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De bom aluno a barrado na UE. Os gráficos que nos comparam com a Europa e o mundo e mostram o que mudou

Portugal chegou a ser o país com mais novos casos por 100 mil habitantes da UE num dia, agora é o segundo. Em 50 dias Lisboa teve mais 200% de casos. Os gráficos para entender o que se passa.

A região de Lisboa e Vale do Tejo é agora o epicentro da epidemia de Covid-19 em Portugal, com entre 70 a 90% dos novos casos de infeção pelo novo coronavírus nas últimas semanas. Depois de ter mantido a região com algumas restrições em relação ao resto do país na terceira fase de desconfinamento, o Governo decidiu levantá-las no dia 15, dizendo que os focos estavam controlados, apesar de os números continuarem sem baixar. Esta segunda-feira deu um passo atrás e avançou com um conjunto de medidas e limitações para a área metropolitana.

É por causa do que se passa na região de Lisboa e Vale do Tejo, que esta terça-feira detinha 86,7% dos 345 novos casos nacionais e onde morreram mais doentes com Covid-19 em junho, que a imagem exemplar de Portugal mudou. E que os gráficos que nos colocavam entre os melhores nos rankings, agora nos põem no topo dos piores. Mas porquê? Os números explicam.

Recuemos até 15 de junho. Nesse dia, a ministra da Saúde afirmou em conferência de imprensa que Portugal era o nono país na lista de novos casos diários de Covid-19 por cada 100 mil habitantes. Mas não era assim: na verdade, nesse dia era mesmo o país com mais novos casos diários de Covid-19 por 100 mil habitantes na União Europeia.

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Aliás, uma análise aos números da União Europeia publicados no domingo anterior ao, 14, revelava que Portugal tinha o segundo maior número de novos casos de contágio por milhão de habitantes — um rácio que permite comparar os países de forma independente da dimensão da população e quem tem sido usado como argumento por várias nações para impedir as viagens a partir de Portugal. Juntando o Reino Unido à lista, ficava em terceiro lugar.

Posições que se têm mantido desde aí: um segundo (ou terceiro, se contarmos com os ingleses) lugar de um pódio muito pouco apetecível, e de que andámos bastante longe no início da pandemia na Europa, quando ela irrompeu por Itália e depois fez estragos em Espanha. Nessa altura, Portugal era apontado como o bom exemplo europeu, por ter decidido agir antecipadamente, encerrando escolas e outros lugares públicos e decretando mais tarde o confinamento obrigatório. Terá conseguido por isso evitar um pico da pandemia (que começou e se ‘instalou’ no norte do país) e garantir um planalto, de forma a que os hospitais não chegassem a entrar em colapso.

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O que mudou desde então, além das três fases de desconfinamento graduais que foram feitas, para que Portugal passasse do bom aluno europeu para um país cujos novos casos, agora centrados na região de Lisboa e Vale do Tejo, levassem vários países europeus a impedir ou a impor restrições à entrada de pessoas vindas de Portugal?

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Passados oito dias daquela conferência de imprensa da ministra, Portugal foi esta segunda-feira novamente o país com mais novos casos de Covid-19 por 100 mil habitantes (2,54). O topo da tabela é partilhado com a Dinamarca (2,35) e o Reino Unido (1,14). É que, apesar do número de novos casos diários por 100 mil habitantes ter diminuído desde 20 de junho, a Suécia — o país que teve mais picos nesse rácio e que esteve sempre acima de Portugal desde 16 de junho — passou para apenas 0,83 novos casos por 100 mil habitantes, colocando-nos no topo.

Portugal está em primeiro lugar, não em nono, no rácio de novos casos

Nos primeiros minutos da comunicação ao país da última segunda-feira, acompanhada por Graça Freitas, Diretora-Geral da Saúde, Marta Temido recordou os números dos outros países e comparou-os com os 346 novos casos que Portugal tinha registado até à meia-noite daquele dia.

“O Reino Unido registava ontem [domingo, 14 de junho] 1.514 novos casos, a Suécia 769, a França 407, a Espanha 323, Itália 338, só para dar alguns exemplos”, disse a ministra, para depois afirmar: “Considerando a incidência acumulada de novos casos por 100 mil habitantes, Portugal está em nono lugar”.

https://www.facebook.com/sns.gov.pt/videos/555163625368253

No entanto, comparando os números portugueses aos dos países da União Europeia a 14 de junho, Portugal não era o nono com o maior número de novos casos por 100 mil habitantes. Era, isso sim, o nono país com maior número absoluto de casos diários na União Europeia. O que é bastante diferente.

Apesar de não ser dos países com mais casos diários nesse dia, Portugal ficava em segundo lugar na taxa por 100 mil habitantes; ou em terceiro juntando então o Reino Unido, que está fora da UE depois de aprovado o Brexit. Mais: no dia da conferência de imprensa, éramos, como já referimos, o país dessa lista com mais novos casos diários de Covid-19 por 100 mil habitantes, como mostram os dados recolhidos no Worldometer.

Questionado sobre com que países é que Portugal foi comparado para chegar a outra conclusão, o Ministério da Saúde respondeu por e-mail que “a senhora ministra da Saúde citou dois exemplos que constam no link abaixo” — remetendo exatamente para a página do site Worldometer — que é “atualizado diariamente e regista o ranking dos diversos países”.

Mas nem assim, contando com todos os países do mundo, Portugal ficava em nono lugar em número de novos casos diários de Covid-19 em 100 mil habitantes. Na verdade, ficava muito mais abaixo, em 32.º lugar no dia 14 de junho — data dos dados citados pela ministra — e em 22.º lugar no dia da conferência de imprensa, 15 de junho.

Já as contas relativas às vítimas mortais da Covid-19 feitas por Marta Temido batiam certo. A ministra disse que, “considerando os óbitos reportados por 100 mil habitantes, Portugal está em décimo lugar” e era mesmo assim: com um total de 1.517 mortes por Covid-19 reportados até ao dia anterior, o país tinha a décima maior taxa por 100 mil habitantes da União Europeia e Reino Unido. Sem este último, subia ao nono lugar. O que de facto se confirmava. Basta ver os números nos diversos sites. Os mesmos estão também os dos contágios.

Lisboa e Vale do Tejo prestes a alcançar em dias os números do Norte

As atenções nacionais estão neste momento viradas para o surto em Lisboa e Vale do Tejo, que engloba a esmagadora maioria dos novos casos de Covid-19 detetados em Portugal a partir de maio, e que, tal como os números mostram, fizeram com que a região, ficasse, em menos de dois meses, com quase tantas pessoas infetadas como o norte.

A 3 de maio, quando o país deixou de estar em estado de emergência e passou para o estado de calamidade, e apenas um dia antes do início da primeira fase de desconfinamento, a região de Lisboa e Vale do Tejo começou a sentir os primeiros sinais daquele que viria a ser agora o surto mais preocupante em Portugal. Enquanto o número de novos casos diários subia dia após dia na região, os números a norte — onde tudo começou no início de março e onde até fim de abril esteve o epicentro da doença, em número de casos e mortes — começaram a estabilizar, como revelam os dados da Direção-Geral da Saúde.

Entre 3 de maio e esta segunda-feira, 22 de junho, o número de casos de Covid-19 na região de Lisboa e Vale do Tejo aumentou quase 180%, de 6.047 para 16.926 novos casos confirmados — mais 10.879 em apenas 50 dias. Nesse mesmo período de tempo, a região norte passou de 15.021 casos para 17.320 — apenas mais 2.299 novos casos (quase cinco vezes menos que Lisboa e Vale do Tejo), um aumento de apenas 15%.

A 8 de maio, o norte entrou numa espécie de planalto: os números deixaram de crescer tanto de dia para dia e passaram a estagnar, contrastando com a linha sempre ascendente da região no início da pandemia em Portugal. Desde aí, foi Lisboa e Vale do Tejo, que até então vira os números a crescerem de forma estável, que subiu em flecha.

O Governo decidiu, num primeiro momento, manter as restrições na zona de Lisboa mais apertadas do que no resto de país, mas acabou por levantar as limitações. Criou no entanto um gabinete de crise que esta segunda-feira, após uma reunião do primeiro-ministro com os cinco autarcas dos concelhos mais afetados, deu um passo atrás e voltou a impor medidas especiais para toda a zona metropolitana da capital e 19 freguesias em concreto.

A decisão acontece numa altura em que a região tem a maioria dos casos nacionais e em que foram noticiadas várias festas envolvendo especialmente jovens. Festas que terão acontecido também noutros locais do país — a mais conhecida é a de Lagos — e que levaram mesmo o Presidente da República, o primeiro-ministro e a ministra da Saúde a fazer declarações sobre estes comportamento de risco.

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Não foram contudo as festas, nem os jovens, a primeira explicação para o aumento de casos na região de Lisboa e Vale do Tejo. Uma das primeiras explicações para o aumento de casos foi a realização massiva de testes. Primeiro em hostels com refugiados na cidade, depois em lares nos vários concelhos nos arredores de Lisboa, em algumas fábricas onde surgiram focos da doença, como o da Azambuja — alegadamente por causa da má utilização dos transportes públicos—, em obras de construção civil e em bairros sociais sem condições de habitabilidade.

Os dados da DGS demonstram de facto um aumento no número de testes desde dia 8 de maio até 18 de maio (dia em que arrancou a segunda fase de desconfinamento no país). Mas, a partir dessa data, o número de testes realizados baixou até 24 de maio, para depois estabilizar.

Ainda assim, com um número semelhante de testes diários até dia 9 de junho, o número de infetados em Lisboa e Vale do Tejo continuou a subir, chegando a ser de 386 num só dia. A 10 de junho, quando o número de novos casos de Covid-19 começou a diminuir, o número de testes também caiu. É preciso ainda perceber se estes testes estavam a ser feitos maioritariamente na região de Lisboa e Vale do Tejo ou noutras zonas do país, uma vez que, apesar de esses dados terem sido solicitados, ainda não foram facultados pela Direção-Geral da Saúde nem pelo Ministério da Saúde.

Portugal foi 3º país com mais testes por 100 mil habitantes

Embora se desconheça o número de testes feitos dia a dia em cada região do país, Portugal chegou a ser o terceiro país da União Europeia (e contando com o Reino Unido) que mais testes à Covid-19 fez num só dia por cada 100 mil habitantes, revelam os dados do Our World in Data, uma ferramenta da Universidade de Oxford.

Aconteceu a 16 de maio e, depois, entre 19 e 22 de maio, precisamente na altura em que as autoridades de saúde assumiram a existência de um surto de Covid-19 na região de Lisboa e Vale do Tejo, que chegou a representar vários dias mais de 90% de todos os casos de infeção pelo novo coronavírus em Portugal.

Mas, daí para a frente, Portugal caiu para o quarto lugar dessa lista. Quando se entrou na terceira semana de junho — altura em que o surto deveria atingir o pico, de acordo com as previsões da Universidade Nova de Lisboa e da COTEC Portugal — já ia em sexto. A 17 de junho, data com a última atualização da DGS até agora, estava em quinto lugar e fazia 96,1 testes por 100 mil habitantes. O Luxemburgo estava no topo com 750,5 testes por 100 mil habitantes.

Quanto ao número absoluto de testes, Portugal entrou no mês do desconfinamento total com o sexto maior número de amostras processadas na União Europeia e Reino Unido, e andou entre essa e a sétima posição até dia 10 de junho. No Dia de Portugal, o país caiu para o oitavo lugar da lista e daí para o nono lugar no Dia de Santo António, 13 de junho. Recuperou para o sétimo lugar a 15 de junho, no primeiro dia útil da terceira semana do mês e presumível pico do surto em Lisboa e Vale do Tejo, o sexto lugar.

Portugal está a fazer menos testes do que no início do desconfinamento e tem mais positivos

A 17 de junho, Portugal era o sétimo país com mais testes. No entanto, para estes cálculos da Our World in Data não entraram os números de sete países por não terem sido colocados na base de dados: Suécia, Malta, França, Alemanha, Chipre, Irlanda e Hungria.

Estamos contudo a falar de número de “amostras processadas” — o termo usado pelas autoridades de saúde portuguesas em vez de “testes, nunca tendo esclarecido se as duas expressões significam o mesmo — não de pessoas testadas. O Our World in Data, da Universidade de Oxford, uma das maiores bases de dados do coronavírus, tem, em relação a outros países, ambas as informações, uma vez que cada pessoa pode fazer muito mais que um teste (há quem faça seis e sete).

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