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[Esta é a última parte numa série sobre a história dos legumes e dos seus nomes — aqui pode ler a primeira, segunda, a terceira e a quarta partes –, que complementa a série sobre a história dos frutos e seus nomes, que pode ser lida aqui:

De onde vêm os nomes do que comemos? Parte 1: Dos limões-pomposos às pêras-jacaré

De onde vêm os nomes do que comemos? Parte 2: Melões valencianos e pepinos-serpente

De onde vêm os nomes do que comemos? Parte 3: Maçãs de algodão e sicofantas

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De onde vêm os nomes do que comemos? Parte 4: Ratos vegetais e bagas peludas

De onde vêm os nomes do que comemos? Parte 5: Cerejas-dos-lobos e maçãs-das-bruxas]

Ervilha

A ervilha (Pisum sativum) faz parte, com outras leguminosas como a fava, a lentilha e o grão-de-bico, das primeiras espécies vegetais do Velho Mundo a ter sido “domesticada”, o que terá ocorrido na Turquia, Síria e Iraque por volta de 5000 a.C., tendo chegado ao Afeganistão e Índia por volta de 2000 a.C.

Durante muito tempo, a ervilha foi consumida sobretudo pelo povo e na sua forma seca (ou foi usada como forragem), mas no início do século XVII eclodiu entre as classes altas da Europa a moda de as comer frescas, sobretudo a variedade saccharatum (ervilha doce), desenvolvida na Holanda, cuja vagem é comestível e permite que sejam cozinhadas e comidas inteiras – por isso os franceses designam esta variedade por “mange-tout”, originando a versão inglesa “mangetout”.

O consumo da ervilha fresca instalou-se entre as classes possidentes de França e da Europa, sendo tanto mais prezada quanto mais temporã

A “subida de escalão” da até então humilde ervilha parece ter começado na corte dos Medici, em Florença, e a sua introdução em França terá tido lugar na sequência do casamento de Catarina de Medici com Henrique II de França, em 1533. A sua implantação em França não foi imediata – na verdade, só teve início mais de um século depois, num momento que, invulgarmente, pode ser datado com precisão: a 18 de Janeiro de 1660, um cesto de ervilhas trazido de Génova pelo “officier de bouche” (o chef privativo) da Condessa de Soissons (Olimpia Mancini, sobrinha do Cardeal Mazarin), foi cerimoniosamente ofertado a Luís XIV; as ervilhas foram descascadas, cozinhadas e servidas ao rei, à rainha e ao Cardeal Mazarin. O Rei-Sol ficou encantado com o novo manjar e como era o grande ditador de tendências da sua época (um “influencer”, na novilíngua do nosso tempo), o consumo da ervilha fresca instalou-se entre as classes possidentes de França e da Europa, sendo tanto mais prezada quanto mais temporã – o que desencadeou uma corrida ao aperfeiçoamento das técnicas do seu cultivo em estufa.

Olimpia Mancini, esposa de Eugene Maurice de Sabóia, conde de Soissons: a mulher que desencadeou a voga dos “petits pois” em França

Os romanos designavam a ervilha por “pisum” (o que terá origem no grego “píson”), o que deu origem a “pisello” em italiano, “pèsol” em catalão, “pois” em francês (mais rigorosamente, “pois cultivé”, enquanto na linguagem informal domina o “petit pois”) e “pea” em inglês (passando por “pise” em inglês antigo). A palavra albanesa para ervilha, “bizelja”, tem a mesma origem, mesmo que, à primeira vista, não pareça, e poderá ter dado, em romeno, origem a algo ainda mais afastado: “mazare”.

Natureza-morta com ervilhas (e ameixas), por Mateusz Tokarski, c.1795

O nome português também é de raiz latina, mas tem outra proveniência: “ervilia”, diminutivo de “ervum”, que designava a ervilha selvagem, usada na alimentação do gado. Os espanhóis dão vários nomes à Pisum sativum: “guisante”, a partir do moçárabe “bissaút”, com origem no latim “pisum sapidum” (ervilha saborosa); “arveja”, que tem a mesma origem que a “ervilha” portuguesa; e “petipuás”, que é um empréstimo do francês. E se o moçárabe “bissaút” deu o “guisante” espanhol, é também possível que tenha originado o “griséu”, nome dado à ervilha no Algarve.

[Colheita mecanizada da ervilha no Canadá, 2015:]

É provável que o “ervum” dos romanos tenha origem na mesma raiz indo-europeia que deu origem ao proto-germânico “arwits”, que evoluiu para o alto-alemão antigo “araweiz”, que, por sua vez, desembocou na moderna designação da ervilha em alemão: “erbse”. Esta tem correspondência no “erwt” holandês, no “ärt” sueco e no “almindelig ært” em dinamarquês.

A produção de ervilhas no mundo é dominada pela China, Índia, EUA e Egipto.

Chícharo

Um parente próximo da ervilha é o chícharo ou Lathyrus sativus – a designação aplica-se, por vezes, também ao Lathyrus nissola. A planta terá sido “domesticada” na Índia por volta de 2000 a.C. e ganhou implantação em toda a bacia mediterrânica, em parte pela sua capacidade de produzir colheitas razoáveis mesmo em condições climatéricas adversas que causam o fracasso de outras espécies.

A palavra portuguesa (e espanhola) “chícharo” deriva do moçárabe “chichar”, com origem no latim “cicer” (que designava o grão-de-bico)

Esta qualidade faz dela uma colheita de último recurso em tempos difíceis, mas o seu consumo continuado pode fazer emergir a sua principal desvantagem: as sementes de chícharo contêm um amino-ácido neurotóxico, o ácido β-N-oxalil-L-α,β-diaminopropiónico (ODAP na sigla inglesa), que causa o latirismo, uma doença neurodegenerativa que provoca a paralisia da metade inferior do corpo.

No período de privações que se seguiu à Guerra Civil Espanhola, muita gente viu-se forçada a subsistir à base de chícharos ou da sua farinha, o que levou à eclosão de vários casos de latirismo em 1940-41. Embora o problema tivesse sido estudado atempadamente e a sua causa identificada, o governo franquista continuou a promover o cultivo de chícharo até 1967, altura em que o interditou.

Chícharos secos

A palavra portuguesa (e espanhola) “chícharo” deriva do moçárabe “chichar”, com origem no latim “cicer” (que designava o grão-de-bico). O catalão “guixera” e o italiano “cicerchia” têm a mesma fonte – os italianos associam-no à sua região de origem, chamando-lhe “pisello d’India” (ervilha da Índia).

Em espanhol, o chícharo é também conhecido por “almorta”; em francês designa-se “gesse” (de origem desconhecida), “pois carré” (ervilha quadrada) ou “lentille d’Espagne” (pela afinidade com a lentilha, outra leguminosa) e em inglês “grass pea” ou “blue sweet pea” (numa alusão à cor da sua flor). O alemão identifica-o como uma “ervilha achatada” – “platterbse”.

Grão-de-bico

O grão-de-bico (Cicer arietinum) foi uma das primeiras plantas a ser “domesticada”, provavelmente no que são agora a Turquia e a Síria, a partir da “versão” selvagem Cicer reticulata, por volta de 9000-8000 a.C. O seu cultivo alastrou a toda a bacia mediterrânica, uma vez que é uma fonte barata de proteínas e é capaz de crescer em solos pedregosos e secos. Era popular entre os romanos e Galeno, o médico pessoal do imperador Marco Aurélio, recomendava-o por induzir, na sua opinião, menor flatulência do que outras leguminosas (opinião clínica que seria retomada pelo médico e botânico inglês do século XVII Nicholas Culpeper).

Os romanos conheciam-no por “cicer”, que está na origem do cognome de Marco Túlio Cícero, talvez por a família deste ter feito fortuna com o cultivo e comercialização desta leguminosa

Os romanos conheciam-no por “cicer”, que está na origem do cognome de Marco Túlio Cícero, talvez por a família deste ter feito fortuna com o cultivo e comercialização desta leguminosa. A raiz latina deu origem ao “cece” italiano, ao “pois chiche” francês, ao “chick pea” inglês, ao “alemão “kichererbse”, ao holandês “kikkererwt”, ao dinamarquês “kikært”, ao norueguês “kikert”, ao sueco “kikärt”, ao finlandês “kikherne”, ao albanês “qiqra”, ao esloveno “čičerika”, ao polaco “ciecierzyca pospolita” e ao húngaro “csicseriborsó”.

A Península Ibérica demarca-se desta quase unanimidade: os espanhóis chamam-lhe “garbanzo” que tem, remotamente, a mesma raiz do “erbse” alemão e do “erwt” holandês: o proto-germânico “arwits”, com passagem pelo espanhol antigo “arvanço”. O nome português toma a característica morfológica que mais obviamente distingue a semente do Cicer arietinum dos grãos, redondos ou arredondados das outras leguminosas (ervilhas, chícharos, favas).

Em árabe o grão-de-bico tem o nome de “hummus”, designação que se estende hoje informalmente ao prato à base de grão-de-bico sob a forma de pasta  que é popular no lado sul do Mediterrâneo e no Próximo Oriente – mas cujo nome original é “hummus bi tahina” (“tahina” é o nome árabe da pasta de sementes de sésamo que representa o outro ingrediente crucial deste prato).

“Hummus bi tahina”

A difusão do grão-de-bico para Oriente foi lenta mas, uma vez aí chegada a leguminosa teve acolhimento entusiástico. Foi introduzido na Índia no século XVIII, através do Afeganistão, o que explica que tenha sido designado em hindi por “kabuli chana” (grão de Kabul). Entretanto, “kabuli” passou a designar a variedade de grão-de-bico mais correntemente cultivado na região mediterrânica.

O maior produtor de grão-de-bico é, por larga margem, a Índia, com 64% do total mundial, seguida à distância por Myanmar, Paquistão, Turquia, Etiópia e Rússia.

[Colheita mecanizada de grão-de-bico na Austrália, 2015:]

Fava

Os vestígios mais antigos da “domesticação” da fava (Vicia faba) datam de 6800 a.C., em Israel. A fava implantou-se cedo na alimentação dos povos da bacia mediterrânica, ainda que com duas curiosas excepções: o seu consumo estava interdito aos sacerdotes egípcios e aos seguidores do ensinamentos de Pitágoras, por ambos crerem que a fava albergava as almas dos mortos. Pitágoras levava a aversão às favas tão a sério que, ao fugir de uma turba que o queria linchar, viu o caminho cortado por um campo de favas e, sendo incapaz de o atravessar, por recear pisar as almas dos mortos, deteve-se e foi morto pelos seus perseguidores.

A aversão de Pitágoras a favas ilustrada num manuscrito francês, c.1512-14

A história poderá ser apócrifa, até porque existem vários relatos alternativos da morte do filósofo grego que não envolvem favas, mas pode servir de advertência a quem leva as suas convicções dietéticas demasiado a sério – o que vem a propósito nestes dias em que proliferam os fanatismos ortoréxicos da mais diversa natureza. Há quem sugira que os interditos alimentares envolvendo a fava poderão ter origem no facto de, nas pessoas que sofrem de favismo, uma doença hereditária que se traduz na ausência da enzima glucose-6-fosfato desidrogenase, a ingestão de favas induzir uma crise hemolítica.

Natureza-morta com favas, por Giovanna Garzoni, c.1661-62

O nome dado pelos romanos à fava, “faba”, determinou o nome da leguminosa na maioria das línguas latinas: “haba” em espanhol, “fava” em italiano e catalão, “fève” ou “féverole” em francês. Em inglês é “faba bean” ou “broad bean” (feijão largo), designando “bean” não só o feijão como as sementes das leguminosas em geral. O “bean” inglês vem do proto-germânico “baunō” e tem equivalentes nas outras línguas germânicas, que são usadas para compor o nome da fava: “ackerbohne” (feijão do campo), “schweinsbohne” (feijão de porco) ou “pferdebohne” (feijão de cavalo) em alemão, “tuinboon” (feijão de jardim) em holandês, “hestebønne” (feijão de cavalo) em dinamarquês e norueguês. Por aqui se vê que na Europa setentrional a fava esteve mais associada à alimentação dos animais do que dos humanos; mesmo quando era comida por seres humanos, não fazia parte da dieta das classes privilegiadas, como sugere o seu nome sueco: “bondböna” (feijão camponês).

Os maiores produtores de favas são a China, Etiópia e Austrália, por esta ordem.

Lentilha

A lentilha (Lens culinaris ou Lens esculenta) foi a primeira leguminosa a ser “domesticada”, o que terá ocorrido no Crescente Fértil (no que são hoje a Turquia Oriental, a Síria e o Iraque) por volta de 7000 a.C. Difundiu-se pela Ásia e pela bacia mediterrânica, graças à capacidade de crescer em solos de natureza variada e climas áridos, tornando-se num dos elementos centrais da dieta dos estratos mais pobres das sociedades egípcia, grega e romana – daí a expressão “vender-se por um prato de lentilhas”, com o significado de atraiçoar os seus princípios a troco de algo insignificante, que remonta ao episódio bíblico de Esaú, mencionado no livro de Génesis. Esaú e Jacó eram filhos de Isaac e Rebeca (e netos de Abraão e Sara) e, embora sendo gémeos, Esaú fora o primeiro a sair do ventre da mãe, o que lhe conferia a primogenitura. Porém, num dia em que Esaú, que era exímio caçador, regressou esfaimado da caça, Jacó, que se ocupava da cozinha, disse-lhe que não lhe serviria o guisado de lentilhas que estava a preparar se Esaú não lhe cedesse o estatuto de primogénito – Esaú acedeu e Jacó ganhou o direito a ser o líder da família (ainda que ele e a mãe tivessem de urdir um estratagema para que Isaac lhe conferisse a bênção e Esaú se acabasse por arrepender do acordo feito e tentasse reassumir os seus direitos).

Esaú concorda em ceder a primogenitura a Jacó em troca de um prato de lentilhas. Quadro de Matthias Stom (ou de um discípulo), primeira metade do século XVII

Em várias línguas da Europa Ocidental, o nome provém do latim “lenticula”, diminutivo de “lens”, palavra que também é usada para designar uma lente – com efeito, a lentilha tem a forma de uma lente biconvexa, mas, ao contrário do que se escreve frequentemente, a designação da lente é que se inspirou na lentilha, uma vez que “lens” no sentido da leguminosa vem do tempo dos romanos e “lens” no sentido de lente só foi cunhado em 1693.

Da “lens” romana resultaram “lenteja” em espanhol, “lenticchia” em italiano, “lentille” em francês, “lentil” em inglês. A designação nas línguas germânicas parece ter fonte no alto alemão antigo “linse” (que poderá partilhar um ancestral indo-europeu comum com a “lens” latina) e deu origem a “linse” em alemão e norueguês, “linze” em holandês, “linser” em dinamarquês, “linsubaun” em islandês, “lins” em sueco.

Sendo uma planta com tão vasta dispersão desde tempos recuados, é natural que noutras paragens o seu nome seja bem diverso: “adas” em árabe, “mercimek” em turco, “masser” em hindi, “hiramame” em japonês. O maior produtor é, por larga margem, o Canadá (para ser mais preciso a província de Saskatchewan), com 50% do total mundial, seguido pela Índia, Turquia, EUA e Nepal.

Feijão

Enquanto a ervilha, o chícharo, o grão-de-bico, a fava e a lentilha há milénios que eram cultivadas no Próximo Oriente e na região mediterrânica, o feijão (Phaseolus vulgaris), embora pertencendo, como aquelas, à família das leguminosas (ou Fabaceae), é uma adição relativamente recente à dieta do Velho Mundo, uma vez que provém do continente americano. Não é claro se a “domesticação” do feijão teve lugar na Mesoamérica (do México à Colômbia) e se difundiu depois para a zona andina (do sul do Peru ao noroeste da Argentina), ou se foi “domesticado” independentemente nas duas regiões, embora a primeira hipótese seja hoje aceite como mais provável – em qualquer dos casos, tal terá ocorrido por volta de 7500-5000 a.C. e quando os europeus chegaram ao Novo Mundo já existiam nele numerosas cultivares de feijão.

É possível que Colombo, que foi o primeiro europeu a deparar-se com esta leguminosa, em Cuba, tenha sido quem introduziu o feijão na Europa, encarregando-se os portugueses de o difundir em África e na Ásia. Na Europa, o Phaseolus vulgaris acabou por substituir boa parte das leguminosas então cultivadas, mas o mesmo não se passou com os “feijões” da Ásia tropical, que resistiram ao “invasor”, talvez por estarem mais bem adaptadas ao clima local. De qualquer modo, a expansão do Phaseolus vulgaris foi um êxito extraordinário, como atestam as 14.000 cultivares existentes nos nossos dias.

Há ainda que ter em conta que na América pré-colombiana eram cultivados outros “feijões” do género Phaseolus, mas que não conheceram o sucesso planetário do P. vulgaris: entre eles estão o P. coccineus (feijão-de-espanha ou feijoca), o P. lunatus (feijão-de-lima) e o P. acutifolis (feijão-tepari).

Phaseolus coccineus (feijão-de-Espanha ou feijoca)

A palavra “feijão” provém do latim “phaseolus”, com origem no grego “phaselos”, termos que designavam plantas trepadeiras da família das leguminosas e, em particular a Vigna unguiculata (feijão-frade), que era cultivada na bacia mediterrânica. Quando o Phaseolus vulgaris chegou ao Velho Mundo não só tomou o lugar da Vigna unguiculata nos campos e nas mesas, como usurpou o seu nome nas diversas línguas do continente.

Do “phaseolus” latino provêm “fagiolo” em italiano, “frejol” ou “frijol” em espanhol, “fesol” em catalão, “fasole” em romeno; o étimo latino determinou também o nome do feijão nas línguas eslavas – “fasola zwykła” em polaco, “fazol” em checo, “fasolya” em russo, “fasule” em albanês – e também no turco (“fasulye”).

Variedades de feijão no catálogo Les plantes potagères da firma Vilmorin-Andrieux et Cie., 1891

O francês distingue-se das restantes línguas latinas ao denominá-lo “haricot” (inicialmente “fève de haricot”), provavelmente a partir de “ayacotl”, o nome que lhe era dado em nahuatl, a língua dos aztecas. No quechua falado no Peru era conhecido como “purutu”, designação que não deixou rasto nas línguas europeias, embora tenha gerado “poroto” no espanhol do Chile.

As derivações locais do proto-germânico “baunō” como designação geral de sementes de leguminosas acabaram também por ser usurpadas pelo feijão do Novo Mundo na maioria das línguas germânicas: “bohne” em alemão, “gewone boon” em holandês, “bønne” em dinamarquês, “hagebønne” em norueguês, “böna” em sueco e “bean em inglês. Nesta última língua, o feijão recebe também outros nomes, consoante a variedade em causa: por exemplo, apropriou-se do francês “haricot” para designar uma variedade originária de França, cunhou “kidney bean” para designar os feijões com a forma e a cor de um rim (“kidney”).

“O comedor de feijões”, por Annibale Carracci, c.1584-85

A nomenclatura do Phaseolus vulgaris é confusa e imprecisa na maior parte das línguas, variando consoante as regiões, o período histórico e as variedades, e entrecruza-se com a de outras leguminosas, como as favas, os chícharos, as ervilhas, o feijão-frade e as outras espécies do género Phaseolus. Em espanhol, por exemplo, o feijão é também conhecido como “habichuela”, que é um diminutivo de “haba” (fava); por “alubia”, proveniente do árabe “al-lūbyā”, que, por sua vez poderá vir do grego “lóbion”, que designava sementes de forma arredondada; ou por “judía”, cuja origem é objecto de várias hipóteses, nenhuma das quais suportada por provas decisivas.

A produção de feijão Phaseolus spp. é encabeçada pelo trio Myanmar, Índia e Brasil, seguido a boa distância pela China, México, Tanzânia e EUA.

Variedades de feijão

Quando cruas, algumas variedades “naturais” (isto é, não manipuladas geneticamente) de feijão (tal como as favas) contém fitohemoglutinina, uma substância tóxica. A sua concentração é particularmente elevada no feijão vermelho, mas pode ser eliminada com dez minutos de cozedura. Fica o alerta para os crudívoros, uma corrente ortoréxica hoje em ascensão.

Feijão-de-lima

O feijão-de-lima (Phaseolus lunatus), também conhecido como fava-de-lima ou feijão-farinha, tem, como o Phaseolus vulgaris, dois núcleos de “domesticação”: nos Andes e na Mesoamérica, com o primeiro pólo a gerar, c.2000 a.C., uma semente de grande dimensão, e o segundo a gerar, c.800 d.C., uma semente menor.

O nome do feijão ficou associada à cidade de Lima, no Peru, quiçá por este ser um centro de exportação deste feijão

Apesar de ambas as variedades principais estarem disseminadas pela América Central e do Sul quando os europeus chegaram ao Novo Mundo, o nome do feijão ficou associada à cidade de Lima, no Peru, quiçá por este ser um centro de exportação deste feijão. Assim, temos “judía de Lima” em espanhol, “fagiolo di Lima” em italiano, “haricot de Lima” em francês, “lima bean” em inglês, “limabohne” em alemão. Os polacos preferem focar-se na forma da semente – acompanhando o nome científico da espécie (lunatus) – e chamam-lhe “fasola półksieżycowata” (feijão em forma de crescente).

Quando cru, o feijão-de-lima contém limarina, uma substância que, no aparelho digestivo, liberta ácido cianídrico – porém, dez minutos de cozedura bastam para a eliminar.

Feijão-frade

É uma trepadeira e uma leguminosa, mas não faz parte do género Phaseolus, pelo que não é um “feijão” no sentido estrito do termo: a Vigna unguiculata é originária de África e estava disseminada pela bacia mediterrânica na Antiguidade Clássica e era ela que era designada por “phaseolus” (e seus derivados nas diversas línguas europeias), antes o feijão americano ter usurpado no nome.

A produção de feijão-frade é liderada pela Nigéria e pelo Níger, que representam 66% do total mundial

Em português, o feijão-frade é também conhecido como feijão-pequeno, feijão-miúdo, feijão-cavalinho ou feijão-de-macáçar. Se os qualificativos “pequeno” e “miúdo” têm razão óbvia, não há pistas que expliquem o “frade”. Já “macáçar”, que designa uma cidade na ilha de Celebes (que foi possessão portuguesa entre 1512 e 1665) e o estreito vizinho, hoje na Indonésia, poderá resultar de o feijão-frade se ter difundido, por volta de 2300 a.C. para o Sudeste Asiático e de aí ter ganho um segundo pólo de cultivo e apuramento de variedades.

O “cavalinho” poderá ter a ver com o facto de ter sido usado na alimentação do gado, o que justifica que em inglês seja conhecido como “cowpea” (ervilha das vacas), apropriado como “caupí” pelo espanhol (que também lhe chama “judía de careta” e “frijol chino”) e como “feijão-caupi” pelo português do Brasil. A variedade mais corrente na alimentação humana é designada em inglês por “black-eyed pea”, por causa do seu “olho negro”, uma ideia a que aderem o alemão, chamando-lhe “augenbohne” (feijão-de-olho), e o italiano, com “fagiolo dall’occhio”.

Em francês é conhecido como “dolique mongette”, “mongette”, “pois à vaches” ou “dolique de Chine”

Em francês é conhecido como “dolique mongette”, “mongette”, “pois à vaches” ou “dolique de Chine” (a China tem costas largas no que diz respeito à origem de frutos e legumes), e se é tentador identificar a origem de “dolique” no italiano “dall’occhio”, os etimologistas propõe que provenha do grego “dolikhos”, que designa uma forma alongada, referindo-se neste caso às vagens da Vigna unguiculata.

A produção de feijão-frade é liderada pela Nigéria e pelo Níger, que representam 66% do total mundial

Feijão-mungo

O feijão-mungo (ou feijão-da-índia) é, como o feijão-frade, a semente de uma trepadeira leguminosa do género Vigna – mais precisamente a Vigna radiata. É frequentemente confundido com o feijão-da-china, que é a semente da Vigna mungo, pois o nome comum e o nome científico estão desemparelhados.

Também não ajuda à clareza que a Vigna radiata e a Vigna mungo tenham, até há pouco tempo, sido considerada pelos botânicos como sendo membros do género Phaseolus e sejam ainda pontualmente referidas como P. radiata e P. mungo. Já agora, convém explicitar que Vigna nada tem a ver com “vinha”: é uma homenagem ao botânico italiano do século XVII Domenico Vigna, que identificou este género.

Vagens de feijão-mungo

O feijão-mungo terá sido “domesticado” na Índia e Paquistão por volta de 2500 a.C. e difundiu-se pela China e Sudeste Asiático, desempenhando papel central nas tradições culinárias locais. Para uma planta cultivada há milénios, o seu nome corrente é inesperadamente recente: o primeiro registo da palavra hindi “mung” para designar este feijões data do início do século XX e vem do sânscrito “mudga”, que designa genericamente plantas leguminosas. É conhecido como “mungo bean” em inglês, “haricot mungo” em francês, “mungo” em espanhol, “fagiolo indiano verde” em italiano.

O maior produtor mundial é (sem surpresa) a Índia.

Feijão-da-china

O feijão-da-china (Vigna mungo) é um parente muito próximo do feijão-mungo (Vigna radiata) e, tal como este, é originário da Índia, apesar de o nome comum português remeter para outras paragens. As sementes de um e de outro distinguem-se bem, sendo verdes as da Vigna radiata e negras as da Vigna mungo, o que é explicitado pelo seu nome italiano do segundo: “fagiolo indiano nero”.

O maior produtor mundial é a Índia e os dois maiores exportadores são Myanmar e a Tailândia

Na sua terra natal, é conhecido como “urd”, o que deu origem a “haricot urd” em francês e “urdbohne” em alemão. O polaco, correndo o risco de destoar das outras línguas europeias, decidiu repor a ordem e fazer corresponder o nome comum ao nome científico e chama-lhe “fasola mungo”.

O maior produtor mundial é a Índia e os dois maiores exportadores são Myanmar e a Tailândia.

Feijão azuki

O feijão azuki é mais um dos “feijões” asiáticos do género Vigna, mais precisamente a espécie V. angularis, cuja semente se distingue facilmente do feijão-mungo e do feijão-da-Índia, por ter cor castanho-avermelhada. A Vigna angularis terá sido “domesticada” na China e Coreia por volta de 3000 a.C. e introduzida no Japão por volta do século III d.C., onde se tornou na segunda leguminosa mais popular (após a soja) e ganhou o nome por que é hoje conhecido internacionalmente: “adzuki bean” em inglês, “adzukibohne” em alemão, “frijol azuki” em espanhol, “haricot azuki” em francês. Algumas línguas asiáticas descartam o vínculo ao Japão e realçam a sua cor: “hongdou”, em chinês, e “dâu do”, em vietnamita, significam “feijão vermelho”.

A Vigna angularis terá sido “domesticada” na China e Coreia por volta de 3000 a.C. e introduzida no Japão por volta do século III d.C.

O maior produtor é a China e o maior importador é o Japão, que o consome sobretudo sob a forma de anko (pasta de feijão vermelho).

Soja

De todas as leguminosas asiáticas, esta é a que tem hoje maior relevância económica. A soja (Glycine max) foi domesticada a partir da espécie selvagem Glycine soja na China por volta de 7000-6600 a.C., tendo ganho implantação no Japão e na Coreia alguns séculos depois. Foi difundindo-se para sul e chegou no século XIII ao que é hoje a Indonésia.

Na Europa começou por surgir nos jardins botânicos, no século XVIII, e só no século XIX começou o seu cultivo comercial

Foi a partir daí que os navegadores e comerciantes portugueses e holandeses a difundiram pelo resto do mundo, num processo que inicialmente se deu de forma muito lenta: na Europa começou por surgir nos jardins botânicos, no século XVIII, e só no século XIX começou o seu cultivo comercial; nos EUA a primeira planta de soja germinou em 1765, mas durante 150 anos não mereceu grande atenção, sendo cultivada apenas como forragem. A grande explosão no cultivo de soja deu-se no final do século XX, levando a que hoje as suas plantações ocupem quase 100 milhões de hectares.

[Colheita mecanizada de soja no Iowa, 2015:]

Os maiores produtores de soja são os EUA, o Brasil e a Argentina, que, em conjunto, representam 80% do total mundial, seguidos pela China, Índia e Paraguai. 77% da soja produzida provém de variedades geneticamente modificadas, o que faz dela a leguminosa mais odiada/temida do mundo. Há razões mais substanciais para encarar com apreensão a produção em massa de soja, uma vez que, nos trópicos, a área de cultivo tem em muitos casos, sido expandida à custa da floresta. Na bacia amazónica, em particular, o avanço da soja tem-se traduzido na perda de habitats de elevado valor natural e na deslocação de populações indígenas, fenómeno que terá tendência a recrudescer sob o governo de Jair Bolsonaro (ver Índios da Amazónia denunciam em Nova Iorque política “trágica” de Bolsonaro).

Campo de soja junto a mancha de floresta, Mato Grosso, Brasil

A soja é empregue na alimentação humana sob formas muito variadas – tofu, natto, edamame, tempeh, hamburgers de soja, leite de soja, molho de soja, rebentos de soja ou aditivo em alimentos processados e refeições pré-cozinhadas – e, todavia, apenas 6% da produção é consumida directamente pelos humanos: o resto é usado para alimentação do gado e produção de óleo culinário ou biodiesel.

Pode comer-se soja durante anos a fio sem a ver sob a forma de grão (ou “feijão”), uma vez que a maioria dos seus usos alimentares são feitos sob forma processada

Em quase todas as línguas europeias (e também nas do resto do mundo), a designação da soja tem origem no nome chinês do molho de soja, “jiangyou” ou “shi-yu”, que deu origem ao japonês “shōyu”, e, através do holandês “soja”, entrou nos restantes léxicos: “soja” em espanhol e francês, “soia” em italiano, “soybean” em inglês, “soya” em turco e um longo etc.

Tal como acontece com a soja, o tofu (uma espécie de “queijo” obtido a partir da coagulação do leite de soja) tem origem chinesa (os registos mais antigos datam de há 2000 anos) e foi introduzido posteriormente no Japão (no século VIII), mas a sua designação universal provém da palavra japonesa “tofu”, uma adaptação do chinês “dòufu”.