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The Print Collector/Print Collector/Getty Images

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O desejo sexual feminino não se resolve só com comprimidos

Não existe no mercado um medicamento que ajude as mulheres como o Viagra ajudou os homens, mas a origem do problema também não é comparável.

A autoridade norte-americana do medicamento (FDA, Food and Drug Administration) pode estar prestes a autorizar a venda de flibanserina para tratar mulheres que sofram de uma redução do desejo sexual. “Qualquer facilitador do desejo feminino é uma ajuda”, nota Sandra Vilarinho, presidente da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica. “Mas se acho que vai resolver o problema da falta de desejo? Não.”

Sandra Vilarinho explica que o problema da falta de desejo sexual não é exclusivamente biológico. Está relacionado com a forma como a mulher encara o próprio corpo, a imagem e a sexualidade, ou com a relação que mantém com o parceiro sexual. “Quando não há harmonia, quando não há partilha, até quando não há partilha das atividades domésticas, pode haver uma diminuição do desejo sexual”, diz a psicóloga.

A terapeuta sexual alerta que o desejo de uma mulher depende da disponibilidade emocional, intelectual, erótica e física (tanto a nível hormonal, como de cansaço). E em relação à maior parte destas condições “uma pílula pode não fazer nada”. “Não se pode pensar que o desejo sexual se esgota em termos biológicos. Pensar assim vai criar uma ilusão que pode resultar em desilusão.”

“Não se pode pensar que o desejo sexual se esgota em termos biológicos. Pensar assim vai criar uma ilusão, que pode resultar em desilusão.”
Sandra Vilarinho, presidente da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica

A médica Carla Rodrigues, que pertence ao Núcleo de Sexologia da Sociedade Portuguesa de Ginecologia, concorda que não será este ou qualquer outro medicamento do tipo que vai ajudar a resolver a baixa autoestima, problemas de relacionamento com o parceiro ou o cansaço. O fármaco pode ajudar nos casos em que as mulheres têm realmente um problema biológico, mas primeiro é preciso perceber se a causa não é outra. “Mas é difícil perceber porque as pessoas não querem dizer tudo”, diz a ginecologista.

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Para a presidente da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica, Sandra Vilarinho, este medicamento pode ser “mais um recurso, um facilitador em algumas situações, mas a dimensão biológica é apenas uma das varetas deste imenso chapéu que é a falta de desejo sexual”. Com isto quer dizer que mesmo que o medicamento potencie a libertação de determinadas hormonas que podem favorecer o desejo sexual isso, por si só, não é suficiente para resolver o problema.

'Twixt Love and Duty', 1914. World War I postcard, showing a British officer saying farewell to a loved one and answering the call to duty. (Photo by Ann Ronan Pictures/Print Collector/Getty Images)

‘Twixt Love and Duty’, 1914 – Ann Ronan Pictures/Print Collector/Getty Images

Enquanto terapeuta sexual, Sandra Vilarinho lembra que “a falta de desejo é um sinal que algo não está bem” e considera que o problema se resolve com o casal num caminho que ambos têm de percorrer. É um risco pensar que a falta de desejo sexual se pode tratar apenas com um medicamento e que isso evite que as mulheres resolvam outros problemas, como problemas na relação, excesso de trabalho ou depressão. Carla Rodrigues recomenda aos casais que tentem sair das rotinas e que tentem melhorar as fantasias sexuais.

Que medicamento é este?

O medicamento flibanserina poderá vir a ser autorizado nos Estados Unidos para mulheres na fase de pré-menopausa – que inclui toda a vida sexual da mulher até ao aparecimento dos primeiros sinais da menopausa. No entanto é na fase da peri e pós-menopausa – que se iniciam com os primeiros sinais de menopausa – que ocorrem as maiores modificações a nível biológico: há alterações nas hormonas e no aparelho reprodutor feminino.

A diminuição da produção de hormonas como os estrogénios durante a menopausa, leva também a uma diminuição da produção da hormona dopamina – que atua na sensação de recompensa e prazer -, refere a ginecologista Carla Rodrigues. Além disso, a diminuição dos estrogénios tem consequências físicas – “dimimui a vascularização dos órgãos genitais, levando a uma atrofia dos órgãos e a uma menor lubrificação”, explica a médica. A boa notícia é que o tratamento hormonal de substituição pode resolver esta situação.

A terapeuta sexual Sandra Vilarinho considera que “quando uma mulher se convence que vai perder o desejo por causa da menopausa, isso acontece mesmo”, mas lembra que com os medicamentos que ajudam a controlar as alterações biológicos uma mulher na menopausa pode ter uma vida sexual “tão satisfatória como na pré-menopausa”.

Uma mulher na menopausa pode ter uma vida sexual tão satisfatória como na pré-menopausa.
Sandra Vilarinho, presidente da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica

Não se sabe exatamente a causa da perda ou declínio do desejo sexual, refere a BBC, mas parece que o circuito cerebral de recompensa está envolvido. Uma das teorias apontadas pela BBC para a falta de desejo sexual, está relacionada com a incapacidade de algumas mulheres “desligarem” das tarefas diárias. Como resultado o circuito de recompensa que lida com motivação e prazer fica inibido.

O laboratório que produz flibanserina – Sprout Pharmaceuticals – tinha intenções de usar o fármaco como antidepressivo, mas não conseguiu resultados significativos nos ensaios clínicos. No entanto verificou que um dos efeitos secundários nas mulheres parecia ser um aumento do interesse sexual. Apesar de terem mudado o objetivo dos ensaios clínicos, a empresa farmaceutica não conseguiu provar um efeito significativo no aumento do desejo sexual e o medicamento flibanserina foi rejeito pela FDA em 2010.

Apesar dos testemunhos de algumas mulheres, incluindo algumas ouvidas esta semana pelo painel de especialistas da FDA, indicarem que o medicamento aumenta o desejo sexual, os ensaios clínicos demonstram apenas uma melhoria moderada. Além disso, os efeitos secundários, como sonolência, tonturas ou náuseas continuam a ser uma das preocupações da agência. Outra preocupação são a falta de estudos sobre os efeitos a longo prazo de um medicamento que requer uma toma diária.

'Which of them is more overcome?', 1799. Plate 27 of 'Los caprichos'. Los Caprichos were published in 1799 at a time of social repression and economic crisis in Spain The series is evidence of the artist's political liberalism and revulsion towards ignorance and intellectual oppression. (Photo by Art Media/Print Collector/Getty Images)

‘Which of them is more overcome?’, 1799 – Art Media/Print Collector/Getty Images

“A combinação de uma prova de eficácia não muito robusta e o facto de o perfil de segurança não estar bem caracterizado fez-nos concluir que não estaria pronto para aprovação”, disse Sandra Kweder, vice-diretora do Gabinete de Novos Fármacos da FDA, citada pela NPR. Mas sobre a FDA caem acusações de que está a ser demasiado exigente e pouco preocupada com os problemas sexuais femininos. Do outro lado estão aqueles que argumentam que a indústria farmacêutica quer tornar todas as doenças tratáveis com comprimidos.

Desde o aparecimento do Viagra para os homens que se pensa encontrar um equivalente para a mulher. O princípio ativo (sildenafil) do comprimido azul tem efeito na circulação sanguínea, melhorando a irrigação do pénis para permitir a ereção e a manutenção da mesma. Foi usado nas mulheres, mas a melhoria da circulação sanguínea nos genitais não mostrou efeitos significativos no aumento do desejo sexual. Mas mesmo nos homens o medicamento não resolve todos os problemas.

A testosterona também foi usada em alguns países da Europa, com objetivo de melhorar o desejo nas mulheres durante a menopausa, lembrou Carla Rodrigues, mas acabou por ser retirada para este tipo de utilização. Atualmente, refere a médica, estão em estudo fármacos que combinam dois princípios ativos: testosterona e sildenafil ou testosterona e buspirona (antidepressivo).

“A maior parte dos antidepressivos têm um efeito negativo na libido.”
Bernardo Barahona Corrêa, consultor na Unidade de Neuropsiquiatria da Fundação Champalimaud

“A maior parte dos antidepressivos tem um efeito negativo na libido”, refere Bernardo Barahona Corrêa, consultor na Unidade de Neuropsiquiatria da Fundação Champalimaud. Esses antidepressivos têm um efeito direto na serotonina – a hormona que regula, entre outras coisas, a ansiedade e o humor, mas também a locomoção, a fome e a líbido. Os antidepressivos fazem com que a serotonina – um neurotransmissor que tranporta mensagens entre dois neurónios – esteja mais tempo disponível nas sinapses – o espaço entre os neurónios -, promovendo os efeitos benéficos na regulação da ansiedade, por exemplo.

Mas a serotonina nas sinapses também acaba por bloquear alguns receptores e diminuir a líbido. O que flibanserina faz é impedir que a serotonina se ligue a esses recetores da líbido que ficam disponíveis para a dopamina. O fármaco promove também a libertação desta hormona, aumentando a sensação de motivação e recompensa. Bernardo Barahona Corrêa lembra que ainda existem poucas evidências que este fármaco seja realmente eficaz a cumprir o objetivo a que se destina.

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