Os críticos internos da direção do Bloco de Esquerda já começaram a preparar-se para a Convenção que aí vem. Desta vez, confrontados com uma regra que impediria matematicamente quase todos os grupos que apresentaram moções no último encontro do Bloco, em 2021, de o fazer agora, os críticos já estão a fazer contactos e “esforços” para “federar o que for possível federar”, tentando juntar os vários grupos numa espécie de frente contra a cúpula do partido.
Na reunião da Mesa Nacional de 4 de fevereiro, que serviu para marcar a convenção de 27 e 28 de maio, a direção alargada decidiu aumentar dez vezes o número de subscritores necessários para ser possível apresentar uma moção de orientação — o documento que serve de base para quem as candidaturas à Mesa Nacional e, na prática, o programa que a direção escolhida depois executará.
Ou seja: se antes era possível apresentar uma moção com apenas 20 assinaturas — um número manifestamente baixo e que até já deveria ter sido corrigido mais cedo, admite-se na direção — desta vez será preciso convencer quase 200 militantes (ou aderentes, na semântica do Bloco) a juntarem o seu nome a cada moção para que ela possa avançar. Uma proposta, recorda-se no núcleo duro, que em tempos até tinha chegado a ser feita por grupos de críticos.
Acontece que os tempos mudaram e, num período de tensão interna e com os críticos a prepararem-se para atacar a direção pelo ciclo de maus resultados (nas eleições autárquicas, presidenciais e legislativas), a nova regra foi vista como uma forma de “concentrar os ataques e desmoralizar os outros, que têm poucas condições para avançar”, resume um membro da maior ala crítica do Bloco, a Convergência, que inclui ex-deputados (Pedro Soares e Carlos Matias) e na convenção passada apresentou uma moção própria — e voltará agora a fazer o mesmo.
Mas não quer fazê-lo sozinha: para contornar a nova regra, a ideia é agora tentar juntar o que sobra das outras moções (eram mais três de grupos críticos na última convenção): o cenário que se antecipa é que possa haver, desta vez, apenas dois documentos colocados à discussão, e assim o grupo da Convergência tentará liderar os críticos para que se juntem numa moção contra a direção. Falta saber se a vontade será mútua.
“Não deve haver muito mais moções, é muito difícil os outros grupos terem força”, explica um membro da Convergência, explicando que está a haver um “esforço” para “federar o que conseguirmos federar”. Mesmo assim, descreve, o cenário para os críticos não é animador: há outros grupos que já estão muito diminuídos, “no osso”, e que atribuem essas saídas — por vezes até do próprio partido — com “a dificuldade de fazer oposição quando não há abertura nenhuma” para o debate interno, uma versão que a direção rebate.
Considerando a fasquia atual, nesta convenção desapareceriam todas as moções menos duas: a da direção (que teve mais de mil subscritores) e a da Convergência (com cerca de 500). De resto, se a última convenção fosse feita com as regras de hoje, a Plataforma Novo Curso, que surgiu de uma divergência interna na Convergência, não teria hipótese (59 subscritores); o mesmo aconteceria com a moção Q, que pedia mais “radicalidade” à ação do Bloco, mas era assinada por apenas 37 aderentes; ou com a moção C, que distribuía as suas críticas tanto pela “obsessão por cargos” da direção como pela estratégia dos restantes críticos, que acusava de fazer oposição ao próprio Bloco — mas convencia apenas 25 subscritores.
Um dos grupos já confirmou, de resto, que não se apresentará a votos. Os subscritores da moção Q anunciaram em comunicado esta quinta-feira que não vão apresentar nenhuma moção, apesar de terem intenção de “estar presente no debate, com todas as condicionantes que isso implica”. E também mencionam a vontade de juntar os críticos, “através da apresentação de uma plataforma que começaremos desde já a construir com quem se nos quiser juntar”.
No texto intitulado “não nos calamos”, os militantes argumentam que “as condições para a apresentação de uma moção nunca foram tão limitadas” e terão por consequência a “perda de diversidade política na Convenção”. Não só pelo número de subscritores que é agora exigido, mas também pela rapidez com que o processo se desenrola: a moção “não está pré-fabricada” e com estes prazos “é expectável que apenas grupos pré-organizados e já altamente estruturados possam participar de parte inteira na Convenção”, atacam.
Moções lembram derrotas e pedem discussão ideológica sobre o Bloco
A entrega das moções está marcada para dia 27 de fevereiro — e é para essa altura que tem sido empurrado o fim do tabu sobre a liderança e o futuro de Catarina Martins — mas no Bloco já circulam rascunhos e tópicos dos vários documentos.
Bloco mantém apoio, mas deixa decisão sobre futuro nas mãos de Catarina Martins
E, se os críticos acusam a direção de não fazer uma autocrítica suficiente pelo “péssimo” ciclo eleitoral — “é como se o mundo tivesse começado agora”, comenta a mesma fonte — e de querer arrumar o assunto com o que se discutiu na última conferência nacional, já começaram também a preparar a alternativa que querem levar à convenção.
De acordo com o que o Observador apurou, a moção afeta à Convergência irá focar-se num balanço dos maus resultados e do que os seus elementos dizem ser as consequências do discurso “frágil” da cúpula, que “perdeu credibilidade” ao pedir um acordo com o PS durante a campanha e querer agora apresentar-se como o maior opositor do Governo.
Além disso, haverá espaço para destacar a importância que se deve dar aos movimentos e lutas sociais no combate à maioria absoluta, mas também uma defesa de uma maior democracia interna e pluralismo dentro do Bloco, assim como uma discussão mais substancial e ideológico sobre o Bloco. “Afinal, que partido queremos?” será a pergunta que os críticos querem lançar, lembrando que o Bloco começou por ser um partido de “lutas populares, aberto” e que a sua natureza “mudou” para um movimento “de alguns quadros, com pouca implementação na base, com um nível de centralização brutal, ao nível do PCP”.
Direção aposta em “lutas populares”
Entre os críticos, há quem acredite que o Bloco está demasiado concentrado em “nichos” e que dificilmente melhorará a sua posição eleitoral assim. Uma versão contrariada pela direção, convencida de que a convenção servirá para apontar novos caminhos em tempos de maioria absoluta e de um ano que se espera quente ao nível da contestação social.
Não por acaso, a resolução política que saiu da reunião da Mesa Nacional tinha por título, precisamente, “as lutas populares alteram a situação política”. O documento argumentava que as próximas semanas serão “o tempo decisivo de uma alteração de fundo na situação política” e que essa alteração — “a entrada em cena da luta popular” — responsabiliza o Bloco de Esquerda.
O texto lembrava uma realidade a que o partido já se tem juntado nos últimos tempos — ainda nas jornadas parlamentares desta semana Catarina Martins e os restantes deputados estiveram em vários protestos e junto de movimentos de contestação em várias áreas, da Saúde aos professores, tendo Catarina Martins estado logo no dia a seguir noutra concentração de docentes e, esta quinta-feira, marcado presença no “dia nacional de indignação e luta” da CGTP.
Na resolução, recordava-se precisamente que esta “luta” popular já se “desdobra” por vários setores e até sai das mãos, em alguns casos, dos sindicatos tradicionais (será o caso do protesto organizado pelo movimento Vida Justa, a 25 de fevereiro, ou a manifestação marcada para 1 de abril em defesa do direito à habitação). Espera-se que o documento que a atual linha dirigente do BE apresentar reflita essas lutas também. Os críticos, esses — e ainda que minoritários — continuam à espreita.