Vinte minutos de tirar o fôlego, entorpecentes e, essencialmente, de terror. Assim foram descritos os momentos vividos pelos cientistas da agência espacial japonesa enquanto observavam a sonda SLIM (sigla para Smart Lander for Investigating Moon) a realizar uma alunagem suave na cratera Shioli, tornando o Japão no quinto país do mundo a conseguir colocar um aparelho espacial na Lua. Eram já 0h30 de sábado, 20 de janeiro, em Tóquio e, mesmo depois do feito, na sala de controlo da missão não se viu uma ronda de aplausos ou qualquer outro sinal de celebração. Uma indicação de que nem tudo correra como planeado.
Foi a segunda tentativa do ano para pousar na Lua, depois de uma empresa privada norte-americana ter falhado o objetivo. Só duas horas depois da alunagem chegou uma declaração do presidente da JAXA a apontar para um “sucesso mínimo” na missão e cinco dias mais tarde a notícia de que a pequena sonda teve sucesso em alcançar o solo da Lua com elevada precisão num alvo de apenas 100 metros de largura, apesar de um problema que fez com que perdesse energia passadas 2 horas e 37 minutos. Para a cientista Ali Bramson, professora assistente na universidade norte-americana de Purdue e uma das investigadoras envolvidas na análise de dados do projeto Mini-RF (que enviou dois radares para a Lua), apesar dos percalços, este não deixa de ser um grande arranque do ano, que ficará marcado por diversas missões espaciais.
The Lunar Excursion Vehicle 2 (LEV-2 / SORA-Q) has successfully taken an image of the #SLIM spacecraft on the Moon. LEV-2 is the world’s first robot to conduct fully autonomous exploration on the lunar surface. https://t.co/NOboD0ZJIr pic.twitter.com/mfuuceu2WA
— JAXA Institute of Space and Astronautical Science (@ISAS_JAXA_EN) January 25, 2024
“Estou entusiasmada para 2024, ainda que algumas destas missões iniciais não tenham corrido exatamente como planeado. Mostra que há uma grande quantidade de países e empresas a envolverem-se na exploração espacial”, destaca em declarações ao Observador. Entre agências espaciais de vários países e empresas privadas, que estão a ganhar cada vez mais espaço nestas explorações, a Lua vai continuar entre uma das principais apostas do ano. No entanto, há muitas mais missões promissoras prestes a arrancar: do lançamento de uma sonda para explorar o potencial de vida numa das mais de 90 luas de Júpiter à missão para investigar o impacto da colisão de uma nave da NASA avaliada em milhões de euros contra um asteroide de 160 metros.
O arranque do ano também já ficou marcado por alguns adiamentos. Aguardada com grande expectativa, a missão da NASA Artemis II, inicialmente prevista para o final de 2024 e que iria transportar quatro astronautas numa viagem em torno da Lua — mais de 50 anos depois da primeira vez que os humanos pisaram a sua superfície — foi adiada para o final de 2025. Vai ser necessário esperar pelo menos até 2026 para ver se a missão Artemis III consegue levar astronautas até à superfície lunar. Também a antecipada missão japonesa para explorar as luas de Marte (Phobos e Deimos) e recolher amostras foi adiada dois anos devido a um problema com um novo foguete que ainda está a ser testado.
Todos querem chegar à Lua
“Se a missão foi considerada um ‘sucesso’, porque estão os cientistas da JAXA tão miseráveis?” A pergunta feita por um jornalista britânico na conferência de imprensa sobre os resultados da missão SLIM ilustra bem que, mesmo num caso de sucesso e que permitiu pousar na Lua novamente, nem tudo são rosas. “Continua a ser extremamente difícil fazê-lo”, sublinha Ali Bramson na semana em que foi divulgado o comunicado final sobre a operação: a sonda pousou dentro da área estipulada, mas por não estar à altitude prevista no momento da aterragem não foi possível gerar energia a partir dos painéis solares e o equipamento acabou por ser desligado a partir de um comando da equipa japonesa.
Apesar das muitas dificuldades que uma missão à Lua implica, a cientista da Universidade de Purdue defende que esta é de momento a aposta certa: “É o melhor teste para acertarmos a nossa tecnologia e para que, depois disso, haja um grande empurrão para chegar a Marte”. E há cada vez mais atores envolvidos neste esforço, em parte devido ao programa da NASA Commercial Lunar Payload Services (CLPS, na sigla em inglês), que levou a agência espacial a estabelecer acordos com um conjunto de empresas privadas para fazer chegar ao satélite da Terra uma série de equipamentos, conduzir experiências científicas e testar novas tecnologias.
Este ano, a Intuitive Machine será a segunda a tentar fazê-lo, depois da Astrobotic Tecnologies ter falhado o seu objetivo. Aspira ao título de primeira sonda de uma empresa privada, e a primeira sonda norte-americana em mais de 50 anos, a pousar na superfície lunar. A sonda Nova-C vai iniciar viagem a partir do Centro Espacial Kennedy, na Florida, num foguete Falcon 9 da SpaceX. A missão está prevista para meados de fevereiro, esperando-se que demore sete dias até à tentativa de aterragem. “A sonda está pronta”, garantiu ainda em outubro o CEO, Stephen Altemus. A empresa já entregou a sonda em Cabo Canaveral, Florida, no início do mês e desde então esta já completou vários testes de verificação e está preparada para integração no Falcon 9, segundo revelou em comunicado.
Será a primeira tentativa desta empresa e será também a estreia da Firefly, empresa sediada no Texas e cuja Missão Blue Ghost 1, que vai transportar equipamentos da NASA, também está marcada para este ano. A própria Astrobotic ainda terá a oportunidade de se redimir com a Missão Griffin 1, que deverá transportar no final de 2024 o valioso Veículo de Exploração Polar para Investigação Volátil (VIPER, na sigla em inglês), da NASA, até ao polo sul da lua.
As tentativas para chegar à Lua passam também pela China, que terá um calendário “ocupado”, nas palavras do astronauta Yang Liwei, um dos responsáveis pelo projeto de missões tripuladas de Pequim. No primeiro lançamento do ano, a China já colocou em órbita quatro pequenos satélites de tempo e planeia avançar na primeira metade de 2024 com a sexta missão do programa Chang’e — nomeado em homenagem a uma deusa que, segundo as lendas chinesas, vive na Lua. Depois do primeiro lançamento em 2007 e de, em 2020, uma sonda ter recolhido 1.731 gramas de amostras de solo, a missão Chang’e-6 pretende recolher pela primeira vez material do lado oculto da Lua. No espírito de cooperação internacional, vai transportar equipamentos da Agência Espacial Europeia e de países como França, Itália e Paquistão.
Com tantas tentativas marcadas, Ali Bramson antecipa alguns fracassos no horizonte. “É uma maneira ainda muito nova de fazer as coisas ao tentar envolver parceiros privados, tentar fazê-lo de forma mais barata e mais frequente”, refere. Pelo meio, há quem vá avisando sobre a possibilidade de a Lua se tornar um foco de empreendimento não regulado e que a transforme irreversivelmente.
Quando, onde e porque: os detalhes sobre as missões de 2024 à Lua
↓ Mostrar
↑ Esconder
- Missão Intuitive Machines 1
Organizador: Intuitive Machines (Houston)
Data de lançamento: Fevereiro
Objetivo: A sonda Nova-C vai pousar na cratera Malapert, perto do polo sol da Lua. A bordo vão seguir vários equipamentos, alguns dos quais da NASA, nomeadamente para estudos de interações entre as condições meteorológicas do espaço com a superfície lunar.
- Missão Griffin 1
Organizador: Astrobotic Technology (Pittsburgh)
Data de lançamento: Novembro
Objetivo: Depois do fracasso para fazer chegar a sonda Peregrine à Lua, há uma nova tentativa no horizonte para transportar o rover VIPER da NASA até lá. O rover, do tamanho de um carrinho de golfe, vai procurar gelo na superfície lunar para criar mapas de recursos destinados a preparar missões futuras.
- Missão Chang’e-6
Organizador: Agência Especial da China
Data de lançamento: primeira metade de 2024, possivelmente em maio
Objetivo: A sonda vai pousar na cratera Apollo e recolher, pela primeira vez, material do lado oculto da Lua. Na mesma missão será transportado um cubesat do Paquistão e um equipamento da Agência Especial Europeia — o The Negative Ions at the Lunar Surface (NILS).
- Missão PRIME-1
Organizador: Intuitive Machines (Houston)
Data de lançamento: por divulgar
Objetivo: Vai pousar um espectrómetro e uma broca perto do polo sul da Lua para demonstrar a viabilidade da utilização de recursos in-situ e analisar amostras subterrâneas. Devido a uma parceria com a NASA, como parte do programa SIMPLEx, na mesma missão seguirá o Lunar Trailblazer, que vai orbitar a Lua para medir a temperatura da sua superfície e mapear a localização de moléculas de água.
- Missão Blue Ghost 1
Organizador: Firefly (Texas)
Data de lançamento: por divulgar
Objetivo: A sonda Blue Ghost vai pousar perto de uma formação vulcânica no Mare Crisium, no hemisfério norte da Lua. Vai transportar equipamentos de vários parceiros, incluindo da NASA, e assim permitir a recolha de dados sobre o regolito lunar, as características geofísicas da Lua, mas também sobre a interação do vento solar com o campo magnético da Terra.
“Esta nova era de missões lunares mudará provavelmente a relação da humanidade com a Lua. Antes que isso aconteça, devemos a nós mesmos — e à própria Lua — uma consideração mais cuidadosa sobre o que representa o único satélite natural do nosso planeta” defendeu num artigo de opinião publicado pelo New York Times a escritora e jornalista Rebecca Boyle. A autora do livro “Our Moon: How Earth’s Celestial Companion Transformed the Planet, Guided Evolution, and Made Us Who We Are” lembrava, nomeadamente, o tipo de cargas que seguiam a bordo de algumas destas missões, como os tardígrados — criaturas microscópicas que sobrevivem em ambientes extremos — que seguiam na sonda israelita Beresheet, que se despenhou na Lua em 2019.
Se Boyle defende que é necessário começar a regular agora, a questão não é unânime entre a comunidade cientifica. “Já é difícil o suficiente chegar lá. O tempo para regulações vem depois”, argumentou Ehud Behar, do Technion-Israel Institute of Technology em declarações ao The Verge. Acrescentava, no entanto, que se no futuro houver um luta pelos recursos da Lua, aí será necessária a criação de acordos e tratados internacionais. Para Ali Bramson, não há uma resposta óbvia para a questão, mas esta deve passar pela aposta num esforço colaborativo em vez de competitivo. “Apoio a exploração espacial, mas também penso que temos de ser cuidadosos e fazê-lo numa forma consciente. Isso é difícil quando há tantos países com diferentes regras e diferentes empresas a investir nesta área”, aponta.
Do estudo dos efeitos da colisão de uma nave e um asteroide à procura de vida na lua Europa
O dia 26 de setembro de 2022 ficou gravado na história depois de a agência espacial norte-americana ter provocado a colisão de uma nave de 308 milhões de dólares contra Dimorfos, uma lua com 160 metros de comprimento que orbita o asteroide Didymos. Uma “missão Kamikaze”, como descreviam na altura especialistas ouvidos pelo Observador, e a primeira experiência de defesa espacial para testar uma tecnologia capaz de desviar corpos celestes que ameacem o planeta Terra.
A experiência foi acompanhada com grande expectativa e foi mesmo capaz de diminuir a órbita de Dimorfos em 32 minutos — demora agora 11 horas e 23 minutos na trajetória em torno de Didymos, segundo dados da NASA. O próximo passo, promovido pela Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla em inglês), é uma viagem até ao sistema de asteroides para estudar em pormenor as consequências da colisão. É que se Dimorfos não representava uma ameaça direta para a Terra, o mesmo pode não acontecer com outros corpos celestes.
Em outubro deste ano, a agência europeia vai lançar a missão Hera, nome que herdou da deusa grega do matrimónio. Vai permitir estudar a superfície de ambos os asteroides, examinar a órbita de Dimorfos e a cratera de impacto provocada pela missão DART, bem como as alterações à dinâmica do sistema Didymos. O objetivo é, através do novos conhecimentos, consolidar uma estratégia de defesa espacial eficaz e, se necessário, repetível.
Há atualmente 28 pequenas e médias empresas de 14 estados-membros da ESA a trabalhar na missão de defesa espacial, que no total envolve cerca de 100 empresas. Estão a construir tecnologias de ponta para a nave e os seus instrumentos, bem como dois CubeSats (satélites de pequenas dimensões usados para pesquisas espaciais). Há inclusivamente duas empresas portuguesas envolvidas neste esforço: a Synopsis Planet e a Tekever Space.
Apesar de o lançamento da missão estar próximo, será preciso esperar até ao final de 2026 para que a Hera chegue até ao sistema de asteroides. É por isso, defende Ali Bramson, que é necessário um balanço na exploração. “É importante um portfólio equilibrado de missões quando temos um plano contínuo para explorar o exterior do sistema solar, já que leva muito tempo a chegar lá. Mas também é preciso manter os cientistas envolvidos e a aprender com missões mais próximas que possam ser lançadas com mais regularidade”, defende.
Uma das missões que destaca deste novo ano, e que também demorará a trazer novidades, é a Europa Clipper, da NASA. Entre muitas dúvidas e questões que assolam aqueles que se dedicam a estudar a Europa, uma das mais de 90 luas de Júpiter, há algo que é tido como quase certo: que um vasto oceano de água salgada se encontra a dezenas de quilómetros abaixo da superfície gelada desta lua e que terá cerca de duas vezes mais água do que todos os oceanos da Terra combinados. Isso é parte do que a torna uma candidata ideal para sustentar vida e é isso que a missão da agência norte-americana quer determinar.
“Há muita coisa que não sabemos sobre estes ‘mundos oceânicos’: quão espessa é a camada de gelo, ou seja, a que profundidade é preciso descer para chegar até ao oceano, se pode existir vida como a que existe nas fontes hidrotermais no fundo dos nossos oceanos, onde temos vários micróbios. Por isso estou muito entusiasmada com esta missão”, admite.
A missão terá início em outubro deste ano, mas o dia específico ainda não foi divulgado. Sabe-se, no entanto, que há uma janela de apenas 21 dias, a começar a 10 de outubro, em que a nave Europa Clipper pode ser lançada e seguir a rota desejada. Espera-se que venha a alcançar o sistema de Júpiter quase seis anos depois, em abril de 2030. Depois disso vai realizar quase 50 voos próximos à Europa, em altitudes tão baixas quanto cerca de 25 quilómetros acima da sua superfície para determinar se existem locais debaixo da camada de gelo capazes de suportar vida.
“Se existe vida em Europa, é quase certo que foi completamente independente da origem da vida na Terra… e isso significaria que a origem da vida deve ser bastante fácil em toda a galáxia e além dela”, defendeu Robert Pappalardo, cientista envolvido na Missão Europa Clipper, citado pela NASA.
A Europa Clipper será a maior nave que a NASA alguma vez desenvolveu para uma missão planetária. Precisa de painéis solares enormes para recolher luz suficiente para obter energia enquanto opera no sistema de Júpiter, que está cinco vezes mais longe do Sol do que o planeta Terra. Terá mais de 30 metros e um peso de cerca de 3.241 kg, transportando nove instrumentos de medição da NASA.
Missões tripuladas, mas não à lua. É preciso esperar mais alguns anos
A promessa da agência espacial norte-americana de “regressar à Lua de uma forma nunca antes vista” vai incluir alguns atrasos pelo caminho. “A segurança dos astronautas é uma prioridade da NASA enquanto preparamos as próximas missões Artemis”, sublinhou o administrador da agência, Bill Nelson, quando no início do mês anunciou o adiamento para 2025 da missão tripulada em torno da Lua e para 2026 a aterragem na sua superfície. A acompanhar as notícias do retrocesso, Ali Bramson não ficou surpreendida. “Estou certa de que uma missão tripulada acontecerá antes do fim da década. Se será dentro de um ou dois anos é difícil dizer, mas espero que 2025 seja o ano e que estejamos prontos para isso”, refere.
Até lá, e já sendo conhecido que a China também se está a preparar uma missão tripulada à Lua antes de 2030, haverá, pelo menos, viagens programadas até às estações espaciais. A empresa privada Axiom deu o pontapé de saída a 18 de janeiro com a AX3, a primeira missão privada só com europeus para a Estação Espacial Internacional. “Mesmo depois de estar aqui tantas vezes (…), demora algum tempo para controlar os movimentos enquanto nos deslocamos”, descrevia há dias o comandante Michael López-Alegría na primeira atualização sobre a missão.
Join us for the first #Ax3 mission update from space. Hear from @TURKastro and @CommanderMLA as they talk about settling in on the International Space Station and share what they brought with them on their mission. https://t.co/fxFl5eJoyL
— Axiom Space (@Axiom_Space) January 23, 2024
Depois desta, segue-se a missão Crew-8, da NASA e cujo lançamento está a cargo da SpaceX. A empresa de Elon Musk lançou no ano passado um recorde de 98 foguetes, ficando a uma pequena distância do pretendido objetivo de uma centena, mas este ano quer superar-se. Vai continuar a apostar no desenvolvimento do modelo Starship depois de dois testes que não correram como planeado e que a agência norte-americana acompanhou com atenção, uma vez que espera usá-los para levar uma equipa de quatro astronautas à Lua. Há mais equipamentos em fase de testes. Adiado por várias vezes, é esperado que finalmente em abril a Boeing lance uma equipa de duas pessoas para a Estação Espacial Internacional no primeiro voo de teste tripulado da nave Starliner.
Também este ano o bilionário Jared Isaacman, que financiou e participou na primeira missão espacial tripulada exclusivamente por civis, vai regressar ao espaço com a Polaris Dawn, uma de três missões em parceria com a SpaceX. Na última etapa, é esperado que uma equipa use na estreia o Starship de Elon Musk, mas na primeira fase o lançamento será feito com o tradicional Falcon 9 com o objetivo de passar cinco dias em órbita e fazer um passeio espacial. Em tudo isto, Ali Bramson vê um 2024 capaz de trazer grandes mudanças para a exploração espacial. “Acho que vamos aprender muito e tornar a exploração espacial mais acessível em breve, mesmo que isso implique alguns fracassos pelo caminho”.