O Governo não tem um parecer jurídico a fundamentar a demissão dos gestores da TAP, mas esse fundamento existe e foi dado na deliberação social única que materializou há uma semana a destituição da presidente executiva, Christine Ourmières-Widener, e do chairman, Manuel Beja. E se os membros do Executivo se recusaram até agora a entregar a fundamentação — a comissão parlamentar de inquérito vai fazer um novo pedido ao qual se não tiver resposta pode resultar em participação criminal aos membros do Governo por desobediência qualificada –, a verdade é que o documento acabou por chegar aos deputados. E veio pela mão da empresa que é acionista da TAP com apenas 1% do capital. Mas nem por isso os deputados puderam já ter acesso à dita fundamentação, nem usá-la para os trabalhos da comissão de inquérito.

Esta deliberação é o ato que Fernando Medina garante blindar juridicamente a decisão do Governo, já que a destituição é um ato a ser deliberado em assembleia-geral de acionistas e foi isso que foi feito.

Jaime Andrez foi o último dos três gestores da Parpública a ser ouvido na comissão parlamentar, e o único que ainda está em funções. É o presidente desde 2020. E foi nessa qualidade que foi chamado a participar na polémica deliberação unânime que concretizou o afastamento dos gestores da TAP por justa causa. E apenas porque a Parpública tem 1% do capital da TAP SGSP e se não assinasse, o Estado teria de promover uma assembleia-geral para demitir Christine e Manuel Beja, o que arrastaria ainda mais um processo já muito longo de vazio de poder na TAP (um mês).

Como pode ser visto na deliberação unânime divulgada pelo Observador, a deliberação unânime foi assinada por dois administradores  da Parpública e um elemento da DGTF.

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Convidado pelo deputado do PSD, Hugo Carneiro, a ler a deliberação de 12 páginas, Jaime Andrez hesitou pela dimensão do documento. Foi o ponto de partida para uma intensa discussão na comissão parlamentar de inquérito, com vários deputados a pedirem intervalo para lerem eles o documento e outros a pedir que o mesmo fosse entregue, mas discutido noutro dia, para garantir a todos condições iguais de escrutínio (a primeira ronda ia a meio). A discussão rapidamente passou do tempo que ia demorar para a natureza do documento. Andrez começou por invocar que a versão que trazia estava apenas assinada pela Parpública e não pela outra parte: a Direção-Geral do Tesouro e Finanças do Ministério de Fernando Medina. Teria um maior “conforto” em entregar a ata original com as duas assinaturas.

Mas a avaliação da eventual confidencialidade da referida deliberação foi suscitada pelo presidente da comissão de inquérito, Jorge Seguro Sanches — o tema tinha sido discutido com grande intensidade na audição anterior quando os deputados ainda admitiam que existisse um parecer — e o presidente da Parpública agarrou o argumento, invocando que internamente a referida ata era considerada confidencial.

Não obstante, terminou a audição a entregar o documento cuja confidencialidade será avaliada pela mesa da comissão de inquérito que já tem o poder de desclassificar documentos.

Para Jaime Andrez, a demissão dos gestores foi uma decisão do Governo, com a qual não tem “que concordar, mas sim de a formalizar através da uma deliberação unânime por escrito”. E referiu que antes de assinar verificou se o contexto desta decisão cumpre as peças que são normais numa decisão desta natureza. “Se estão identificados os factos, as violações e incumprimentos da lei e se estava avaliada a gravidade das situações para uma decisão final. Estando todas estas peças numa deliberação eu assino”.

Uma nega do Governo e um parecer que afinal não existe

Ainda antes das primeiras audições da semana, na quarta-feira, a comissão parlamentar de inquérito à gestão pública da TAP aqueceu com a “nega” do Governo em entregar aos deputados a fundamentação jurídica que sustentou a demissão da presidente executiva, Christine Ourmières-Widener e do chairman Manuel Beja. O requerimento do PSD pedia também um eventual parecer jurídico que comprovasse a tal “decisão juridicamente blindada” de que falou Fernando Medina quando questionado sobre o risco de litigância e do pagamento de indemnizações milionárias à gestora por fragilidade na argumentação jurídica do Estado.

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A recusa assinada pelos ministérios de João Galamba e Fernando Medina começou por invocar que o pedido saía fora do âmbito da comissão cujo objeto está focado entre 2020 e 2022, mas que não exclui outros períodos. Mas no dia seguinte, duas ministras — Mariana Vieira da Silva da Presidência do Conselho de Ministros e Ana Catarina Mendes dos Assuntos Parlamentares — invocaram o interesse público, alegando que a divulgação do fundamento jurídico ia fragilizar a posição do Estado numa contestação. E há mesmo um comunicado do ministério de Ana Catarina Mendes que refere de forma expressa a existência de um “parecer em causa”, argumentando que não cabe no âmbito da Comissão Parlamentar de Inquérito e a sua divulgação envolve riscos da defesa jurídica da posição do Estado.

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E foi esta referência ao parecer e depois das declarações de Fernando Medina de que a decisão estava “juridicamente blindada” que levou à exigência da sua divulgação. Mas, e enquanto a comissão de inquérito ouvia os gestores ligados à Parpública, era numa sala a uns metros dessa que a bomba caia. Fernando Medina, numa audição sobre o programa de estabilidade, garantia: não existe parecer adicional nem se justificaria que se existisse. Assume que a decisão está blindada juridicamente pela auditoria da IGF que considerou o acordo para a saída de Alexandra Reis com o recebimento de uma indemnização de quase 500 mil euros um ato nulo.

“Não há nenhum parecer, a ideia que se criou de que haveria um parecer… não há nenhum parecer adicional àquilo que é a base da justificação da demissão, que é mais do que suficiente para quem a leu, relativamente ao parecer da Inspeção Geral de Finanças”, assumiu o ministro das Finanças, para voltar a afirmar a mesma ideia dentro da comissão e fora, aos jornalistas, onde ainda disse que ia analisar a entrega da documentação pedida, mas que isso era um não assunto, porque o Governo nunca recusou informações à comissão de inquérito.

Só que deixou na dúvida sobre se irão ser entregues as comunicações pessoais relacionadas com o assunto. À margem da comissão ainda declarou que “não só me aconselhei, como ouvi, como só tomei decisão depois de termos pedido avaliação integral e completa à IGF e que concluiu pela existência de uma ilegalidade”, dizendo que “quando se transforma o parecer da IGF no que é a comunicação de intenção de despedimento contámos com a participação de vários juristas incluindo os juristas da Jurisapp”.

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A Iniciativa Liberal e o Chega já disseram que iam pedir à Jurisapp a documentação sobre o assunto. Fernando Medina já tinha dito que o processo ia ser tratado pela Jurisapp, tendo em março negado que tinha pedido pareceres externos. E foi aí que disse que as destituições estavam blindadas juridicamente. Para os deputados da oposição, assumir como argumento de destituição a auditoria da IGF não é uma blindagem jurídica.

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