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[Esta é a segunda de cinco partes numa série sobre a história dos legumes e dos seus nomes — esta é a primeira –, que complementa a série sobre a história dos frutos e seus nomes, que pode ser lida aqui:

De onde vêm os nomes do que comemos? Parte 1: Dos limões-pomposos às pêras-jacaré

De onde vêm os nomes do que comemos? Parte 2: Melões valencianos e pepinos-serpente

De onde vêm os nomes do que comemos? Parte 3: Maçãs de algodão e sicofantas

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De onde vêm os nomes do que comemos? Parte 4: Ratos vegetais e bagas peludas

De onde vêm os nomes do que comemos? Parte 5: Cerejas-dos-lobos e maçãs-das-bruxas]

Beringela

A beringela (Solanum melongena) é uma solanácea – família a que também pertencem os tomates, as batatas e a beladona – e terá sido “domesticada”, independentemente, na Malásia e na região entre o norte da Índia, a Birmânia e a China. A primeira menção escrita que se lhe conhece provém de um tratado de agricultura chinês do século VI, mas é possível que fosse cultivada desde 2000 a.C.

Na difusão para Ocidente, a beringela ganhou na Pérsia o nome de “bādingān”, que foi convertido em “bādinjan” pelo árabes.

A sua designação em sânscrito era “vātin-gāna”, que significa algo como “a coisa que acaba com as ventosidades”, por se crer que a beringela curava a flatulência. É este termo que está na raiz da designação da beringela nas línguas actuais da Índia: “varutina”, “varutunai”, “baingan” ou “began”.

Na difusão para Ocidente, a beringela ganhou na Pérsia o nome de “bādingān”, que foi convertido em “bādinjan” pelo árabes. Quando estes introduziram o fruto (é, tecnicamente, um fruto, ainda que seja usualmente incluído nos legumes) na Península Ibérica, “bādinjan” deu origem ao português “beringela” e ao espanhol “berenjena” e, por adição do artigo definido “al”, ao catalão “alberginia”. Este deu, por sua vez, origem ao francês “aubergine”, palavra que foi “exportada” para inglês, holandês, alemão, dinamarquês, sueco e norueguês, entre outras línguas.

Mas não foi essa a única via da “bādinjan” árabe: os gregos converteram-na, talvez por influência da palavra grega “melano” (negro, por associação à cor da sua casca), em “melintzana”, que deu origem, no latim medieval, a “melongena”, e em italiano a “melanzana”. O nome “melongena” seria usado por Lineu quando atribuiu o nome científico à beringela, em 1753, e “melanzana” é ainda o nome por que é conhecida hoje em Itália, mas, durante o século XIII, “melanzana” deu também origem ao pseudo-latim “mela insana”, que significa “maçã insana”, provavelmente por associação aos efeitos venenosos de outras plantas da família das solanáceas, como a beladona (Atropa belladonna) e a erva-moura (Solanum nigrum). A beringela, como outras solanáceas, contém a substância tóxica solanina, porém está presente em quantidades que são inofensivas para a saúde. Seja como for, a má reputação da beringela na língua italiana transitou para o inglês, sob a forma do nome “mad apple”, entretanto caído em desuso.

Beladona

O caprichoso enredo dos nomes da Solanum melongena teve outro episódio surpreendente quando os navegadores portugueses chegaram à Índia, o berço da beringela, e acabaram por aí impor a sua designação, que foi assimilada pelo anglo-indiano como “brinjal”, nome que hoje tem curso na Índia e parte do Sudoeste Asiático e na África do Sul. A prevalência do nome importado do português junto de povos que conheciam a beringela 2800 anos antes de ela ter chegado à Península Ibérica explica-se talvez por a Índia não ser então uma entidade linguística e cultural homogénea (continua a não o ser, apesar do tempo passado sob um governo unificado) e por as beringelas terem designações diferentes em cada região do subcontinente.

Natureza-morta com beringelas (e tomates e cebolas), por Luis Egidio Meléndez (1716-1780)

Em inglês a beringela é também conhecida pelo nome de “eggplant”, cuja primeira ocorrência escrita data de 1767 e que poderá parecer despropositado a quem esteja apenas familiarizado com as variedades de beringela mais correntes nos mercados ocidentais de hoje, de formato alongado, cor púrpura carregada, quase negra, casca brilhante e grandes dimensões. Porém, é possível que nas Ilhas Britânicas do século XVIII fosse mais corrente uma variedade de beringela que tem o tamanho, a forma e a cor de um ovo de galinha. A associação entre beringela e ovo está também patente na suas designações finlandesa, “munakoiso” (“muna” = “ovo” + “koiso” = “solanácea”), e islandesa, “eggaldin” (“egg” = “ovo” + “aldin” = “fruto”).

Fruto da variedade branca de beringela, entre dois ovos

A beringela tornou-se comum nos hábitos alimentares um pouco por todo o mundo e ingrediente essencial de cozinhas tradicionais tão afastadas quanto a italiana e a japonesa, pelo que foram sendo desenvolvidas beringelas com as mais diversas formas, tamanhos, cores, sabores e texturas.

Os maiores produtores de beringela são dois dos seus países de origem, China e Índia, que representam 86% do total mundial; seguem-se, a grande distância, Egipto, Turquia e Irão.

Algumas variedades de beringelas

Tomate

É o fruto da Solanum lycopersicum, uma solanácea, tal como a beringela, e será possivelmente originário dos Andes, onde se situam hoje o Peru e o Equador. Porém, esse tomateiro silvestre dava frutos repletos de sementes e não maiores do que os dos modernos tomate-cereja e só quando começou a ser cultivado no sul do México, por volta de 500 a.C., se foi convertendo no tomate que hoje conhecemos. Quando os espanhóis chegaram ao México já se depararam com o tomate firmemente implantado na culinária azteca e assumindo variadas formas, tamanhos e cores.

Algumas variedades de tomate

O tomate foi rapidamente introduzido na Europa mas durante muito tempo o seu cultivo foi esparso e teve apenas propósitos ornamentais, pois, tal como aconteceu com a beringela, o facto de ter parentes venenosos levou a que fosse encarado com suspeição – e, com efeito, nem todas as variedades que então foram trazidas para a Europa eram comestíveis.

A mais antiga presença do tomateiro num herbário europeu data de c.1542-44

Por outro lado, ganhou reputação de afrodisíaco, o que levou a que fosse baptizado em França como “pomme d’amour” (maçã do amor). Reza a lenda que Walter Raleigh terá presenteado a rainha Isabel I com o fruto e o terá designado como “apple of love”.

Em Itália, a primeira referência ao tomate surge no Medici senensis commentari (1544), de Pietro Andrea Mattioli, que viu nele um novo tipo de beringela e lhe apôs a designação latina “mala aurea” (maçã dourada), pois terá contactado não com as variedades vermelhas, que são hoje mais comuns, mas com uma variedade amarela.

A mais antiga representação do tomateiro na Europa, no Kreutterbuch (1590), de Johann Feyerabendt

A “mala aurea”, ou “pomo d’oro”, como ficou conhecida em Itália, levou algum tempo a ser apenas cultivada em jardins como planta ornamental e a ser usada para decorar mesas e só em 1692 foi mencionado pela primeira vez numa receita num livro de culinária publicado em Nápoles. A sua implantação na culinária italiana e mediterrânica progrediu rapidamente e a denominação italiana “pomodoro” acabou por determinar o nome do tomate em corso (“pumata”) e polaco (“pomidor”); em francês, “pomme d’or” coexistiu com “pomme d’amour” até serem ambos substituídos por “tomate”, cuja primeira entrada no dicionário da Academia Francesa só surgiu em 1835.

Natureza-morta com tomates, por Paul Gauguin, 1883

O resto da Europa seguiu o espanhol “tomate”, a partir do nome do fruto em nahuatl “tomatl”, que significa “fruto inchado”; assim é em alemão (“tomate”), holandês (“tomaat”), dinamarquês, norueguês, sueco e russo (“tomat”), islandês (“tómatur”), grego (“tomáta”), albanês (“domatja”) e turco (“domates”). O húngaro é excepção, chamando-lhe “paradicsom”, uma abreviação de “paradicsom alma” (maçã do paraíso), caminho em que tem a companhia do esloveno “paradižnik”, ambos em resultado de influência germânica: o nome alemão “paradiesapfel” (maçã do paraíso) foi corrente nos territórios do Império Austro-Húngaro e ainda vigora no sul do Tirol.

Conotar frutos e legumes “exóticos” com o Paraíso (ou a China) tem sido recorrente, mas mais invulgar é a origem do nome científico atribuído à espécie por Lineu em 1753: “lycopersicon” provém de “lyco” (lobo) + “persicum” (pêssego).

Existem hoje milhares de variedades de tomate, que deveriam cobrir todo o espectro de gosto dos consumidores, o que não impede o lamento recorrente de que os tomates que se compram hoje nos hipermercados “não têm o sabor de antigamente”, ou “não sabem a nada”. A queixa tem fundamento: como os estudos de mercado comporvam que o comprador faz as escolhas sobretudo em função do aspecto, as variedades mais cultivadas privilegiam uma cor vermelha intensa e uniforme nos frutos maduros, em detrimento do sabor.

O maior produtor é a China, que representa 30% do total mundial, seguida pela Índia, EUA, Turquia e Egipto.

Pimento

O termo “pimento” designa em Portugal os frutos de algumas variedades de Capsicum annuum, uma solanácea (mais uma), originária do México, América Central e norte da América do Sul, onde foi “domesticada” por volta de 4000 a.C. Ao contrário de outras variedades de C. annuum e outras espécies do género Capsicum, conhecidas genericamente em Portugal por malaguetas (C. frutescens, C. baccatum, C. chinense, C. pubescens), o pimento não contém capsaicina, a substância que produz a sensação de ardor na boca, pelo que é por vezes designado por “pimento doce”. A terminologia é diferente no Brasil, em que o pimento é designado por “pimentão” e as malaguetas por “pimentas”.

Algumas variedades de pimentos

Quando os europeus chegaram ao Novo Mundo e se depararam com os frutos, quase sempre de sabor picante, das Capsicum, foram tentados a traçar um paralelo com os frutos picantes que já conheciam, as pimentas, frutos de plantas asiáticas do género Piper, e deram-lhes designação similar, ainda que os dois géneros sejam, do ponto de vista botânico, bem distintos. Para aumentar a confusão terminológica, os portugueses levaram as malaguetas americanas para a Índia e Sudeste Asiático em geral, onde foram integradas na agricultura e culinária locais.

Algumas variedades de pimentos

O termo “pimento”, tal como o espanhol “pimiento” (também “pimiento morrón”), tem, portanto, a mesma etimologia de “pimenta”: a palavra latina “pigmentum” (pigmento), que ganhara, no baixo latim, o sentido de erva aromática ou especiaria.

O francês fez operação similar: sendo a palavra para pimenta “poivre”, as variedades não-picantes de Capsicum annuum foram baptizadas como “poivron”. O inglês fez o mesmo: por analogia com a pimenta, “pepper”, foram baptizadas como “sweet pepper” (Grã-Bretanha e Irlanda) ou “bell pepper” (EUA e Canadá), quiçá pela semelhança da forma dos frutos de algumas variedades com um sino. Algo semelhante ocorreu no italiano (“peperone”) e no dinamarquês (“peberfrugt”, de “peber” = pimenta), enquanto em boa parte das línguas da Europa central e setentrional prevalece “paprika”, proveniente da palavra húngara para “pimenta” (em português e noutras línguas, “paprika” é a especiaria obtida pela secagem e moagem do pimento – sim, tudo isto favorece a ocorrência de acidentes na cozinha e, quiçá, a eclosão de conflitos diplomáticos).

Do português “pimento” proveio o japonês “piiman” (designação alternativa: “papurika”), que deu, por sua vez, o coreano “pimang”, ainda que na Coreia este termo só designe os pimentos verdes, sendo os vermelhos designados por “papeurika”.

O maior produtor de pimentos é a China, seguindo-se o México (que é o maior exportador) e a Indonésia.

Cebola

A cebola é o bolbo da Allium cepa, que tem por parentes mais chegados com uso alimentar a chalota, o cebolinho, o alho e o alho-porro. A cebola tem antepassados selvagens na Ásia Central e disseminou-se pela Eurásia, havendo provas de que fazia parte da alimentação de egípcios, babilónios, gregos e romanos – para lá do seu valor como alimento, os egípcios viam nas suas camadas concêntricas um símbolo da eternidade e os romanos atribuíam-lhe propriedades farmacológicas, no domínio oftalmológico e digestivo.

Quando os europeus chegaram à América do Norte, descobriram que os índios usavam na alimentação as espécies locais de cebolas silvestres, sobretudo a Allium vineale, a Allium canadense e a Allium tricoccum, sendo provável que o nome da cidade de Chicago provenha de “shikaakwa”, a designação na língua dos índios Miami-Illinois do Allium tricoccum.

Natureza-morta com cebolas, por Luis Egídio Meléndez (1716-1780)

“Cebola” vem do diminutivo, “cepulla”, do nome latino do bolbo, “cepa”. Entre elas, a “cepa” e a “cepulla” deram origem ao espanhol “cebolla”, ao catalão “ceba”, ao italiano “cipolla”, ao romeno “ceapa”, ao albanês “qepa”, ao esloveno “čebula”, ao polaco “cebula” e, embora não seja tão óbvio, ao alemão “zwiebel” e ao dinamarquês “kepaløg”.

O inglês “onion” vem do francês “oignon”, que, por sua vez, provém da designação em baixo latim, “unionem”, de origem obscura.

Cebolinho

Enquanto na cebola a parte comestível é o bolbo, no seu parente cebolinho (Allium schoenoprasum) o que se usa nas saladas são as suas folhas (as flores também são comestíveis).

Tal como em português, a sua designação na maioria das outras línguas de raiz latina é um diminutivo de “cebola”: “cebollino” em espanhol, “cibulet” em catalão, “erba cipollina” em italiano – e “ciboulette” em francês, apesar de nesta língua cebola ser “oignon”. Também o inglês, embora designe a cebola por “onion”, vai inspirar-se no francês antigo “cives” (que provém do latim “cepa”) para designar o cebolinho por “chives”.

O cebolinho é comum nas regiões frias e temperadas da Eurásia e era conhecido dos gregos e romanos, mas o seu cultivo só parece ter começado na Idade Média

Chalota

A chalota tem estatuto incerto: tanto é vista como espécie autónoma, com o nome científico Allium ascalonicum, como é considerada uma variedade de cebola (Allium cepa var. aggregatum). A sua origem é a Ásia Central, embora o seu nome provenha do latim medieval “ascalonia cepa”, ou seja “cebola de Ascalon”, remetendo para a cidade portuária de Ascalon, na antiga Cananeia ou Palestina (hoje Ashkelon, em Israel), por se supor que terá sido a partir dela que a chalota foi introduzida na Europa, através dos cruzados que participaram na I Cruzada. Todavia, esta suposta origem é desmentida pelo facto de a chalota surgir na culinária romana desde o século I d.C., figurando, nomeadamente, no livro de receitas De re coquinaria, atribuído (erradamente) ao célebre gourmet romano Marco Gávio Apício (Marcus Gavius Apicius).

Ruínas da antiga Ascalon, numa gravura de Pierre Nicolas Ransonnette (1745-1810). A moderna Ashkelon descende da cidade árabe construída no século XV a alguns quilómetros da antiga Ascalon, que foi arrasada pelos mamelucos em 1270

Apesar da ligação da chalota a Ascalon ser fantasiosa, é também dela que derivam as designações “chalota” ou “echalote” em espanhol, “escalunya” em catalão, “scalogno” em italiano, “échalote” em francês, “shallot” em inglês, “schalotte” em alemão, “sjalot” em holandês, “skalotteløg” em dinamarquês, “sjallottløk” em norueguês, “schalottenlök” em sueco, “salottisipuli” em finlandês. A referência a Ascalon, que se tornou pouco perceptível na maioria das línguas, é clara no polaco: “czosnek askaloński” (“alho de Ascalon”).

Os maiores produtores são o México, a Coreia do Sul e o Japão.