Índice
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[Esta é a terceira de cinco partes numa série sobre a história dos legumes e dos seus nomes — esta é a primeira e aqui pode ler a segunda –, que complementa a série sobre a história dos frutos e seus nomes, que pode ser lida aqui:
De onde vêm os nomes do que comemos? Parte 1: Dos limões-pomposos às pêras-jacaré
De onde vêm os nomes do que comemos? Parte 2: Melões valencianos e pepinos-serpente
De onde vêm os nomes do que comemos? Parte 3: Maçãs de algodão e sicofantas
De onde vêm os nomes do que comemos? Parte 4: Ratos vegetais e bagas peludas
De onde vêm os nomes do que comemos? Parte 5: Cerejas-dos-lobos e maçãs-das-bruxas]
Espargo
A origem do espargo (Asparagus officinalis) é nebulosa – alguns autores sugerem o Mediterrâneo Oriental – já que a planta há muito se encontra disseminada pelas regiões temperadas da Eurásia. Surge em pinturas egípcias de 3000 a.C. e era muito apreciado pelos gregos e romanos. Estes últimos consumiam-no fresco, no Verão, e seco, no Inverno, e César Augusto instrui as suas unidades militares para que lhe levassem a Roma as melhores variedades de espargos que crescessem no seu império. Este entusiasmo esmoreceu após a queda do Império Romano e levou alguns séculos a renascer – a primeira menção escrita ao cultivo do espargo em França data de 1469. Porém, o seu regresso foi triunfal, pois na França do século XVI já era enaltecido como “légume royal” (legume real) e “ivoire à manger” (manjar de marfim) e nas hortas do Palácio de Versailles (inaugurado em 1682) brotavam todos os anos 6000 espargos para satisfazer o apetite de Luís XIV pelo legume.
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Cultivo do espargo no Tacuinum sanitatis, um manual sobre saúde que teve grande difusão na Europa Ocidental nos séculos XIII e XIV e que se baseava no Taqwim al-Sihha (Tratado de saúde), redigido em 1050 pelo médico iraquiano Ibn Bûtlan
Se a popularidade do espargo variou consoante a época e o lugar, o que nunca se desvaneceu foi a reputação como afrodisíaco, sem outra sustentação do que a sua sugestiva forma. O Kama Sutra recomendava o seu consumo sob a forma de pasta misturada com leite e o seu (suposto) efeito no desempenho sexual é mencionado em As mil e uma noites e no tratado sobre sexo Ananga Ranga, elaborado na Índia dos séculos XV-XVI. O tratado erótico O jardim perfumado do deleite sensual, redigido no século XV por Muhammad al-Nefzawi também exaltava as virtudes do espargo e o médico e botânico inglês Nicholas Culpeper, prescrevia, em The English physitian (1652, reeditado nos anos seguintes como The complete herbal), “uma infusão de raízes de espargo fervidas em vinho e tomadas pela manhã, em jejum”.
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Natureza-morta com espargos por Adriaen Coorte, 1697
A designação do espargo nas línguas europeias provém quase sempre do latim “asparagus”, por sua vez com origem na designação grega do legume, “aspáragos”, a partir do persa “asparag”, significando “rebento”. Assim, temos “espárrago” (espanhol), “espàrrec” (catalão), “asparago” (italiano), “asperge” (francês), “asparagus” (inglês), “gemüsespargel” (alemão), “asparges” (dinamarquês e norueguês), “sparris” (sueco), “spergill” (islandês) e “shpargulli” (albanês).
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Natureza-morta com espargos, por François Bonvin, 1867
Nalguns países da Europa de Leste, o nome ganha o adjectivo “medicinal”, provando que o mito do poder afrodisíaco do espargo é difícil de dissipar: “szparag lekarski” (polaco), “sparzha lekarstvennaya” (russo), “ljekovita šparoga” (croata). Em inglês, uma etimologia popular (sem fundamento) sugere que a origem da palavra “asparagus” é “sparrow-grass” (erva dos pardais). Em turco o nome do espargo também envolve aves: “kușkonmaz” significa “um pássaro não poisa [nele]”, embora não haja nenhuma pista sobre o que poderia levar as aves a evitar o legume.
Os maiores produtores de espargos são a China, o Peru e o México.
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Natureza-morta com espargos (e uma cesta de fruta), por Louise Moillon, 1630
Cenoura
Tal como espargo, a cenoura (Daucus carota) começou por ser vista mais como um afrodisíaco do que como um alimento. A verdade é que as primeiras variedades de cenoura que foram “domesticadas” no que é hoje o Irão oriental e o Afeganistão por volta de 3000 a.C. eram ainda demasiado amargos e fibrosos, pelo que a planta começou por ser cultivada pelas folhas (como ainda acontece com parentes da cenoura, como a salsa e o coentro) e pelas sementes, não pela raiz. A mais antiga menção à cenoura em fontes europeias data do século I d.C., quando o médico grego Dioscórides a incluiu no seu tratado sobre ervas medicinais.
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Algumas variedades de cenoura
As primeiras cenouras tinham cor branca ou púrpura e só por volta do século X surgiram, possivelmente no Afeganistão, variedades amarelas e vermelhas. As cenouras amarelas tornaram-se as preferidas na Europa e a cenoura cor-de-laranja, mais carnuda, que viria a tornar-se dominante (a ponto de hoje podermos falar em “cor-de-cenoura” como se as cenouras tivessem apenas uma cor), só surgiu no século XVII.
A cenoura cor-de-laranja terá resultado dos esforços dos hortelãos holandeses, ao pretenderem homenagear a bandeira holandesa de então (com faixas laranja, branca e azul) ou a Casa de Orange-Nassau, e, em particular, Guilherme I de Orange, uma figura central na luta dos Países Baixos contra o jugo espanhol. Não há, todavia, provas que sustentem esta pretensão holandesa e, de qualquer modo, mudar a cor da raiz de um legume sem especial prestígio parece ser uma forma muito retorcida de enaltecer uma casa real ou de lutar pela independência de um país.
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Natureza-morta com cenouras e outros legumes, pelo pintor holandês Adriaen von Utrecht, 1641
As primeiras cenouras domesticadas não eram rectas mas curvas, o que explica a raiz indo-europeia “ker” (corno) que deu origem ao grego “karotón”, que se converteu no latim “carota”, que está na raiz dos nomes do legume nalgumas línguas europeias: “carotte” em francês, “carota” em italiano, “carrot” em inglês, “karotte” em alemão. Outras línguas têm por base “murho”, a palavra indo-europeia para designar genericamente raízes comestíveis: é assim que temos “möhre” em alemão, “morot” em sueco, “morcov” em romeno, “morkov” em russo.
Como a cenoura terá sido introduzida na Península Ibérica pelos árabes, no século VIII, a sua denominação nestas paragens – “cenoura” em português, “zanahoria” em espanhol, “safanòria” em catalão – provém do árabe hispânico “safunnārjah”, por sua vez com raiz no árabe “isfanāriyya”, que terá possivelmente origem no nome que os gregos davam à cenoura selvagem, “staphulìne agría”.
Os alegados inventores da cenoura cor-de-laranja não alinham com nenhuma destas vias e chamam-lhe “wortel”, com origem no proto-germânico “wurt” (raiz).
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Mulher descascando cenouras, pelo holandês Gerrit Dou, c.1650-75
O maior produtor de cenouras é a China, que representa quase metade do total mundial, seguida, a grande distância, pelo Uzbequistão, Rússia, EUA e Ucrânia.
Cherovia
A cherovia (Pastinaca sativa) é um parente próximo da cenoura, embora muito menos popular. Terá tido origem na Eurásia e terá sido cultivada por gregos e romanos, embora nem sempre seja possível distinguir entre cherovias e cenouras, por os escritos latinos designarem, por vezes, ambas as espécies por “pastinaca” – uma confusão que persistiu até ao Renascimento. Consta que parte do tributo pago pelas tribos germânicas ao imperador Tibério seria em cherovias, por aquele apreciar particularmente o legume.
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Sim, o Prémio Nobel da Literatura de 1958 chamava-se Boris Cherovia
“Cherovia”, tal como espanhol “chirivia” e o catalão “xirivia”, provém do nome árabe do legume, “karawíyya”. Mas foi o “pastinaca” dos romanos que moldou a maioria das línguas europeias, como o italiano “pastinaca”, o holandês “pastinaak”, o dinamarquês “pastinak”, o sueco “palsternacka”, o romeno “pastarnâk” e o polaco e russo “pasternak” (sim, o Prémio Nobel da Literatura de 1958 chamava-se Boris Cherovia).
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“Mulher descascando cherovias”, por Nicolas Maes, 1655. A criança não parece muito entusiasmada com a perspectiva de ir comer cherovias ao almoço
Embora não pareça, da mesma “pastinaca” dos romanos veio também o francês “panais”, através do francês medieval “pasnaie”, que gerou o inglês medieval “pasnepe”, que resultou no moderno “parsnip”, embora uma etimologia popular sem fundamento pretenda que este resulta da fusão “parsley” (salsa) + “turnip” (nabo).
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Natureza-morta com uma cherovia ao centro, entre couves, alface e maçãs, por Giuseppe Recco (1634-1695)
Nabo
O nabo (Brassica rapa) é da família das couves e é originário do Afeganistão e Paquistão ocidental e sabe-se que por volta de 1500 a.C. era cultivado na Índia, embora seja possível que tenha sido “domesticado” noutro locais da Eurásia. Plínio o Velho tinha o nabo em grande apreço, proclamando que “a sua utilidade supera a de qualquer outra planta”.
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Uma das primeiras representações conhecidas do nabo, no manuscrito bizantino do século VI conhecido como “Dioscórides de Viena”, que reproduz o tratado De materia medica, da autoria de Dioscórides, médico e botânico grego do século I
Os romanos chamavam-lhe “napus”, o que deu origem ao “nabo” português e espanhol, ao “nap” catalão e romeno e ao “navet” francês. O “turnip” inglês (como o “tornapa” gaélico) resulta do acrescento de “turn” (sugerindo uma forma redonda) ao inglês medieval “nepe”, também ele vindo no “napus” latino.
Já o “rapa” italiano (que foi usado por Lineu para designar a espécie) provirá possivelmente do proto-indo-europeu “rap”, que deu origem também a “rübe” em alemão, “knolraap” em holandês, “rope” em lituano, “tarlórépa” em húngaro.
É difícil apurar quem mais produz nabos no mundo, pois as estatísticas agrícolas costumam agregar estes com as cenouras.
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“A descascadora de nabos” (La ratisseuse de navets), também conhecido como “A criada de cozinha”, por Jean Simeon Chardin, 1739
Rabanete
O Raphanus sativus, tem um “antepassado selvagem” no Raphanus raphanistrum, é originário da Ásia Menor e foi cultivado desde 2000 a.C. na Mesopotâmia e Egipto. O escritor e apaixonadao pela horticultura John Evelyn (1620-1706) observou que “os rabanetes são comidos apenas com sal, pois contêm em si a sua própria pimenta”, numa alusão ao gosto moderadamente pungente resultante da presença de substâncias afins às que estão presentes, em concentração mais elevada, nos seus parentes rábano-picante e mostarda.
O nome português (igual em espanhol) é um diminutivo de “rábano”, que provém do latim “raphanus”, empregado para designar, sem grande rigor, plantas aparentadas com rábanos e nabos. Estas eram também genericamente designadas pelos romanos como “radix” (raiz), palavra que deu origem ao francês “radis”, ao inglês “radish”, ao sueco “rädisa” e a nomes similares na maioria das línguas europeias, por vezes especificando que se trata de uma planta “de jardim”, isto é, cultivada e não selvagem – é o caso do alemão “garten-rettich” ou do holandês “tuinradijs”.
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Um rabanete gigante, por pintor anónimo holandês, 1626
Na Ásia cultiva-se a variedade longipinnatus, de raiz alongada e cor branca, conhecida como “rabanete branco”. Em francês é designado por “radis blanc” e em alemão é designado por “winterrettich”, por ser colhido no Inverno (“winter”), e em inglês (e, comercialmente, um pouco por todo o mundo) foi adoptado o nome japonês, “daikon”, que significa “grande raiz”.
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Rábanos brancos
Couve-nabo
A couve-nabo resultou, como o nome sugere, do cruzamento entre a couve (Brassica oleracea) e o nabo (Brassica rapa) e foi identificada pela primeira vez na Suécia, no século XVII. A sua origem é algo nebulosa e a sua nomenclatura científica passou por várias alterações, sendo hoje a mais aceite a de Brassica napobrassica.
A sua designação nas línguas da Europa é variada: se a portuguesa identifica a sua origem híbrida, tal como a espanhola “nabicol” ou “colinabo” (“col” = couve), nos EUA é conhecido como “rutabaga”, a partir do sueco “rotabagge” (de “rot” = raiz + “bagge” = inchaço), enquanto na Grã-Bretanha é mais comum o termo “swede”, a partir de “Swedish turnip” (nabo sueco), numa alusão ao seu país de origem. Neste, a couve-nabo é conhecida como “kålrot” (de “kål” = couve + “rot” = raiz), enquanto os franceses vêem-na como um “navet jaune du Canada” (nabo amarelo do Canadá).
Couve
A família das brassicáceas (ou crucíferas) tem numerosas espécies, mas é a Brassica oleracea que, nas suas múltiplas variedades, tem maior relevo na alimentação e na economia e é a ela que se aplica o termo genérico “couve”.
A variedade selvagem da Brassica oleracea tem ampla distribuição na Eurásia, mas a domesticação terá ocorrido no Próximo Oriente, possivelmente na Turquia. Era bem conhecida de gregos, a ponto de, no século IV a.C., o médico Crísipo de Cnidos ter escrito um tratado (perdido) sobre ela. Consta que o filósofo cínico Diógenes (c.412-332 a.C.), que atingiu uma idade próxima dos 90 anos numa época em que tal longevidade era muito rara, se alimentava exclusivamente de couve, e só se estranha que, no século XXI, em que surgem dietas miraculosas novas todas as semanas, ainda não tenha surgido um oportunista a fazer fortuna com “a dieta de Diógenes”.
No século II a.C., o romano Catão o Velho proclamava que “a couve suplanta todos os outros vegetais”. Durante a Idade Média, o seu cultivo alastrou a toda a Europa, com o consequente desenvolvimento de diferentes variedades em função da natureza do clima.
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Cultivo da couve no Tacuinum sanitatis, um manual sobre saúde que teve grande difusão na Europa Ocidental nos séculos XIII e XIV e que se baseava no Taqwim al-Sihha (Tratado de saúde), redigido em 1050 pelo médico iraquiano Ibn Bûtlan
Os romanos designavam a couve por “brassica”, mas só o nome científico aí foi buscar inspiração, pois na maior parte das língua europeias a fonte é a palavra latina para caule: “caulis”. Desta resultaram a “couve” portuguesa, o “col” espanhol e catalão, o “cavolo” italiano, o “chou” francês (ainda que não pareça), o “cole e o “kale” ingleses (“kale” designa apenas as couves cultivadas pelas suas folhas), o “kool” holandês, o “kohl” alemão (sim, o famoso estadista alemão chamava-se Helmut Couve), o “kål” dinamarquês e norueguês e o “kaali” finlandês.
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Várias “encarnações” da Brassica oleracea
Ao longo dos séculos, os hortelãos foram manipulando a dúctil Brassica oleracea a seu bel-prazer, aperfeiçoando cultivares que realçam o aproveitamento alimentar de diferentes partes da planta: folhas, gomo terminal, gomos axilares, caule ou inflorescências.
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Processo de selecção artificial privilegiando a comestibilidade de diferentes partes da mesma planta de origem
Uma das couves mais cultivadas é o repolho (Brassica oleracea var. capitata), que possui uma “cabeça” formada por uma massa compacta de folhas, encaixadas umas nas outras, que pode atingir uma dimensão apreciável (o recorde é de 62.7 Kg). A designação portuguesa é afim do espanhol “repollo” e provém do latim “repullulare”, com o sentido de voltar a brotar, de deitar folhas. Em inglês é conhecida como “cabbage”, que provém provavelmente de “cabbage cole”, com “cole” a significar “couve e “cabbage” a vir do francês antigo “caboche”, que deu origem, no francês moderno a “chou cabus”. “Caboche” provirá do latim “capitum” (cabeça), que possivelmente estará também na origem do “cavolo cappucio” italiano. Já os alemães focam-se na cor das folhas da “cabeça” e chamam-lhe “weißkohl” (couve branca) e o mesmo caminho tomam os holandeses (“witkool”) e dinamarqueses (“hvidkål”).
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Brassica oleracea var. capitata
Outras variedades populares são a couve-flor (variedade botrytis), cultivada pela sua inflorescência sobredesenvolvida, os brócolos (variedade italica), também cultivada pela inflorescência (ainda que de outro tipo), e a couve-de-Bruxelas (variedade gemmifera), cultivada pelos seus gomos axilares.
As línguas europeias mais correntes estão de acordo no nome da couve-flor: “coliflor” em espanhol, “cavolfiore” em italiano, “chou-fleur” em francês, “cauliflower” em inglês, “blumenkohl” em alemão. Unanimidade ainda maior recolhem os brócolos, surgidos em Itália há cerca de 2000 anos e que têm, na maioria das línguas europeias, designação originária do italiano “broccoli”, a partir de “brocco” (rebento).
A couve-de-Bruxelas parece ter surgido na região de Bruxelas no século XIII, o que justifica “col de Bruselas” em espanhol, “cavolino di Bruxelles”, “chou de Bruxelles” em francês, “Brussels sprout” em inglês, “brysselkål” em sueco. Algumas línguas germânicas preferem realçar a semelhança da sua forma com um botão de rosa: “rosenkohl” em alemão, “rosenkål” em dinamarquês e norueguês. Os holandeses, quiçá por rivalidade com os vizinhos do lado, preferem não dar crédito a Bruxelas e usam “spruitkool” (couve-rebento).
A imensa plasticidade da Brassica oleracea levou também ao surgimento da couve-rábano (variedadegongylodes), que não deve ser confundida com a acima mencionada couve-nabo (Brassica napobrassica).
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Couve-rábano (Brassica oleracea var. gongylodes)
Embora o Oriente conhecesse numerosas variedades de couve, desconhecia as que tinham sido desenvolvidas na Europa – seriam os portugueses a introduzi-las no Sudeste Asiático, em particular a couve-tronchuda ou couve-portuguesa.
Em alemão a couve é também denominada “kraut”, com origem no proto-germânico “kruda” (planta, legume), e é esta variante que é usada correntemente para designar a conserva de couve, resultante da sua fermentação: a “sauerkraut” ou “sauerkohl” (couve azeda). A ideia da conserva de “couve azeda” não é alemã – é possível que seja chinesa ou mongol – e tornou-se popular por toda a Europa Central e de Leste, onde várias línguas têm designações de sentido equivalente. Mas os alemães é que ficaram, no Ocidente, com fama de comedores de couve e, em particular, de couve fermentada, de forma que, na I e II Guerra Mundiais, eram conhecidos informalmente entre os povos das potências Aliadas como “krauts”. O “sauerkraut” deu origem ao “choucroute” francês, ao “chucrut” espanhol e ao “chucrute” português, ainda que na Europa meridional o hábito de fermentar a couve nunca tenha ganho grande popularidade.
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Em França, é na regiões vizinhas da Alemanha que a paixão pela couve fermentada atinge maior intensidade: cartaz das “VIII Jornadas do Chucrute”, em Colmar, na Alsácia, c.1961
O chucrute tem parentes afastados no Extremo Oriente, embora aqui não se usem as mesmas espécies de couve e se recorra também a outros vegetais: é o caso do kimchi coreano. Identificar povos com hábitos alimentares vistos como bizarros, transviados ou repugnantes é recorrente nos insultos étnicos, pelo que não é de estranhar que os coreanos sejam rotulados pejorativamente nos EUA como kimchee.
A paixão nacional pelo kimchi explica em boa parte que, apesar da sua relativamente pequena área agrícola, a Coreia do Sul seja o 4.º maior produtor mundial de couves, a seguir à China, Índia e Rússia e à frente da Ucrânia.
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Natureza-morta com couves (e tomates e beringela), por James Peale, c.1820