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A história de sucesso do Presidente Volodymyr Zelensky começa no pequeno ecrã. A Kvartal 95, uma empresa que o então ator criou em 2012, produziu uma série de televisão em que o ator deu vida a um professor que vence as presidenciais ucranianas com uma vitória retumbante face a nomes estabelecidos da política nacional.
A ficção de “Sluga Naroda” (em português, “Servo do Povo”) veio mesmo a tornar-se realidade: a história de Vasyl Goloborodko, a personagem principal interpretada por Zelensky, repetiu-se fora da televisão com o ator que lhe deu vida. Até o título da série foi adotado para o partido fundado pelo ator em 2017. E as celebridades do cinema ucraniano que trabalhavam mais de perto com Zelensky na Kvartal 95 ocupam funções de destaque no núcleo duro do Presidente.
Agora que coordena um dos lados da barricada na primeira guerra no seio da Europa na era da informação, Volodymyr Zelensky está rodeado dos mesmos guionistas, realizadores e produtores que tornaram a série “Servo do Povo” um sucesso entre a Ucrânia e a Rússia — a mesma que, olhando para trás, parece ter servido ao ator como uma espécie de ensaio geral para o cargo que veio a conquistar perante nomes estabelecidos da política, incluindo o incumbente Petro Poroshenko ou o antigo ministro da Ecologia e Recursos Naturais Ihor Shevchenko.
Por trás do sucesso comunicacional do Presidente ucraniano está uma verdadeira empresa de cinema transferida para a administração ucraniana quando Zelensky foi eleito. Foi ela que, pelo poder da palavra e da imagem, fez de Zelensky um herói de guerra no ocidente; e um símbolo da resistência e oposição a Vladimir Putin. Isto aconteceu apesar das polémicas em que o líder da Ucrânia esteve envolvido, incluindo os Pandora Papers, os negócios mantidos com o multimilionário ucraniano Ihor Kolomoyskyi — uma das três pessoas mais ricas do país e um oligarca, apesar de a campanha do Presidente se ter centrado precisamente no combate à oligarquia— e as aproximações a Donald Trump.
Yermak: o braço-direito de Zelensky
Andriy Yermak é um dos maiores aliados de Volodymyr Zelensky na estratégia de comunicação que lhe valeu tudo isto. Tornaram-se amigos quando o primeiro, que tem ligações à elite russa, era consultor legal de Elbrus Tedeyev, deputado pró-Rússia e atleta naturalizado ucraniano; e o segundo era produtor-geral e membro do conselho de administração de um canal de televisão, o Inter. Estava-se em 2011.
No ano seguinte, Zelensky cria a Kvartal 95 e Yermak funda uma empresa de produção, a Garnet International Media Group, onde trabalhava como produtor de séries de televisão e filmes. Mas mantinha um pé na empresa de Zelensky, como consultor legal na área dos direitos de autor.
Depois de ter estado discretamente envolvido na campanha de Zelensky e de ter sido conselheiro para os Negócios Estrangeiros ao longo de oito meses após as eleições, Andriy Yermak passou a braço-direito do Presidente. Na primeira conferência de imprensa, um dia após a nomeação para substituir Andriy Bohdan, Yermak anunciou que queria reformar o poder local na Ucrânia e abrir portas à diplomacia com a Rússia.
Foi através dele que se abriram portas ao escândalo que viria a culminar na primeira tentativa de impeachment de Donald Trump, então líder dos Estados Unidos. Kurt Volker, enviado norte-americano à Ucrânia para a tomada de posse de Zelensky, conheceu Yermak nessa viagem em maio de 2019; e veio a apresentá-lo a Rudolph Giuliani, advogado de Trump, a 19 de julho.
Apenas seis dias mais tarde, o Presidente dos Estados Unidos telefonou ao seu homólogo ucraniano para o congratular pela segunda vez pela vitória nas eleições. E é nessa chamada que Trump sugere a Zelensky que a Ucrânia lance uma investigação sobre Joe Biden e o filho, Hunter, no que parecia ser uma pressão para que o país interferisse nas eleições norte-americanas de 2020 — pressão essa que terá sido aprofundada quando a Casa Branca suspendeu o envio de ajuda militar à Ucrânia.
As mensagens recebidas e enviadas por Kurt Volker, entregues ao Congresso dos Estados Unidos no âmbito da investigação, viriam a revelar que o próprio Andriy Yermak disse aos norte-americanos que os ucranianos iam mesmo investigar a empresa de energia Burisma, onde estava o filho de Joe Biden. Nada disso veio mesmo a concretizar-se.
A mente por detrás dos tweets e a inspiração em Trump
Na chamada telefónica no centro da polémica entre os Estados Unidos e a Ucrânia em 2019, Volodymyr Zelensky já revela um dos segredos da sua estratégia de comunicação: a inspiração em Donald Trump. “Gostaria de lhe confessar que tive a oportunidade de aprender consigo”, disse o novo Presidente ucraniano: “Usamos algumas das suas habilidades e conhecimentos e pudemos usá-las como exemplo para as nossas eleições”.
Em entrevista ao Observador, João Ribeiro Bidaoui, sociólogo e diplomata com funções no grupo de soberania da Associação para o Desenvolvimento Económico e Social (SEDES) sublinhou como algumas características da comunicação de Zelensky estão próximas dos traços adotados mais recentemente pela classe política norte-americana: “O hábito de alimentar constantemente as redes sociais, de criar mensagens tão fortes que parecem slogans e a necessidade de se colocar ao mesmo nível que os jornalistas — isto são tudo traços que vemos em Zelensky e que também já víamos nos Estados Unidos”, aponta.
A presença digital do Presidente ucraniano tem o génio de Mykhailo Fedorov, um dos vice-primeiros-ministros do país e ministro da Transformação Digital — com 31 anos, é o membro mais jovem do atual Governo.
Depois de estudar sociologia e gestão, Fedorov fundou uma empresa de serviços digitais, a SMM Studio, que já tinha a Kvartal 95 na sua carteira de clientes e que, durante a campanha presidencial, transformou as redes sociais de Zelensky num sucesso incontornável — que lhe deu milhões de seguidores e uma vitória nas urnas. Continua a ser ele o responsável pela gestão das redes sociais de Zelensky: é a mente por detrás dos tweets que o Presidente publica todos os dias de modo regular; e é ele quem alimenta constantemente o Telegram com vídeos das declarações de Zelensky.
Isto é o que acontece atrás das cortinas, mas Fedorov mantém outras três funções essenciais na task-force de Zelensky na guerra com a Rússia: manter a Ucrânia ligada à internet e travar o conflito com a Rússia numa outra trincheira — a online.
A estratégia para não deixar que o país ficasse offline
A 25 de fevereiro, apenas um dia depois de Putin ter iniciado a invasão militar de grande escala na Ucrânia, Fedorov começou a enviar cartas a grandes multinacionais a pedir que saíssem da Rússia como forma de protesto contra as atrocidades humanitárias decorrentes do conflito. No dia seguinte, dirigiu-se a Elon Musk pedindo acesso da Ucrânia ao sistema de fornecimento de rede Starlink. O fundador da Tesla e da SpaceX acedeu e agora, mesmo com grandes danos às telecomunicações ucranianas, o país não ficará offline.
Received the second shipment of Starlink stations! @elonmusk keeps his word! Thank you for supporting Ukraine and peace in the entire world! @OMarkarova thanks! pic.twitter.com/hNZwsXkOCT
— Mykhailo Fedorov (@FedorovMykhailo) March 9, 2022
Também é ele o padrinho de um grupo de informáticos que se dedica a lançar o caos nos sites russos: o “Exército IT”, que Fedorov mencionou no Twitter, reúne milhares de piratas informáticos numa conta no Telegram que já tem mais de 280 mil membros. Há um documento que descreve como cada um deles pode hackear os sistemas de modo anónimo, depois a principal missão é derrubar sites governamentais, sites de empresas russas ou interferir nas comunicações pró-invasão.
Por enquanto, os ataques só têm sido suficientes para perturbar o funcionamento do mundo russo online, mas será uma questão de tempo até serem registadas piratarias de maiores dimensões. E Fedorov está por detrás de tudo isso.
“A equipa de Zelensky sabe que a comunicação é um instrumento de guerra”, recorda João Ribeiro Bidaoui, que destaca um truque nas mensagens escritas no Twitter: todos os dias o Presidente ucraniano relata as chamadas que mantém com líderes de outros países. Isso “aumenta a pressão para esses líderes continuarem o apoio constante e evita que o conflito caia no esquecimento”, considerou o sociólogo: “E isto é deliberado, não é uma mera necessidade”.
Tymoshenko: o ex-jornalista que domina a comunicação
Fedorov gere todos esses conteúdos, mas há outro aliado de Zelensky a produzi-los a par com o ministro: Kyrylo Tymoshenko, número dois no Gabinete Presidencial da Ucrânia. Tymoshenko começou a carreira como jornalista de desporto e trabalhou no mesmo canal de televisão de Zelensky. Habituado à comunicação social, o vice-diretor do gabinete do Presidente tem experiência em estudos de produção, em publicidade e marketing: Tymoshenko é o fundador da Goodmedia, empresa procurada amiúde para assessorar políticos como Petro Poroshenko e Yuriy Lutsenko.
Em 2019, Zelensky não foi exceção: a Goodmedia, na pessoa de Tymoshenko, era a criadora de conteúdos da campanha eleitoral do partido “Servo do Povo” e foi ela quem concebeu um dos vídeos mais bem sucedidos da estratégia de comunicação do então ator — aquele em que Poroshenko é desafiado para um debate, algo que solidificou a persona de Zelensky como um agente para a mudança junto do eleitorado mais jovem.
Mas essa persona já vinha sendo concebida nos quatro anos anteriores à candidatura de Volodymyr Zelensky, quando o ator dava vida ao protagonista de uma das séries mais bem sucedidas da Ucrânia e da Rússia. Em “Servo do Povo”, cujos episódios estão disponíveis no YouTube mas sem legendas, Vasyl Goloborodko, a personagem de Zelensky, torna-se um fenómeno nacional quando um dos seus alunos publica na internet um vídeo em que o professor critica ferozmente a corrupção na política ucraniana.
Um dos momentos mais apreciados da série é quando Vasyl, depois de dissertar sobre os problemas que mancham o país, questiona:
E depois ficamos surpreendidos por que motivo os políticos chegam ao poder e cometem os mesmos erros? É porque eles são matemáticos. A única coisa que sabem fazer é dividir, somar e multiplicar a própria riqueza”.
Os vídeos em modo selfie que começaram na série
Na história, quando o conteúdo se torna viral nas redes sociais, os estudantes de Vasyl Goloborodko organizam uma angariação de fundos para que o professor de História, um homem frustrado com o divórcio e que vive com os pais, se candidate à presidência da Ucrânia.
Embora inicialmente contrariado com a ideia, Vasyl acede ao apelo dos alunos (e dos fãs que foi conquistando na internet) e constrói uma campanha eleitoral centrada em vídeos, muitas vezes em formato selfie, em que expressa a sua repulsa pela oligarquia, corrupção e imoralidade que considera típicos dos políticos.
Apesar da cómica adaptação de um professor anónimo a um verdadeiro influencer nas redes sociais, Vasyl Goloborodko vence mesmo as eleições e precisa de se adaptar às vicissitudes de um cargo de liderança para o qual nunca foi preparado.
E é aqui que o percurso de Zelensky e a história de Vasyl Goloborodko se confundem: também o professor de História do ensino secundário na casa dos 30 anos chegou ao Palácio Mariyinsky após derrotar políticos consagrados.
Na série, Vasyl derrota Yuriy Chuiko, um político corrupto na liderança da Ucrânia desde a sua independência, após a dissolução da União Soviética em 1991. Na vida real, Zelensky ultrapassa Poroshenko. E tanto para o ator como para a personagem a quem ele deu vida, houve dois instrumentos cruciais para o sucesso da comunicação política: os vídeos, muitos com o protagonista a gravar-se a si mesmo, e as frases sonantes.
Inna Matiushyna, professora de Lógica e Argumentação na Academia de Direito de Odessa da Universidade Nacional ucraniana, considera, em declarações ao Observador, que o passado artístico ajudou Zelensky a aproximar-se do povo ucraniano, porque explorou e encontrou fraquezas na vida política da Ucrânia; e criticou e ridicularizou os seus protagonistas.
Acho que muitos anos de observação e pesquisa sobre os altos e baixos dos políticos ucranianos, observando como os cidadãos reagem às decisões e discursos dos políticos, ajudam na construção de uma estratégia de comunicação”, partilhou a docente, que está neste momento em Portugal.
Quatro momentos-chave da estratégia
A estratégia foi repetida por Volodymyr Zelensky na campanha eleitoral e é reconhecida novamente no conflito com a Rússia, sobretudo em quatro momentos. O primeiro foi na madrugada de 24 para 25 de fevereiro — altura em que Vladimir Putin avançou com uma invasão militar da Ucrânia –, quando o Presidente se filmou ao lado do primeiro-ministro Denys Shmygal; de Andriy Yermank, chefe do Gabinete do Presidente; de Mykhailo Podoliyak, conselheiro presidencial; e do líder do grupo parlamentar do partido “Servo do Povo”, Davyd Arakhamia.
“Estamos aqui todos”, assegurou: “Os nossos militares estão aqui, os cidadãos estão aqui. Estamos todos aqui a defender a nossa independência, o nosso Estado e vai ser sempre assim. Glória aos nossos protetores, glória à Ucrânia, glória aos heróis”. O vídeo foi publicado nas redes sociais e conquistou três milhões de visualizações apenas nos primeiros 60 minutos. Foi o primeiro passo para transformar o Presidente da Ucrânia num símbolo de resistência.
No segundo momento, Zelensky não teve sequer de aparecer. E pode nem sequer ter precisado de falar. A 25 de fevereiro, tornou-se viral a frase que o Presidente terá usado para recusar uma oferta do governo dos Estados Unidos para o extrair da Ucrânia: “A luta é aqui. Preciso de munições, não de uma boleia”. Mas não há evidências concretas, como um vídeo ou uma gravação de áudio, que comprovem que Zelensky terá realmente usado esta expressão: o artigo da Associated Press que noticiava a tomada de posição do líder ucraniano baseava-se numa fonte identificada meramente como um “oficial sénior americano com conhecimento direto da conversa”.
O terceiro episódio de popularização de Zelensky aconteceu quando se dirigiu à Câmara dos Comuns do Reino Unido por videochamada — algo inédito e uma ferramenta a que nem os próprios deputados britânicos estão autorizados a recorrer. Recebido com uma ovação de pé, agradeceu a ajuda dos “países civilizados”, mas pediu mais intervenção. E asseverou: “Não vamos desistir e não vamos perder. Vamos lutar até ao fim no mar, no ar, vamos continuar a lutar pelo nosso solo, seja qual for o custo. Vamos lutar nas florestas, nos campos, nas margens, nas ruas”.
O mais recente conteúdo de Zelensky que captou a atenção do ocidente foi o vídeo que gravou a partir do gabinete presidencial em Kiev e que publicou a 7 de março, uma segunda-feira. Foi a primeira vez que o Presidente surgiu em vídeo no gabinete presidencial desde que a guerra eclodira e arrancou com uma mensagem com que todos os cidadãos ocidentais, não só os ucranianos, se identificam: ninguém gosta de segundas-feiras. “Sabem, costumávamos dizer: ‘Segunda-feira é um dia difícil’. Há uma guerra no país, por isso todos os dias são segunda-feira”.
“As lágrimas das crianças”: analogias e citações
Segundo Inna Matiushyna, Zelensky segue à risca as regras da retórica e da teoria da argumentação. Um bom discurso precisa de reunir argumentos racionais e mensagens emocionais num texto que, para além de uma saudação inicial e da conclusão, só pode ter três ideias principais entre uma parte e outra.
Bom exemplo disso é quando o Presidente da Ucrânia compara o momento que se está a viver no país com outros factos históricos, criando analogias. Fá-lo, servindo-se de citações de nomes consagrados tanto no mundo da cultura como no mundo político, de William Shakespeare a Winston Churchill. Um dos episódios em que melhor casou os dois universos foi quando, após os ataques a maternidades e pediatrias, mencionou a inocência dos recém-nascidos, parturientes e grávidas vítimas da investida russa, referiu as “lágrimas das crianças”. Para a professora universitária, esta era uma referência indireta a Fiódor Dostoievski, que escreveu: “A harmonia de Deus não vale as lágrimas de uma criança torturada” no romance “Os Irmãos Karamazov”.
Mariupol. Direct strike of Russian troops at the maternity hospital. People, children are under the wreckage. Atrocity! How much longer will the world be an accomplice ignoring terror? Close the sky right now! Stop the killings! You have power but you seem to be losing humanity. pic.twitter.com/FoaNdbKH5k
— Volodymyr Zelenskyy / Володимир Зеленський (@ZelenskyyUa) March 9, 2022
Outra técnica que reúne a esfera intelectual à emocional é o recurso a perguntas retóricas. Precisamente aquando dos ataques a uma maternidade em Mariupol, no sul da Ucrânia, Zelensky disse: “Como é que eles [parturientes e bebés] ameaçaram a Federação Russa? Que tipo de país é este que tem medo dos hospitais ou das maternidades e os destrói? Havia lá pequenos Bandera [histórico apoiante nazi e anti-semita ucraniano]? As mulheres grávidas iam disparar sobre Rostov? Será que alguém na maternidade humilhava os falantes de russo? O que foi? A desnazificação do hospital?”.
As repetições lexicais são outra arma comunicacional de Zelensky, prossegue Inna Matiushyna. Foi a técnica utilizada por ele quando discursou na Câmara dos Comuns ou quando se filmou com membros do núcleo duro presidencial nas primeiras horas do confronto com a Rússia. E foi a mesma técnica que empregou novamente num discurso a 8 de março: “O mundo não acredita no futuro da Rússia, não fala sobre isso. Nenhuma palavra, nenhuma perspetiva. Eles compreendem tudo. Falam de nós. Eles ajudam-nos. Eles preparam-se para apoiar a nossa recuperação”.
João Ribeiro Bidaoui diz que a carreira artística de Zelensky ajuda na criação desta empatia porque os artistas “têm uma profunda ligação ao sentimento social, às normas, consensos e aos defeitos do próprio país”. Foi precisamente a interpretação desses traços sociais ucranianos que permitiram à série “Servo do Povo” chegar tão longe na televisão da Ucrânia, foi ela que convenceu esse mesmo povo a votar em Zelensky nas eleições de 2019. E agora que o país está em guerra, o Presidente da Ucrânia volta a estar em vantagem, desta vez frente a Vladimir Putin. É que este último é político e, só por isso, mesmo colocando de parte todas as críticas que lhe são tecidas, torna-se um alvo das frustrações dos cidadãos sobre a classe. Zelensky não.
Shefir: o guionista que ajuda nas mensagens importantes
Mesmo com toda a experiência na escrita de textos pensados para evocar uma resposta emocional do espetador e o conforto com que comunica em público, Zelensky conta com a ajuda de Serhiy Shefir, guionista que convive com o Presidente ucraniano há quase 20 anos e agora é um dos seus conselheiros mais próximos, acreditando-se por isso que está a contribuir para a conceção das mensagens-chave do Presidente. Foi precisamente ele quem escreveu o argumento de “Servo do Povo” e de outros filmes protagonizados por Zelensky, nomeadamente comédias românticas como “Eu. Tu. Ele. Ela”, em 2018.
Shefir também é um dos nomes apontados nos Pandora Papers. Em outubro de 2021, o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação revelou as contas e empresas offshore detidas por líderes de todo o mundo. A Ucrânia não escapou à polémica dos Pandora Papers: Volodymyr Zelensky foi acusado de ter erguido desde 2012 uma rede de empresas sediadas nas Ilhas Virgens Britânicas, Belize e Chipre.
O agora conselheiro de Zelensky detém parte de uma empresa com ligações à Rússia e às Ilhas Virgens Britânicas, a Maltex Multicapital Corp, uma offshore que guarda parte do dinheiro da Kvartal 95. O próprio líder ucraniano também tinha 25% desta empresa juntamente com a mulher a partir de outra empresa offshore, a Film Heritage, registada no Belize. Mas essa parte da Maltex foi transferida para outra empresa offshore de Serhiy Shefir aquando das eleições de 2019.
Isto significa que todos os vídeos em que Zelensky surge, todas as frases notáveis que profere e todas as intervenções que faz nas redes sociais são orquestradas para despertar estes sentimentos? Não é só isso, considera João Ribeiro Bidaoui: “Nenhuma destas mensagens passava para o público se não houvesse muita autenticidade, se a forma como se está a comportar não fosse natural. Esse é o segredo da comunicação eficaz. Ser-se autêntico”.
Também Inna Matiushyna considera que Zelensky “está a ser natural no seu cargo” — afinal “qualquer pessoa adulta atua “simultaneamente em vários papéis”, considerou a professora. E exemplificou: “As conversas com amigos ou parentes serão diferentes do estilo para falar com parceiros de negócios ou para um público científico, por exemplo. O nosso desempenho será natural no segundo caso? Sim, é natural para o papel desempenhado”.