Previa-se uma simples entrevista com os dois criadores e uma das intérpretes do espetáculo Pantera, que a Companhia Clara Andermatt apresenta sábado e domingo às 19h00 no Grande Auditório do Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Uma criação em estreia absoluta sobre a vida daquele que é considerado um dos nomes mais importantes da história recente da música cabo-verdiana: o compositor e intérprete Orlando Barreto, mais conhecido por Orlando Pantera (1967-2001).
Mas a conversa entre os três — Clara Andermatt, João Lucas e Mayra Andrade — tornou-se um momento de intensa partilha e o entrevistador só poderia limitar-se a assistir, com escassas perguntas que satisfizessem esta ou aquela curiosidade. O resto ficou a cargo dos artistas, que a pouco e pouco souberam expor quem foi Orlando Pantera e o que os levou a esta criação.
Orlando Pantera nasceu a 1 de novembro de 1967 em São Lourenço dos Órgãos, ilha de Santiago, e veio a morrer de pancreatite aguda com apenas 33 anos, a 1 de março de 2001 — no dia em que começaria a gravar em França o primeiro álbum em nome próprio, intitulado Lapidu na Bô. Deixou a mulher, Carla Garcia, e uma filha com seis anos, Darlene Barreto (que em 2021 criaria a Fundação Orlando Pantera).
O músico viveu por pouco tempo em Angola quando era criança, aprendeu guitarra clássica com o professor José Francisco (Kubala) e como baixista integrou os grupos Pentágono, Gama 80 e Capeverdean Jazz Banden. Em 1998 e 99 colaborou com Clara Andermatt e João Lucas nos espetáculos Uma História da Dúvida e Dan Dau.
Características pessoais de delicadeza e proximidade e uma reconhecida inventividade artística, que o levou a escrever letras e músicas ancoradas na tradição cabo-verdiana, fizeram dele um artista de destaque, cujo legado parece ainda assim ressentir-se da inexistência de registos publicados. “Pantera abriu novos caminhos na música do seu país”, diz o resumo da peça. “Na sua voz pulsava Cabo Verde e as suas gentes: explorando as formas da tradição, fazia brotar uma poesia repleta de amor, perspicácia e assertividade.”
Clara Andermatt e João Lucas retratam o Pantera e a cultura cabo-verdiana recorrendo à linguagem da dança, da música e do teatro. Além da convidada especial, Mayra Andrade, estão em cena Avelino Chantre (Avê), Bruno Amarante (Djam Neguin), Diogo Picão Oliveira, Domingos Sá (Kabum), Jorge Almeida, José Cardoso (Zeca), Nickita Bulú e Sócrates Napoleão.
Depois do CCB, a peça apresenta-se em Viseu (1 de abril), Loulé (dia 9), Porto (19), Coimbra (22), Castelo Branco (29), Leiria (14 de maio), Ílhavo (21 de maio) e Almada (28 de maio). Está prevista para novembro a estreia em Cabo Verde.
Como é que a dança pode contar uma biografia?
Clara Andermatt (CA): Não lhe chamo dança, mas uma mistura muito grande e muito entrosada de dança, música e teatro. Este não é um espetáculo coreográfico, não é um espetáculo de dança. Aliás a minha história com o João Lucas já vem de há muitos anos. Estamos a assinar a 15.ª peça juntos. O nosso trabalho foi tomando várias formas ao longo dos anos, mas há uma característica comum desde o princípio: uma relação muito orgânica entre duas linguagens, dança e música, ou movimento e som. É difícil perceber onde começa uma coisa e acaba a outra. Estou constantemente a dar inputs musicais, o João idem em relação ao movimento. O ponto de partida não é o movimento nem o som, é uma coisa conjunta. Esta homenagem ao Orlando não constitui problema nesse sentido. Partimos da música e da poesia dele.
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Há uma história de vida no espetáculo?
João Lucas (JL): Há uma dramaturgia que se inspira no arco biográfico do Orlando Pantera. É através disso que vamos construindo uma linguagem com movimento, música, encenação. Não nos restringimos à observação da biografia, mas a um conjunto de relações do Orlando Pantera com o tempo e o espaço, o lugar onde nasceu, a forma como construiu a sua personalidade musical, a forma como se relacionava com as pessoas, como entendia e interpretava o meio em que vivia, como agia sobre ele. São muitas variáveis e em conjunto transformam-se num idioma expressivo. Há a colocação em palco de uma narrativa híbrida, que a todo o momento suga da vida do Pantera, incluindo, de forma muito profunda, a nossa própria relação com ele e o lugar que ele ocupa na nossa história de vida, minha e da Clara.
CA: E também o lugar que ele ocupa na história de Cabo Verde. A música e as letras dele estão repletas do homem e da mulher do interior de Santiago. O badiu.
O badiu?
CA: Aqui a Mayra pode explicar.
Mayra Andrade (MA): Badiu é o habitante da ilha de Santiago. Badiu, badia. Vem de vadio. É uma referência a escravos que fugiam, tendo sido Santiago a primeira ilha povoada. Ficámos assim com esta marca na forma como somos chamados e como nos chamamos a nós próprios.
É uma palavra aceitável para os cabo-verdianos?
MA: Sim, completamente. Sou uma orgulhosa badia.
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Como é que Cabo Verde está retratado neste espetáculo?
CA: Desde logo partimos da obra do Pantera, das suas músicas e das suas palavras. A inspiração dele devia-se a um trabalho de investigação sobre a expressão do homem e da mulher de Santiago, o trabalho, a paisagem, os amores, os risos, as tristezas. Tudo isto é muito translúcido na poesia dele.
MA: E também podemos falar do uso que ele faz do crioulo. É um crioulo tão rico e tão profundo que muitas vezes é inacessível a cabo-verdianos que não são de Santiago, e por isso não estão familiarizados com as expressões, ou que são da cidade da Praia, e não conhecem termos mais usados no interior. Isto deve-se ao facto de ele ter nascido em Santa Catarina e durante muito tempo ter feito pesquisa e levado esta riqueza poética para a música dele.
CA: Inclusivamente utilizava palavras que caíram em desuso, expressões arcaicas. Expressões, como disse a Mayra, que muitas pessoas não conhecem, os das novas gerações ainda menos. Por isso é que é difícil traduzir de forma fiel as letras dele. Neste espetáculo, optámos por não o fazer.
[Reportagem sobre Orlando Pantera emitida no ano passado pela RTC — Rádio Televisão de Cabo Verde]
Ele escrevia apenas em crioulo ou também em português?
JL: Não me recordo de ver alguma coisa escrita em português. Além deste lado da relação direta da palavra, a própria relação dele com a música é indissociável de uma a identidade musical cabo-verdiana. Quando o Pantera fazia trabalho de pesquisa, além de utilizar as formas mais conhecidas, como o funaná, a koladera, a morna, ia à procura de formas musicais caídas em desuso e com um historial sociopolítico: a tradição africana levada pelos escravos e a repressão colonial. O batuku, por exemplo, é uma forma musical mais ou menos residual na cultura cabo-verdiana, que ele vai recuperar…
MA: Aqui tenho de discordar. O batuku nunca se tornou algo residual. Apenas o Pantera contribuiu para o trazer para a cidade. Foi um contributo muito importante para a reinvenção do batuku.
JL: Falo aqui como estrangeiro, claro.
MA: Como badia, nunca senti que o batuku tivesse perdido pujança no seu berço. Há dezenas e dezenas de grupos de batuku em Santiago, inclusivamente na diáspora. Lá, onde haja dez badias, acaba por se formar um grupo de batuku. Admira-me como é que essa pujança nunca se perde. Diz-se que os cabo-verdianos têm uma relação muito forte com a sua cultura. E transmitem-na. Admira-me como é que as badias têm um poder tão grande de contagiar novas gerações, que são filhas, sobrinhas, netas, para as rodas do batuku.
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E até aqui em Portugal.
MA. Inclusive aqui em Portugal, sim. Como digo, nunca senti que o batuku tivesse perdido expressão. Lembro-me quando o Pantera surgiu na Praia com esta música, mais ou menos por volta de 1999, 2000. Fazia sorrir muita gente, porque o batuku não estava na moda, os jovens não ouviam, era uma coisa muito reservada aos círculos rurais, a que se achava graça quando se ia passar um dia lá ao interior. Mesmo hoje, o batuku não está na moda nas outras nove ilhas de Cabo Verde. É um assunto muito santiagueiro, se posso dizer. Cabo-verdianos de outras ilhas até gostam de um funaná, mais do que de um batuku. Vamos para São Vicente, para o Mindelo: se numa festa se toca um funaná, o que raramente acontece, claro, vê-se exatamente quem é de Santiago. Aquilo toca-nos muito. De repente estão a falar a nossa língua, há ali uma essência, uma identidade que se põe a vibrar de forma frenética.
CA: Deixa-me perguntar-te, Mayra: há uma altura em que o batuku é um pouco desconsiderado, certo?
MA: Desconsiderado e até proibido. Era proibido. Com resquícios de uma mentalidade colonizada, o batuku nunca foi convidado para os salões.
CA: Achas que o Pantera também contribuiu para esse renascimento?
MA: Completamente. É aí que entro na equação. Conheci o Pantera aos 15 anos, num momento em que eu já tinha um desassossego quanto ao que poderia trazer para a música tradicional de Cabo Verde, já sentia isso. Ele, na altura, era a única pessoa que eu conhecia a fazer algo com a música tradicional e com que eu me identificava. Eu, miúda de 15 anos, que já tinha vivido em quatro países diferentes, sabia que o tradicional pelo tradicional não me satisfazia, que precisava de encontrar outra direção. Ele foi um farol importantíssimo. E também o Tcheka e o Calú Princezito. O Pantera foi o expoente máximo de um movimento. Desenvolveu uma linguagem poética, melódica, harmónica, rítmica, muito mais ímpar e rica do que aquilo que eu tinha o hábito de ouvir em Cabo Verde. Atraiu-me imediatamente.
Como é que a Mayra aparece neste espetáculo? É uma participação vocal, por certo.
CA: Boa pergunta. Para mim, não é. E acho que a Mayra também acha que não. Devo dizer que a Mayra foi a primeira pessoa que nos ocorreu. Quando a Darlene, filha do Pantera, nos convidou para este projeto — e dissemos logo “sim”, com muito entusiasmo —, começámos a viajar nas ideias e a Mayra apareceu logo.
Já se conheciam?
CA: Já, mas não havia proximidade.
MA: A primeira vez que ouvi falar da Clara e do João foi provavelmente pela boca do Pantera, no fim da década de 90. Eu tinha muito vontade de explorar o movimento, gosto muito de me colocar em situações fora da minha zona de conforto e infelizmente não tenho tido muitas oportunidades de o fazer. A certa altura, o Manu Preto, que é um bailarino e coreógrafo cabo-verdiano, deu-me o contacto da Clara. “Liga-lhe. Se ela estiver a fazer algum workshop, de certeza que podes participar.” Acabei por nunca o fazer, se calhar porque estava um pouco receosa, meio intimidada com o corpo e o movimento, mas também porque a vida nos leva para outros desafios. Quando agora a Clara me contactou para este projeto sobre o Pantera, pareceu-me que era muito óbvio que deveria acontecer.
Quer dizer que não é canto o que faz nesta peça?
MA: Mesmo no canto, é fora da zona de conforto. É uma interpretação que não corresponde necessariamente à forma como eu cantaria aquela canção no meu papel de Mayra. É uma interpretação de voz, corpo, olhar, postura, dentro do contexto de uma narrativa que se está a contar. Estou a servir uma narrativa.
CA: É surpreendente que ela, com a carreira que tem, com a experiência que tem, pela pessoa que é, com a voz maravilhosa que conhecemos, aceite colocar-se aqui num sítio de extrema entrega e humildade. Tem estado aberta a propostas e exercícios que vamos lançando, nem sempre óbvios quanto àquilo a que vão levar. Não é só a entrega, é a maneira rápida como ela consegue colocar-se nesses sítios e descobrir. Sinto que lançamos desafios e que eles ficam a maturar nela. E com resultado.
MA: Há muita coisa em mim que ultrapassa os limites da música. Participar nesta peça não é só uma oportunidade de render tributo e perpetuar o nome do Pantera, de o tornar conhecido de uma nova geração. É também aprender. Contigo, Clara. Contigo, João. E com os outros elementos com quem estou a partilhar o palco. Tem sido uma lição muito bonita.
Os outros intérpretes são da dança e da música?
JL: É um aspeto que nos é muito caro. Acho que a expressividade deste espetáculo deve muito à composição do elenco. São identidades muito acentuadas, muito diferentes umas das outras, incluindo nas suas capacidades específicas. Há pessoas com formação de dança; há um único português, o saxofonista, cantor e autor Diogo Picão; temos uma bailarina muito jovem, Nickita Bulú. O processo criativo levou a que toda esta gente perdesse um pouco a bússola da sua especialidade. Criámos situações com remissões poéticas e de vária natureza, que ultrapassam a simples questão do movimento ou da música e implicam uma dedicação expressiva transversal a vários vocabulários. Creio que todos se foram afunilando para uma espécie de estatuto interdisciplinar.
CA: Foi uma premissa desde as audições. Não fizemos audições abertas, convidámos muita gente, profissionais com carreiras bastante consolidadas. A proposta era desde o início lançar desafios aos músicos para que encontrassem o seu movimento e aos bailarinos para encontrarem a sua voz e expressão rítmica e musical. Outra coisa muito importante: a componente criativa de cada intérprete. Toda a gente aqui teve uma entrega e uma responsabilidade criativa. Foi assim que formámos o elenco. Há aqui três pessoas que já conhecíamos: o Avelino, o Kabum e o Sócrates. Já trabalho com o Avelino desde 1994, com Dançar Cabo Verde, a primeira peça que fiz em Cabo Verde, com o Paulo Ribeiro. O Sócrates e o Kabum entraram em Uma História da Dúvida [1998] e no Dan Dau [1999]. Nessa altura também convivemos com o Pantera, que trabalhou connosco nesses dois espetáculos.
Cabo Verde surgiu na sua vida por acaso?
CA: Já tinha ouvido falar de Cabo Verde, no sentido romântico: as paisagens, as pessoas… Em 1994, quando o Jorge Salavisa, que era responsável pela programação de Lisboa Capital Europeia da Cultura, me convida a mim e ao Paulo Ribeiro, fomos com muita vontade para Cabo Verde, mas não sabia o que me esperava. Aquilo foi “lapido na bô”. Hoje posso dizer assim, com esta expressão no coração.
Qual é o significado?
CA: “Lapido na bô” é colado a ti.
MA: Vem de lapa. As lapas também ficam coladas às rochas.
CA: Quando me fui embora de Cabo Verde, em 1994, disse a mim mesma que não conseguia. Tinha de voltar. Mal cheguei a Lisboa, começo a pensar com a minha equipa. Nessa altura, trabalhava com a Mónica Lapa — curioso, também é lapa — e a Amélia Bentes. Começámos logo a delinear um projeto de formação. Durante sete anos seguidos quis estar muito próxima daquele país, daquelas pessoas, daquela cultura. Hoje, quando lá vou e regresso a Lisboa, continuo a sentir que alguma coisa me puxa para lá.
MA: Isso é muito bom e muito raro. É raro encontrarmos lugares no mundo em que isso seja tão forte.
CA: Cheguei a pensar comprar casa lá e formar uma escola e uma companhia. Nessa altura, esbocei um projeto para apresentar ao Ministério da Cultura. Foi uma coisa muito forte.
Como é que a Clara e o João conheceram o Pantera?
JL: Vejo o Pantera pela primeira vez em palco, no São Luiz, quando ele vem a Lisboa com os Raiz di Polon [grupo de dança], com direção artística do Manu Preto. Vejo-o sentado em palco, a tocar, no meio de uma peça de dança. Foi talvez em 1996. Uma coisa muito eletrizante, uma luz muito forte. Aquele sorriso do Pantera transmitia a sua alma, uma alma muito bela, muito generosa, muito criativa.
MA: Com uma certa pureza da infância. Parece que a criança nele nunca deixou de existir, o que não acontece com todas as pessoas.
CA: Exatamente. E a relação dele com as pessoas. Fez um trabalho de intervenção social em Cabo Verde, com as crianças. Tinha necessidade de se entregar a essas causas. E depois a maneira como tocava, como cantava. Tudo isso transmitia a aura do Pantera. Ele tinha um ritmo… Como digo aos meus alunos e aos bailarinos, o ritmo faz parte da sensibilidade, a sensibilidade tem ritmo.
JL: Conheci-o num processo criativo [do espetáculo Uma História da Dúvida] com vários artistas cabo-verdianos. O Pantera era uma personalidade muito solar, trazia uma energia muito bonita, muito atenciosa e cuidadosa, muito exuberante também. Destacava-se. A nossa relação, do ponto de vista dos afetos, foi-se fortalecendo. Mas o momento em que percebo que, para além de tudo isto, ele tinha uma singularidade surpreendente foi quando combinámos ir gravar. À época eu tinha um estúdio e combinámos uma sessão de gravação, apenas para registo de composições dele. Numa manhã fizemos seis canções, gravou-as todas de seguida, ao primeiro take. Todas elas perfeitamente passíveis de serem editadas. Aí percebi que ele tinha uma potencialidade como artista que ultrapassava o que eu tinha percebido até então.
Ele está um pouco esquecido?
JL: Não, se pensarmos que a música dele é muito popular entre diversos intérpretes de Cabo Verde. Não há um cantor da noite que não tenha pelo menos uma canção dele no reportório. São músicas que ganharam uma grande circulação e que em alguns casos foram perdendo a autoria.
MA: Sinto que há um grande respeito da parte de quem não o conheceu. Quando ouvem falar dele, fazem uma vénia, que vem do coração. Muito pelo facto de ter havido intérpretes que gravaram músicas dele. Se ninguém o tivesse feito, teria sido complicado o nome dele ecoar. Desde que faleceu, em 2001, nunca deixei de o cantar e tive muitas oportunidades de falar dele em entrevistas. Outros fizeram o mesmo. Por outro lado, também sinto que é tempo, e espero que esta peça dê élan a isso, de trazer à luz do dia as gravações dele, sejam elas caseiras ou profissionais. Que sejam editadas e apresentadas da melhor forma possível. Há uma enorme curiosidade da nova geração, da minha e da anterior. O Pantera faleceu quando apenas começava a ser conhecido na cidade da Praia. Apresentou-se em São Vicente, fez o Festival da Gamboa, o Festival da Baía [das Gatas]. Foi o início dos inícios. Lembro-me, muito novinha, no início dos anos 90, de ouvir discos de Os Tubarões, nomeadamente o Porton di nos Ilha, um disco emblemático, e de ler a assinatura “O. Pantera”. Ele era muito novo quando compôs temas muito importantes para a música de Cabo Verde. Mas como intérprete das suas próprias músicas, como artista multifacetado, ainda só estava a tornar-se conhecido quando nos deixou. Estive em casa dele dois ou três dias antes de ele falecer, fui lá pedir-lhe uma guitarra emprestada para a minha primeira sessão de gravação. Lembro-me de ele dizer “vão com força, boa sorte, boa sorte”. Ele vem a falecer no dia em que ia viajar para gravar o primeiro álbum. Há este sentimento de uma grande perda, de uma grande tragédia. Mas muita coisa ainda pode ser feita com tudo o que houver de filmagens, de gravações.
A filha dele criou uma fundação no ano passado.
CA: Exatamente. É importante a criação da Fundação Orlando Pantera, que a Darlene está a levar a cabo com muita energia. Ela tem vários projetos e um dos primeiros é precisamente a edição de um disco.
Porque é que Orlando Barreto passou a Orlando Pantera?
JL: Tem de ir ver a peça.
CA: Quem estiver atento, encontra resposta a isso na peça.
Esperam levá-la a Cabo Verde?
CA: Está na calha. Fomos convidados pelo Mindelact [associação cultural do Mindelo] e há interesse do Ministério da Cultura de Cabo Verde em que vamos à cidade da Praia, provavelmente em novembro. Estamos no processo de encontrar apoios, porque é um grande investimento, mas está mesmo previsto. Para nós, é impensável que este espetáculo não vá a Cabo Verde.
MA: Completamente impensável, devo dizer. Não me sentiria inteira com esta missão se a peça não se apresentasse em Cabo Verde. Não há nenhum sítio onde vá reverberar com mais força.