Há duas marcas que identificam o Grupo Lena: a atividade principal, que é a construção, e a origem, a cidade de Leiria. O grupo foi criado no ano 2000, diversificando a atividade a partir da Construtora do Lena. Ambiente, energia, imobiliário, turismo, comunicação social, retalho automóvel. Mas a história da construtora nasce em 1974, e a atividade do fundador, António Vieira Rodrigues, começou nos anos 40, atravessando “dois regimes” e 17 governos, diz a informação institucional.
O grupo emprega 2500 pessoas e está presente em dez mercados internacionais e três continentes, mas mantém-se como uma empresa familiar liderada por António Barroca. Joaquim Paulo Conceição é o presidente executivo.
O que deve o Grupo Lena aos governos de José Sócrates? Em comunicado emitido no dia em que foi detido o vice-presidente, Joaquim Barroca, no quadro da Operação Marquês, a Lena descreve-se como: “Um grupo que cresceu fora dos grandes centros de decisão em Lisboa ou no Porto à custa de trabalho árduo”.
A construtora regional já tinha uma dimensão considerável quando entra no radar dos media, na década passada, muito à boleia das viagens que o então primeiro-ministro promoveu a novos mercados de internacionalização e exportação. Em 2005, quando o antigo primeiro-ministro chegou ao poder a Lena apresentava um volume de negócios de 392 milhões de euros e estava bem posicionado para aproveitar o balão de obras públicas e investimento em infraestruturas que o poder socialista anunciava.
A internacionalização, que já era a estratégia central da empresa, ganhou asas durante o consulado dos executivos socialistas liderados por Sócrates. Segundo a versão oficial, o processo arrancou em 1996 no Brasil, mas em 2004, o volume de negócios era da ordem dos 350 milhões de euros, com o mercado internacional a pesar apenas 2,5%. A ambição era reforçar substancialmente esta quota, o que foi conseguido, mas num horizonte temporal mais alargado do que o inicialmente previsto. Este caminho foi aliás seguido por todas as grandes construtoras, em particular por aquelas que resistiram melhor à crise no setor que dura mais de uma década.
Na rota das viagens de Sócrates: da Venezuela à Argélia
Mas se a estratégia já estava definida antes da era Sócrates, os alvos geográficos podem ter sido influenciados pela rota das viagens do ex-primeiro-ministro. Em 2004, o grupo elegia a Bulgária, Roménia e Brasil como mercados de eleição. Dez anos mais tarde, dados de 2013 revelam que 66% das receitas vêm de fora de Portugal. A Venezuela lidera as operações internacionais, sendo responsável por 29% da faturação, seguida de Angola, com 26%, e Argélia com 6%.
Os três mercados têm em comum viagens oficiais de José Sócrates em que o antigo primeiro-ministro levou uma comitiva de empresários da qual participaram responsáveis do grupo Lena. Em Angola, em 2006, na Argélia na primeira cimeira luso-argelina em 2007 e na Venezuela em 2008.
Nesta fase, o Grupo Lena destaca-se pelo anúncio de contratos ou intenções de grande dimensão. Um contrato em particular viria a pôr a empresa de Leiria no mapa: a construção de casas pré-fabricadas para o Estado da Venezuela, um negócio que podia valer quase mil milhões de euros, quando foi revelado em 2008, na sequência da primeira visita de Sócrates ao país então liderado por Hugo Chavez. Os contratos anunciados, que incluíam ainda a Teixeira Duarte, foram cimentados meses depois quando o presidente venezuelano veio a Portugal, uma viagem marcada pelo elogio de Chavez aos dois homens que ocupavam então as pastas económicas.
Depois do grande contrato de 2008, na Venezuela o Grupo Lena lança uma ofensiva na área dos media que lhe dá maior notoriedade. Primeiro tenta comprar o Diário Económico, negócio que perde para a Ongoing, e em 2009 lança o i, o último grande investimento feito num diário generalista em papel.
O projeto viria a ser uma das vítimas do plano de reestruturação imposto pelos bancos ao grupo e que levou à venda (no caso do i) e ao encerramento de algumas operações. Já em plena crise económica e financeira, a empresa ressente-se do impasse que envolve algumas encomendas, em particular no mercado venezuelano, mas também em Portugal onde o TGV encalha antes de sair do papel. Apesar das dificuldades, a empresa de Leiria escapa ao destino de outras construtoras de dimensão como a Edifer cuja gestão foi assumida pelo Fundo Vallis, por pressão dos credores da banca.
Seria precisa uma segunda viagem de José Sócrates em 2010 a Caracas, no regresso de uma vista ao Brasil, para desbloquear este negócio e outros projetos anunciados em 2008, mas cuja concretização ficou comprometida com a desvalorização do preço do petróleo na crise de 2009. O arranque definitivo do projeto com obras para a construção da unidade onde seriam produzidas as casas pré-fabricadas acontece já em 2011 e numa dimensão menor que a inicialmente prevista, 12.500 casas no montante de 763 milhões de euros.
Eis a discrição no relatório e contas de 2011.”O projeto “Mision Vivenda Venezuela” é o nosso maior desafio de sempre. Para além da construção de 12.512 Moradias, contempla ainda a transferência tecnológica associada à construção de duas fábricas de pré-fabricados, que deverão passar para a posse do Estado Venezuelano findo o projeto. Com um valor total de trabalhos aproximado de 988 milhões de dólares, iniciou-se em 2011 e deverá estar concluído até 2014.”
Mais recente, de 2013, é o anúncio de outro grande contrato na Argélia, desta vez com a bênção do ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, da coligação PSD/CDS. O grupo Lena, através da Abrantina, é uma das quatro construtoras que ganhou o contrato para a edificação de 75 mil casas até 2018, num valor global de três mil milhões de euros. A empresa de Leiria assegurou a construção de 20 mil destas casas.
Os milhões da Parque Escolar
A associação da empresa de construção aos governos do ex-primeiro ministro agora detido não se fica pelo palco internacional. A Lena era vista como uma das “construtoras do regime” durante o último ciclo de obras públicas em Portugal, em particular ao programa de reabilitação de escolas promovido em 2009 para combater a crise económica, uma política anticiclo que apostava igualmente nas concessões rodoviárias e no comboio de alta velocidade. A forte presença do Grupo Lena nos contratos adjudicados pela empresa pública Parque Escolar desperta as atenções dos media e é recordada depois da detenção do vice-presidente do grupo.
O grupo Lena sozinho ou em consórcio com a Abrantina (construtora que comprou em 2007) e a MRG, construtora da Guarda, aparece como um dos campeões das adjudicações decididas pela Parque Escolar entre 2009 e 2011, durante o governo de Sócrates, com montantes de quase 140 milhões de euros. Como referência, o Observador comparou as obras entregues às duas maiores construtoras portuguesas neste período. A Mota-Engil e a Teixeira Duarte asseguraram cada uma encomendas no montante global de 80 milhões de euros
O grupo Lena, em consórcio, garantiu cerca de 7% do valor adjudicado pela Parque Escolar. A empresa diz que sete destas encomendas foram ganhas em concurso público e devido à apresentação do preço mais baixo.
Numa carta divulgada pelo Jornal Público, José Sócrates desvaloriza as encomendas para a Lena e realça que “em termos relativos, o Governo atual adjudicou a este Grupo mais empreitadas de obras públicas do que o Governo socialista (0,36% em 2012, contra 0,25% em 2010, mantendo-se semelhante essa comparação para os anos de 2013 e 2014”.
Desde 2009, quando começaram a ser divulgados os contratos públicos no portal base, o grupo Lena angariou mais de 200 milhões de euros junto de entidades públicas. O grosso destes contratos foi obtido com a Parque Escolar, e ainda durante os executivos socialistas.
Os números que não batem certo
Em comunicado emitido depois da detenção do vice-presidente, Joaquim Barroca, o grupo questiona os valores “errados e erróneos” divulgados e convida a comunicação social a rever os números. Mas quando convidado pelo Observador a divulgar os dados corretos, não dá resposta. Basta comparar os relatórios da Parque Escolar que identificam os maiores “fornecedores” da empresa e os valores de adjudicados reportados no portal base para perceber que as contas não batem certo.
Nos relatórios da empresa pública, o Grupo Lena só aparece à frente das adjudicações em 2010, com mais de 50 milhões de euros, sendo os montantes dos outros anos residuais. No portal base, a soma dos contratos comunicados é de 138,8 milhões de euros, sendo que uma parte muito substancial desta valor, cerca de 90 milhões de euros, foi adjudicada em 2009, ano de eleições, mas apenas comunicada no portal dos contratos públicos em março de 2012, já com este executivo em funções.
No documento de 14 perguntas e respostas que publicou a 10 de abril, ainda antes da detenção de Joaquim Barroca, a Lena tentava já desmistificar ou desvalorizar algumas das notícias que a têm apontado como uma grande ganhadora de contratos do Estado nos governos de José Sócrates e uma protagonista das impopulares PPP (Parcerias Público Privado).
Nas PPP, o grupo Lena assinala a presença acionista na Auto-Estradas do Atlântico (que explora a A8 que liga Lisboa a Leiria) e na Brisal, duas concessões de autoestradas com portagens adjudicadas antes do período de Sócrates e que não representam custos para o Estado. O grupo Lena está associado à Brisa nestas concessões que no caso da Brisal apresentou um elevado pedido de reequilíbrio financeiro ao Estado, de mil milhões de euros. Segundo o Diário Económico, o tribunal arbitral terá apenas reconhecido o direito a uma indemnização pouco superior a 100 milhões de euros.
Do tempo do ex-primeiro ministro, ou seja, entre 2005 e 2011, só beneficiou de uma adjudicação através da participação de 6,8% na Auto-Estradas do Baixo Tejo (AEBT). A informação oficial esquece, aparentemente, a participação na AELO, consórcio que em 2009 ganhou a concessão da Litoral Oeste, outra subconcessão decidida por Sócrates. Estas duas PPP representam encargos para o Estado e foram renegociadas para reduzir os custos.
O grupo esteve ainda presente na maior obra pública lançada pelo anterior executivo, o TGV, com uma fatia que descreve como “residual” de 13% no consórcio que venceu o primeiro troço da alta velocidade ferroviária entre Poceirão e Caia. A Lena era o quarto maior participante a seguir à Soares da Costa, Brisa e Iridium. Este contrato de 1350 milhões de euros foi anulado pelo atual executivo e os privados pedem uma indemnização ao Estado.
O ex-primeiro ministro, preso preventivamente desde novembro de 2014, é suspeito de corrupção passiva, e o gestor do grupo, Joaquim Barroca que é também da família acionista do grupo, foi indiciado por corrupção ativa. Já Carlos Santos Silva, o amigo que emprestou muito dinheiro a Sócrates, também tinha relações de negócio com o Grupo Lena, tendo sido administrador de uma empresa do grupo. O Ministério Público suspeita de ligações entre os negócios do grupo e os rendimentos do ex-primeiro-ministro. Entretanto, Santos Silva passou esta terça-feira, 26, de prisão preventiva a prisão domiciliária com pulseira eletrónica. Sobre Sócrates, não se sabe ainda se continuará detido em Évora.
Em comunicado emitido após a detenção de Joaquim Barroca, à qual não faz referência, o grupo afirma confiar na justiça e estar disponível para esclarecer a verdade “no sítio certo”, bem como para apresentar qualquer documento que “possa clarificar muito do ruído sem fundamento que continua a circular desde o início deste processo, e que muito nos tem prejudicado em Portugal e nos países onde continuamos a trabalhar para criar riqueza e dignificar o país”.
Dias depois, o presidente executivo, Joaquim Conceição, desvaloriza, em declarações ao Expresso, os efeitos negativos na atividade do grupo, que teve os “melhores resultados de sempre” em 2014″, dizendo que os prejuízos são sobretudo reputacionais.
O Observador colocou várias questões ao grupo, através da agência de comunicação Midland, mas não recebeu respostas. Publicamos aqui as perguntas.
1. A internacionalização está muito focada em três mercados, Angola, Argélia e Venezuela, com alguns contratos a serem anunciados na sequência de viagens oficiais do anterior governo e ex-primeiro-ministro. Confirmam que representantes do grupo Lena estiveram nas comitivas de empresários que acompanhavam estas viagens? Teria o grupo conquistado os contratos com estes estados sem a intervenção ou diligências de membros do anterior governo. Tem o grupo Lena sentido neste governo o mesmo apoio à internacionalização?
2. A pesquisa que no portal base identificou contratos de quase 140 milhões de euros adjudicados pela Parque Escolar a um consórcio de empresas do grupo. Este valor é substancialmente superior aos valores atribuídos a outras grandes construtoras como a Mota-Engil e a Teixeira Duarte. Quais as razões para esta diferença?
3. No site da empresa é dito que a única PPP adjudicada a um consórcio que envolve o grupo Lena durante os governos socialistas foi a concessão Baixo Tejo. O grupo Lena não faz parte do consórcio que ganhou a Litoral Oeste em 2009?
4. Um comunicado recente do grupo convidava a comunicação social a reavaliar os números sobre os contratos na Venezuela, Angola, PPP e Parque Escolar, porque estavam errados. Quais são os valores certos?
5. Este comunicado refere que o ruído tem prejudicado muito o grupo Lena em Portugal e noutros países. Mas o CEO disse recentemente ao Expresso que esses danos são sobretudo de carácter reputacional. Afinal, estão a ser prejudicados ou não e a que nível?
6. Será possível ter alguma informação sobre os resultados de 2014, que foram já descrito como os melhores de sempre?
7. Joaquim Barroca vai continuar na administração do Grupo Lena?