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Devolver a ajuda pública. O que distingue a TAP da Lufthansa e da Air France?

Companhias como a Lufthansa e a Air France já pagaram ao Estado, mas regime de ajudas não foi igual ao aplicado à TAP cujo plano não impõe essa devolução. Estado só recebe se vender ou via dividendos.

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É uma comparação recorrente quando se discute a ajuda pública do Estado à TAP. Outras companhias europeias ajudadas pelos respetivos Estados, designadamente a Lufthansa e a Air France/KLM — os mesmos grupos apontados como candidatos à privatização da companhia portuguesa —, devolveram os apoios públicos que receberam para sobreviver aos efeitos da pandemia. E a TAP não. De cada vez que a pergunta é feita ao Governo a resposta confirma a expectativa. Não devolveu, nem vai devolver (nem era suposto devolver). O que não é o mesmo que dizer que o Estado português não irá recuperar uma parte dos 3,2 mil milhões de euros que se comprometeu a dar à TAP, dos quais 2,5 mil milhões de euros são ajuda pública.

Recentemente a dúvida foi levantada pela presidente Conselho das Finanças Públicas (CFP). Nazaré da Costa Cabral defendeu que o Estado deve recuperar os montantes das injeções à TAP, criticando a ideia de que estes recursos serão a fundo perdido. Para a responsável do CFP, “a ideia que passou junto da opinião pública” é que “os valores de recapitalização” da TAP “praticamente poderiam ser considerados como dados a fundo perdido, sem perspetiva de recuperação”. E a “mensagem no caso da TAP” de que “todo esforço financeiro que foi feito pelos contribuintes não vai ser recuperado deveria ser outra”.

Nazaré da Costa Cabral defende que Estado deve recuperar injeções de capital na TAP

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Numa audição parlamentar, a presidente do Conselho de Finanças Públicas considerou que o discurso em relação à transportadora “contrasta com o que aconteceu com outras companhias aéreas que tiveram uma situação complicada durante a pandemia e que foram fortemente apoiadas pelos estados durante a pandemia, mas logo que a situação de lucro voltou tiveram a preocupação de reembolsar o Estado”.

Para explicar as diferenças entre esses casos e a TAP é preciso recuar a uma discussão que existiu em Portugal em 2020 sobre a opção de regime jurídico escolhido por Portugal para pedir e negociar as ajudas à companhia com a Comissão Europeia. Ou da inevitabilidade de cair no regime europeu de resgate e reestruturação.

Com os aviões todos em terra, Bruxelas criou um regime excecional e temporário que permitiu aos Estados membros contornarem essas limitações e dar apoio financeiro às empresas do setor sem aplicar a regra de resgate e reestruturação que é usada para as ajudas às companhias em situação económica difícil.

O apoio público à TAP: uma decisão necessária

Mas a TAP não era elegível para este regime, como explicou o então ministro Pedro Nuno Santos, porque era uma empresa já com dificuldades económicas e financeiras antes da pandemia e porque tinha um rácio negativo de capitais próprios da holding SGPS causado sobretudo pelas perdas da VEM no Brasil. O acionista privado da TAP (David Neeleman) contestou esta decisão das autoridades portuguesas, defendendo que teria sido viável receber ajuda pública no quadro de um regime mais favorável e essa divergência foi uma das razões que levou à tomada de controlo da empresa por parte do Estado, comprando a participação do empresário por 55 milhões de euros em julho de 2020.

Esta condicionalidade faz com que as ajudas recebidas pela TAP tenham um enquadramento legal distinto das permitidas a companhias saudáveis e lucrativas até à pandemia, como são os casos muito citados da Lufthansa e da Air France/KLM. Os compromissos assumidos pelas empresas e respetivos estados também não têm a mesma amplitude.

Que ajudas estão a receber as companhias aéreas? Que cortes têm de fazer? A TAP é exceção?

Plano da TAP não prevê reembolso de injeção pública

O primeiro passo da ajuda à TAP foi um empréstimo de emergência de 1,2 mil milhões de euros do Estado, que chegou no verão de 2020 para evitar o colapso financeiro e incumprimento de pagamentos.

Pelas regras europeias, a empresa tinha seis meses para o reembolsar — o que toda a gente sabia que seria inviável num contexto de agravamento pandémico. Findo este prazo, o apoio era considerado uma ajuda de Estado e exigia a apresentação de um plano de reestruturação financeira e operacional, que desse garantias de que a empresa seria económica e financeiramente sustentável a longo prazo, sem novos apoios públicos. Sendo qualificado como uma ajuda de Estado, não estava em causa a sua devolução, uma vez que a injeção não foi feita como um investimento com perspetiva de retorno como seria expectável se estivesse em causa uma entrada de dinheiro privada.

Quanto recebeu a TAP e quanto é a ajuda pública

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A conta simples de dividir os 3,2 mil milhões de euros por 10 milhões de portugueses, feita por vários críticos da intervenção na TAP, dá 320 euros por pessoa. Mas se este bolo está correto, nem todo o valor corresponde efetivamente a uma ajuda do Estado. De acordo com a classificação dada a Comissão Europeia, a TAP recebeu dois tipos de ajuda.

  • 2,55 mil milhões de euros de ajuda de Estado que incluem o empréstimo inicial de 1,2 mil milhões de euros concedido em 2020. Esta soma foi convertida em capital e a última tranche de 980 milhões de euros foi aprovada no final de 2022, mas falta subscrever 686 milhões de euros, o que será feito até 2024.
  • 650 milhões de euros divididos em três tranches para compensar a empresa pelos prejuízos causados por impedimentos legais adotados por vários países e autoridades à realização de voos durante o período da pandemia.

O empréstimo de 1.200 milhões de euros foi convertido em capital, tal como o apoio adicional que o Estado viria a dar à TAP. Em troca teria de ser executado um plano que envolvesse, a par de dinheiro público — que no caso da TAP foi elevado face à dimensão da empresa (2,5 mil milhões de euros) —, um esforço financeiro interno do beneficiado, que representasse metade da intervenção. Fosse através da venda de ativos (que na TAP eram poucos), por cortes operacionais (redução de frota e da oferta, ainda que temporária), ou por redução de custos laborais (foram aplicados cortes transversais de 25% nos salários e houve centenas de contratos não renovados).

Medidas que, receavam muitos, resultariam numa “TAPzinha”. A negociação com Bruxelas foi dura e demorou muito mais tempo que o previsto pelo Governo, porque foi aberta uma investigação aprofundada e a luz verde só chegou em dezembro de 2021.

Pedro Nuno Santos e João Galamba. Sines

Estratégia para a TAP mantém-se, apesar da substituição de Pedro Nuno Santos por João Galamba

LUSA

Além da sustentabilidade financeira, o plano exigia remédios para compensar potenciais efeitos de distorção, sobretudo num aeroporto congestionado como o de Lisboa. A TAP teve de ceder os 18 slots. O plano de reestruturação aprovado pela Comissão Europeia previa que a TAP fosse ao mercado provar que conseguia financiamento privado (dívida), o que ainda não aconteceu, e começasse a reembolsar uma parte da ajuda pública que recebeu a partir de 2025, quando estava previsto que desse o primeiro lucro. Mas essa devolução seria feita através do pagamento de dividendos (a um ritmo muito gradual e se o Estado se mantiver acionista), como explicou o demitido chairman, Manuel Beja, numa audição parlamentar. Aliás, à semelhança da ajuda à Caixa Geral de Depósitos que foi feita através de injeção de capital do Estado. Paulo Macedo, presidente do banco, tem falado na “devolução aos contribuintes do esforço tido no âmbito do processo de recapitalização”, o que é feito pela instituição financeira pública através dos dividendos.

TAP só terá condições de devolver ajuda do Estado a partir de 2025 via dividendos e não será fácil

Outra forma de devolução de uma parte dos apoios, a mais curto prazo, é a venda do capital da TAP a privados. É uma operação que está já no mercado e que o primeiro-ministro quer concluir este ano. Mas quando anunciou o calendário, António Costa admitiu logo o cenário de a receita da privatização ficar aquém dos 3,2 mil milhões de euros injetados pelo Estado. Os defensores da intervenção do Estado acenam com o impacto positivo na economia da TAP pelo turismo, exportações e compras a fornecedores portugueses, mas essas são outras contas.

Costa espera avançar com venda da TAP nos próximos 12 meses. Lufthansa já pode fazer compras

O plano aprovado por Bruxelas não prevê que a empresa devolva a totalidade da ajuda pública ao Estado, nem sequer obriga Portugal a vender a TAP. A privatização que está em curso é uma decisão do Governo que tem fundamentos económicos e financeiros, mas também políticos.

Por um lado, como tem sido repetido pelo ex-ministro, Pedro Nuno Santos, e pelo atual, João Galamba, a TAP é das poucas companhias de bandeira que está fora de um grupo empresarial que lhe dê escala e a sua integração é considerada fundamental para assegurar a sua viabilidade a prazo. Por outro lado, o Estado ficou impedido de meter mais dinheiro na TAP durante os próximos dez anos. Se nos tempos que correm os resultados são positivos — receitas recorde e com liquidez (em parte pela ajuda de Estado) –, a recente pandemia mostra como a aviação é um setor vulnerável e sujeito a choques de várias naturezas que podem levar uma empresa rentável à falência. E, no cenário de vir a ser preciso mais dinheiro, a integração num grupo de aviação dá acesso mais fácil a capital.

Planos da Lufthansa e Air France têm incentivos e penalizações para acelerar a devolução ao Estado

Nas outras empresas europeias os remédios impostos foram mais suaves e focados na promoção da concorrência em hubs (aeroportos) onde estas empresas tinham grande poder de mercado, através da cedência de slots a outras companhias em Frankfurt e Munique (Lufthansa), e em Paris/Orly (Air France).

Lufthansa, Air France e KLM foram ajudadas pelos respetivos estados ao abrigo de um quadro temporário criado em 2020 no contexto da Covid-19 cuja vigência terminou em junho de 2022, com algumas exceções permitidas até ao final deste ano.

Esta ajuda pública tinha como destinatárias empresas de aviação lucrativas e sustentáveis cuja viabilidade estava a ser posta em causa pelo impacto radical que a pandemia teve na aviação. Em alguns casos, os estados entraram no capital das empresas. Foi o que aconteceu com a Lufthansa que recebeu um resgate de seis mil milhões de euros em junho de 2020. E com a Air France, que teve direito a um financiamento urgente de sete mil milhões de euros com aval do Estado, e, mais tarde, a uma recapitalização de quatro mil milhões de euros.

A KLM, empresa do mesmo grupo, teve acesso a empréstimos garantidos e subordinados subscritos pelo Estado holandês de 3,4 mil milhões de euros.

Estas companhias, tal como a TAP e outras concorrentes europeias, tiveram igualmente acesso a apoios públicos dados pelos respetivos governos para compensar os danos económicos e financeiros diretamente atribuídos à Covid-19, nomeadamente por via das restrições à aviação comercial impostas por vários países em 2020 e 2021. Estas compensações por danos saem do quadro legal das ajudas de Estado para o setor da aviação.

As injeções públicas feitas ao abrigo deste regime excecional e temporário resultaram na entrada ou aumentos da posição do Estado no capital das companhias, mas os respetivos planos estabeleciam que estes reforços seriam temporários e previam penalizações à gestão e limitações à estratégia da empresas, enquanto essas ajudas não fossem reembolsadas. Entre essas condicionantes estava o impedimento da atribuição de bónus a gestores, reporte de informação detalhada aos Estados, proibição de aquisição de outras empresas e de subsidiação a participadas. As companhias tinham ainda de remunerar o capital aplicado pelos Estados e foram criados incentivos financeiros para acelerar a devolução das ajudas.

A Lufthansa concluiu a devolução das ajudas do Estado, que chegou a ter 20% do capital, em setembro do ano passado. A venda dos últimos 6,2% do capital ainda em mãos públicas foi concretizada mais de um ano antes do prazo previsto e terá gerado um lucro para o vendedor de 760 milhões de euros. O Estado francês tornou-se o principal acionista da Air France em 2021 na sequência da reconversão de um empréstimo em capital. Em 2022, o grupo anunciou uma emissão de novas ações em bolsa para devolver a ajuda pública, o que concluiu já este ano com um reembolso de 2,5 mil milhões de euros.

As duas operações foram facilitadas pelo regresso aos lucros das duas companhias no ano passado, num ano de forte recuperação de receitas para o setor e que permitiu também à TAP apresentar resultados positivos antes do previsto no plano.

TAP registou lucros de 65,6 milhões em 2022. CEO diz que performance está em linha com metas de 2025

Após estas devoluções, quer a Lufthansa, quer a Air France/KLM estão habilitadas a concorrer à privatização da TAP.

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