públicas que vieram defendê-lo publicamente. O comentador Cláudio Ramos e a artista — e irmã de Ronaldo — Kátia Aveiro são alguns exemplos. “Tony não esconde, que existiram situações que tiveram, a seu tempo que ser ‘ajustadas’ com os autores, passando a ser ‘adaptador’ de alguns temas e resolvendo tudo com os autores de algumas canções que tornou populares em Portugal [sic]”, escreveu Cláudio Ramos no seu blogue. Quanto às fãs, basta perder alguns minutos a ler alguns dos dois mil comentários à mensagem que Tony escreveu esta semana, na sua página de Facebook, onde agradece o apoio do “público, de colegas de profissão, de amigos e até de alguns media”.

“Força Tony”, deseja a fã Elisabete Silva, triste com as tentativas de “denegrir” a imagem “como cantor e como pessoa”. “Desejo que tudo seja esclarecido e que muitos engulam toda a barbaridade que disseram. Coragem Tony.” “A dor de cotovelo sempre foi e será de penalizar quem tem talento e quem ama o que faz como este amigo faz”, escreve Carlos Capela. “É triste haver pessoas que não têm mais nada que fazer e só pensam em fazer mal. Força amigo Tony Carreira mostra como sempre mostraste que és simples e sincero.”

Tony parece ter tudo. E se não vai perder as fãs nem as vendas, há pelo menos uma coisa que perde, caso o Ministério Público prove as acusações de plágio. Credibilidade. E isso sim, atinge-o com força. Se em 1997 chamou uma revista cor de rosa para partilhar com o mundo que era um homem casado, na hora de abordar, mesmo que ao de leve, as acusações de plágio, fá-lo em meios de comunicação credíveis. Os jornais Expresso e DN. Os telejornais da SIC e da TVI. Na segunda-feira, estará no Jornal das 8 da TVI, como esteve em 2008, para falar sobre o caso.

Tony parece ter tudo. E se não vai perder as fãs nem as vendas, há pelo menos uma coisa que perde, caso o Ministério Público prove as acusações de plágio. Credibilidade. E isso sim, atinge-o com força.

Não é por acaso. Há quase 20 anos que Tony Carreira luta para se dissociar da etiqueta pimba que lhe colocaram nos anos 90, quando saltou para a ribalta ao mesmo tempo que nomes como Ágata, Emanuel ou Romana. O Tony de “Boca Marota” não é o mesmo que, em 2016, recebeu a condecoração “Chevalier de L’Ordre des Arts et des Lettres” (Cavaleiro das Artes e das Letras), do Ministério da Cultura e Comunicação francês, figurando agora numa lista onde constam, entre outros, Patti Smith, Audrey Hepburn, David Bowie, Bob Dylan, Amália Rodrigues, Mariza e António Lobo Antunes. Na altura, a notícia causou polémica porque o Embaixador português em Paris recusou que a insígnia fosse entregue na Embaixada de Portugal.

No meu país, hão de valorizar-me quando tiver um pé para a cova. Foi em Portugal que construí verdadeiramente a minha carreira, por isso não deixa de ser irónico que seja o governo francês a ordenar-me primeiro”, disse na altura, ao Diário de Notícias. E lamentou o facto de as elites culturais ignorarem o gosto popular. “Isso, mais do que injusto para os artistas, é arrogante para as pessoas que seguem esses artistas.”

A mudança de repertório e de visual, o profissionalismo com que encara cada espetáculo — mega produções, excelentes músicos em palco, de violinistas a coros –, a ausência do mundo do jetset, tudo aponta no sentido da credibilidade enquanto artista. Tony continuaria a arrastar multidões se levasse apenas cinco ou seis músicos para os Coliseus ou para a Meo Arena, mas investe forte na qualidade, desde a produção dos discos ao espetáculo ao vivo. Em 2009, respondeu assim à revista cor de rosa Vidas, sobre que outro sonho tem para a sua carreira e para impressionar os seus fãs. “Tenho alguns… gostava de gravar com a orquestra sinfónica de Londres ou Berlim”.

"Se um músico de rock vender platina é herói, eu vendo seis e é normal! Se o Iglesias cantasse em Portugal chamavam-lhe pimba, como me chamam a mim."

Só que, mesmo sendo o artista português no ativo com mais sucesso, não consegue ser aceite pelas ditas elites culturais. Dois meses depois da polémica com o Embaixador, o Primeiro-Ministro António Costa deslocou-se a Paris para reunir com líderes socialistas europeus e fez questão de incluir na agenda um dos concertos do artista, para enviar um sinal de que o Estado português o respeita.

Ao mesmo Expresso, em 2009: “Se um músico de rock vender platina é herói, eu vendo seis e é normal! Se o Iglesias cantasse em Portugal chamavam-lhe pimba, como me chamam a mim.” A jornalista pergunta-lhe se isso o ofende. “Já me ofendeu, agora não. Mas não é justo, e a injustiça é uma coisa terrível. Os críticos podem não gostar, mas têm de ter olhos e ouvidos para perceber o trabalho que foi feito, e isso é sempre de louvar.”

É esse mesmo “trabalho que foi feito” que ficou manchado em 2008, quando as comparações entre músicas do português e de artistas estrangeiros evidenciaram ao grande público as semelhanças. E isso é um revés no caminho sempre ascendente, Sempre Mais, do cantor multiplatinado. Mesmo que Tony Carreira prove ao Ministério Público, como diz, que os problemas foram resolvidos no passado, a mancha do plágio, da não originalidade, persegui-lo-á. António Antunes continuará a viver o seu sonho de menino e a encher o Olympia. Mas dificilmente chegará ao Olimpo.

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