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Dia Mundial AVC. As histórias de quem sobreviveu à principal causa de morte em Portugal

Continua a ser a principal causa de morte e incapacidade em Portugal e atinge pessoas de todas as idades, incluindo crianças. No dia mundial do AVC, contamos-lhe histórias de quem reaprendeu a viver.

Foi há quase um ano que Ana Ramos sofreu um AVC. A data não lhe sai da memória – 30 de julho de 2017. Era um domingo como qualquer outro e nada fazia prever que a personal trainer, de 27 anos na altura, passasse por um problema de saúde como este, tão nova. Ela, que não tinha quaisquer fatores de risco conhecidos até então. Recorda-se do momento em que acordou, por volta das oito da manhã, foi à casa de banho, abriu a porta às suas gatas e resolveu voltar para a cama para descansar um pouco mais. “Antes de me deitar, caí no chão, mas nunca perdi os sentidos. Lembro-me de tudo”, conta. O namorado Tiago continuava a dormir e Ana tentou gritar e fazer algum barulho para tentar acordá-lo. “Tentei falar, mas a voz não saía. Ele entretanto acordou e viu que eu estava encolhida no chão.” Estava consciente, mas o corpo não respondia à sua vontade. Um ano e três meses depois, assume que foi uma sorte ter passado por um AVC ao fim de semana e estar acompanhada, algo que não é habitual nos dias úteis.

No momento em que soube que tinha sofrido um AVC, o que mais assustou Ana Ramos foi o facto de não conseguir falar nem de comunicar com a família para partilhar o que sentia.

O namorado percebeu de imediato os sinais de alarme. Ana tinha a “boca de lado, as pupilas dilatadas e não tinha força”. O facto de morar na mesma rua dos Bombeiros de São Martinho do Porto foi decisivo para a rápida assistência, tão importante em situações de AVC. “Lembro-me de estar quase a desmaiar e de a bombeira ter evitado que tal acontecesse. Chegou depois o INEM [Instituto Nacional de Emergência Médica] e fui diretamente para o Hospital de Santa Maria (HSM), em Lisboa [um dos hospitais onde existe uma Unidade de AVC]”, recorda.

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Já em ambiente hospitalar, e quando foi possível receber a visita dos pais e da irmã Daniela, foi-lhe dito que tinha sofrido um AVC. “Não queria acreditar. Fazia exames de rotina duas vezes por ano, por ser dadora de sangue, e estava tudo controlado. Naquele momento, o que mais me assustou foi o facto de não conseguir falar nem de comunicar com a minha família para lhes dizer o que sentia”, diz Ana.

Seguiram-se quinze dias de internamento, durante os quais começou a fazer, desde logo, terapia da fala e fisioterapia. Ao final desse tempo, já conseguia caminhar e dizer algumas palavras. “Comecei por dizer ‘sim’, ‘não’ e ‘mãe’”, recorda. Do ponto de vista físico, atribui a evolução à sua consciência corporal e ao facto de ter feito desporto durante toda a vida, os grandes aliados da sua recuperação. “Tentava sempre movimentar a boca, a mão, a perna e esforcei-me para melhorar.” O caminho era longo, mas Ana tinha muita força de vontade.

Ana Ramos passou por quinze dias de internamento, durante os quais começou a fazer terapia da fala e fisioterapia (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Passado esse tempo, esteve um mês a aguardar por vaga no Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão (CMRA), em  Cascais, onde esteve internada durante três meses, com possibilidade de ir a casa durante o fim de semana. “A perna recuperou a 100% e o braço ainda está um pouco dormente, mas o facto de o tratamento ser intensivo ajudou-me a recuperar bastante.” O AVC afetou-lhe a articulação das palavras e tinha alguma dificuldade em ler porque trocava as letras. “Saí do CMRA a falar como uma espécie de robô, mas, com o treino, fui melhorando”. Apesar de o raciocínio e a memória não terem ficado prejudicados, Ana confessa que pensava muito mais rapidamente do que falava.

Como outras consequências do AVC, destaca a boca dormente que a leva, por vezes, a morder a língua e o lábio. “Não sinto bem a mão direita e não tenho sensibilidade. A motricidade fina [capacidade de realizar movimentos finos com precisão e destreza, como por exemplo, pegar num lápis ou num talher] também ficou afetada. “Era destra, mas tive de aprender a escrever, cozinhar, maquilhar-me e realizar todas as atividades com a mão esquerda”, partilha. Optou por adquirir produtos adaptados à sua nova condição e utensílios de cozinha com um cabo mais grosso para cortar legumes ou descascar fruta. “Tenho também umas canetas maiores para tentar desenvolver a mão direita”, diz. Atualmente, faz terapia da fala, duas vezes por semana, frequentando ainda sessões de terapia ocupacional no Hospital Termal – Centro Hospitalar das Caldas da Rainha.

Ana Ramos faz terapia da fala duas vezes por semana e frequenta ainda sessões de terapia ocupacional (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

AVC na gravidez

Já Isabel Miranda tinha 38 anos e estava grávida de 21 semanas quando teve um AVC isquémico [enfarte cerebral]. Estava sozinha em casa a ver um programa de televisão. Tentou levantar-se e não conseguiu. “Deixei de ver, de ouvir e fiquei sem força. Escorreguei do sofá para o chão e, não sei como, consegui pegar no telemóvel e ligar para a minha mãe para pedir ajuda. Ela conseguiu perceber que eu não estava bem e foi ter comigo”, recorda, passados oito anos. Hoje, com 46, afirma que nunca perdeu a consciência, mas a memória, essa, não esqueceu a angústia do momento.

Isabel estava sozinha em casa a ver um programa de televisão. Tentou levantar-se e não conseguiu. “Deixei de ver, de ouvir e fiquei sem força". (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

A morar em Cheleiros, concelho de Mafra, acabou por ser levada para o HSM, sem perceber o que lhe acabara de acontecer. Até então, a gravidez decorrera com normalidade. “Na altura, não assimilei muito bem as coisas. Só passado um tempo é que percebi que tinha tido um AVC. Acabei por ficar internada no Serviço de Neurologia do HSM durante cerca de um mês, porque só me davam alta quando houvesse vaga noutro hospital ou clínica para começar a fazer reabilitação”, explica. Seguiu-se um mês no CMRA para recuperação, mas o regresso ao HSM acabou por ser necessário porque o filho Rúben “quis” nascer mais cedo. Foi realizada então uma cesariana pois era arriscado submeterem Isabel a um parto natural. Enquanto recuperava do AVC, o filho era seguido no Serviço de Neonatologia, por ter nascido prematuro. Um duplo desafio que a mãe teve de enfrentar, em ambulatório, seguindo-se dois meses de novo internamento em Alcoitão para continuar a recuperação através de sessões de fisioterapia, terapia ocupacional, atividades da vida diária e terapia da fala.

“Apesar do tempo que passou, continuo a não aceitar muito bem o que me aconteceu. Tenho receio de voltar a ter um episódio, mas esforço-me para não pensar nisso.”
Isabel Miranda, 46 anos

A maior consequência do AVC foi a hemiparesia direita [paralisia parcial direita] e, apesar de ter conseguido recuperar a fala, há palavras que ainda não consegue articular, sobretudo nos momentos em que se sente mais nervosa. A viver sozinha com o filho, hoje com sete anos, é dependente de outros para realizar algumas tarefas domésticas. “Por exemplo, demoro duas horas a fazer uma sopa pois tenho dificuldade em descascar legumes”, explica. Nos momentos em que se sente mais em baixo, é a Rúben que se agarra e encontra a sua força. “É um menino muito rebelde, mas tem aqueles momentos em que se abraça e diz que gosta muito de mim, e isso derrete-me o coração”, conta, num tom de voz confortado pelo riso tímido.

Isabel Miranda, grávida de 21 semanas, teve um AVC isquémico [enfarte cerebral]. O filho acabaria por nascer prematuramente (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

A nível profissional, os casos de Ana e Isabel são distintos. A personal trainer voltou aos treinos e continua a dar aulas num ginásio das Caldas da Rainha. Isabel era chefe de secção num supermercado, mas foi obrigada a solicitar reforma antecipada depois de três anos de baixa médica. “O facto de a minha profissão estar associada a muito stress, e devido a algumas limitações com que fiquei, não podia continuar a trabalhar”, afirma.

Perante um dos três sinais de alerta, conhecidos como 3 F’s (fala alterada, força diminuída ou face desviada), há que contactar o 112. O tempo pode ser a diferença entre a vida e a morte e sequelas mais graves ou mais ligeiras.

Atualmente, Isabel realiza terapias duas vezes por semana no ACES Oeste Sul e os dias são passados em casa. Deixou de conduzir, mas já realizou um teste para saber o que seria necessário alterar numa viatura para conseguir voltar a fazê-lo. “A mudança é muito dispendiosa e como fiquei com alguns problemas financeiros depois da doença, não consigo assegurar esse valor”, desabafa. É a pé que vai levar o filho à paragem de autocarro para a ida e o regresso da escola, deslocando-se de táxi quando não tem outra hipótese pois tem dificuldades em subir para os transportes públicos convencionais. Resquícios de um episódio que aconteceu há oito anos, mas que continua a deixar marcas. “Apesar do tempo que passou, continuo a não aceitar muito bem o que me aconteceu. Tenho receio de voltar a ter um episódio, mas esforço-me para não pensar nisso”, revela Isabel.

“Enquanto que cerca de metade dos doentes levados por ambulância, acionada pelo 112, consegue fazer tratamentos mais eficazes, apenas um décimo dos doentes levados à urgência por particulares chega a tempo.”
Elsa Azevedo, médica neurologista

Os familiares de Ana e Isabel fizeram o que os especialistas recomendam como mais indicado. Perante um dos três sinais de alerta, conhecidos como 3 F’s (fala alterada, força diminuída ou face desviada), há que contactar o 112. O tempo pode ser a diferença entre a vida e a morte e sequelas mais graves ou mais ligeiras. “Depois de um contacto para o 112, é ativada a Via Verde do AVC e uma ambulância irá buscar o doente para levá-lo para o hospital mais próximo ou adequado, que tenha todos os cuidados necessários. No caminho, o doente vai sendo avaliado, o hospital é avisado, entra na urgência com prioridade, e é visto de imediato pela equipa médica especializada em AVC. A vinda do doente através da ligação ao 112/INEM reduz assim o tempo entre o início dos sintomas e o tratamento, facilitando a recuperação”, explica Elsa Azevedo, médica neurologista, diretora do Serviço de Neurologia do Centro Hospitalar de São João (CHSJ), no Porto, e vice presidente da Sociedade Portuguesa do Acidente Vascular Cerebral (SPAVC).

Desde que a Via Verde do AVC foi criada, em 2006, mais de 31 mil doentes tiveram acesso a um tratamento mais eficaz e célere.

Segundo dados divulgados pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS), no ano de 2017, o INEM registou 3.138 casos de AVC encaminhados para a Via Verde do AVC, uma média de nove casos por dia. “Os distritos de Lisboa e Porto registaram o maior número destes encaminhamentos, com 692 e 635 casos, respetivamente. Seguiram-se Braga, com 263 casos, e Setúbal, com 242”, reforça informação publicada no site do SNS. “Enquanto que cerca de metade dos doentes levados por ambulância, acionada pelo 112, consegue fazer tratamentos mais eficazes, apenas um décimo dos doentes levados à urgência por particulares chega a tempo”, reforça a médica neurologista Elsa Azevedo. Desde que a Via Verde do AVC foi criada, em 2006, mais de 31 mil doentes tiveram acesso a um tratamento mais eficaz e célere.

AVC aos cinco anos

A médica neurologista Elsa Azevedo ajuda-nos a perceber o que acontece quando ocorre um AVC. “Quando uma artéria que leva sangue para o cérebro tapa, impedindo o sangue de chegar a uma parte do cérebro, que assim morre por falta de oxigénio e alimento, dá-se o AVC isquémico (ou enfarte cerebral). Quando uma artéria que leva sangue para o cérebro rebenta, causa uma hemorragia. Esse sangue derramado pode formar um grande hematoma que comprime uma parte do cérebro que fica destruída dando-se o AVC hemorrágico (ou hemorragia cerebral).” Em ambos os casos, há uma parte do cérebro que deixa de funcionar, podendo comprometer a funcionalidade do corpo. “A gravidade será maior quanto maior a parte afetada, e também de acordo com as funções da zona cerebral atingida”, sublinha a médica.

O AVC pode afetar pessoas de todas as idades, com ou sem fatores de risco: homens, mulheres, crianças, e idosos. Esta é uma realidade que muitos desconhecem. “Apesar de a probabilidade de ter um AVC aumentar com a idade, há muitas condições que podem facilitar a sua ocorrência, na criança ou no jovem”, explica Elsa Azevedo.

Patrícia Andrade, 33 anos, é mãe de Mélanie, de seis, e de Kevin, de dois. “Nunca tinha ouvido falar da possibilidade de uma criança ter um AVC. Em Portugal, não encontrei casos, apenas um no Brasil”, conta ao Observador. Foi a 7 de fevereiro deste ano que o inesperado aconteceu. A data permanece no tempo e marca o início de uma vida diferente. “A minha filha já tinha recorrido ao hospital em outubro de 2017 tendo-lhe sido diagnosticada uma doença intitulada drepanocitose [também conhecida como anemia das células falciformes]”, explica a mãe. Desde então, passou a ser seguida no Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, Lisboa. Em janeiro deste ano, deu nova entrada com uma dor no peito, acabando por ficar internada.

“Apesar de a probabilidade de ter um AVC aumentar com a idade, há muitas condições que podem facilitar a sua ocorrência, na criança ou no jovem.”
Elsa Azevedo, médica neurologista

Dias depois, voltou a queixar-se de dores, desta vez, nas pernas e no braço. “Os médicos pensavam que poderia ser alguma crise. Com apenas cinco anos, não conseguia explicar muito bem o que sentia. Acabou por ficar novamente em situação de internamento”, recorda Patrícia. Seguiram-se alguns exames, medicação, e apesar do acompanhamento médico, houve uma manhã, que Patrícia e o marido, Celestino Tamba, acharam a filha muito “lenta e distante”. Foi então que um outro médico notou alguns sinais de alerta, como uma fissura labial para o lado esquerdo. Depois da realização de uma Tomografia Axial Computorizada (TAC), foi reencaminhada para o HSM, onde deu entrada nos cuidados intensivos. “Disseram-nos que ela teve um AVC isquémico do lado direito com consequências no lado esquerdo, nomeadamente, paralisia na perna e no braço, e uma fissura labial.”

Mélanie tinha 5 anos quando teve um AVC isquémico (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Os pais ficaram apreensivos a partir desse momento. Não sabiam como Mélanie iria reagir, se voltaria a falar, a andar, e se iria ficar bem. “No primeiro dia, ela conseguiu falar connosco e dizer o seu nome. Estava consciente apesar de não saber o que se tinha passado com ela”, diz a mãe. Cinco dias depois, passou para o internamento geral pediátrico, onde deu logo início a fisioterapia e realizou alguns exames complementares de diagnóstico. “Descobriu-se que ela teve uma dissecação da carótida. O que nos explicaram os neuropediatras é que a ocorrência do AVC foi independente da sua doença. Podia acontecer a outra criança que não tenha a mesma patologia que a nossa filha”, afirma.

“Nunca saí de perto da minha filha. As enfermeiras insistiam para que fosse a casa descansar mas jamais a deixaria sozinha.” 
Patrícia Andrade, mãe de Mélanie, menina que sofreu um AVC aos cinco anos

Depois de um mês de internamento no HSM, e já a conseguir mexer um pouco o braço, mas com pouca sensibilidade na perna, continuou a restante recuperação no CMRA, onde mãe e filha ficaram quatro meses consecutivos. “Nas primeiras três semanas, esteve numa cadeira de rodas, mas passado este período, conseguiu ficar em pé, sem ajuda. Teve de andar com um andarilho, onde começou a dar os primeiros passos, e realizava atividades durante todo o dia, era muito intenso mas essencial para a recuperação.”

Patrícia trabalhava no backoffice de uma empresa, mas teve direito à licença de assistência a filho com doença crónica ou deficiência, com a duração de seis meses, renovável por quatro anos, assegurada pela Segurança Social. “Nunca saí de perto da minha filha. As enfermeiras insistiam para que fosse a casa descansar mas jamais a deixaria sozinha”, conta. O pai Celestino continuou a trabalhar mas sentiu necessidade de adaptar os horários para poder apoiar o filho Kevin. “Enquanto casal, estivemos muito tempo separados, o meu filho ficou mais carente e sei que sentiu a minha falta mas a prioridade, naquele momento, era a Mélanie. Não foi fácil ficarmos separados mas olhando para o estado atual da nossa filha, sabemos que valeu a pena o esforço”, explica.

Aos fins de semana, quando a situação já estava mais estável, iam ambas a casa para estar em família e atenuar as saudades impostas pelo AVC. “Foi muito complicado porque o Kevin tinha pouco mais de um ano e perguntava pela mãe. Não temos familiares diretos em Portugal, e contámos sobretudo com amigos que nos ajudaram em tudo o que precisámos, sobretudo, a tomar conta dele”, recorda.

Apesar de a probabilidade de ter um AVC aumentar com a idade, há muitas condições que podem facilitar a sua ocorrência, na criança ou no jovem (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Mélanie saiu de CMRA pelo próprio pé, a andar, em julho deste ano. “Consegue correr atrás das amigas, fazer a vida como crianças da sua idade, mas ainda não agarra em alguns objetos porque o braço é mais preguiçoso. Felizmente, a parte neurológica não ficou afetada”, diz a mãe. Neste último verão, a família conseguiu tirar três dias de férias, no Alentejo, e Mélanie entrou em setembro passado, no primeiro ano, conciliando a escola com sessões de terapia ocupacional e fisioterapia, duas vezes por semana, no Hospital Beatriz Ângelo. Faz também hidroterapia a nível privado, custo assegurado pelos pais.

O trabalho de casa também não é descurado. “Insistimos muito para que ela use o braço. Como escreve com a mão direita, acha que não precisa da esquerda mas nós vamos incentivando constantemente”. É um recomeço, exigente, mas com a certeza de que a pior fase já foi superada.

Depois do AVC, uma família e um negócio

Dário Madeira esteve um ano e meio sem falar e chegou a tomar 19 medicamentos por dia (Maria João Gala / Global Imagens)

Maria João Gala / Global Imagen

Aos 43 anos, Dário Madeira consegue descrever o que têm sido estes últimos anos desde o dia em que sofreu um AVC, tinha 34, a mesma idade que o seu pai tinha quando faleceu. Coincidências que o fizeram agarrar-se à vida depois de uma recuperação que ainda dura, repleta de desafios. Também decorou o dia em que tudo mudou: 1 de novembro de 2009, um domingo aparentemente comum, em que iria jantar com os pais da namorada Elisabete [hoje, atual esposa] para pedir a mão da filha em namoro, “à antiga”, como sublinha. Estava em casa da namorada, sentiu-se mal, e a partir daí, “parou tudo”. Não se lembra de mais nada, apenas da sensação de não estar no mundo tal como o conhecia.

Foi encaminhado para o Hospital de Santa Maria da Feira (HSMF), perto da sua área de residência, sendo depois transferido para o Hospital de Santo António (HSA), no Porto, onde existe uma Unidade de AVC. Foram seis meses de internamento, sendo o primeiro deles, o mais difícil. “Foi mesmo muito complicado. Sempre que vou ao Porto faço questão de agradecer aos médicos e aos enfermeiros que cuidaram de mim. Foram eles que me salvaram a vida”, destaca. A recuperação de Dário foi muito difícil. Esteve um ano sem andar e sem falar. “Voltei a ser um bebé, tive de aprender tudo do início, como por exemplo, as letras do abecedário”, explica. No entanto, recorda-se de estar consciente e de ouvir as conversas que a equipa médica tinha com a sua mãe, irmã ou namorada, e de perceber que a previsão era a de que estaria condenado a uma cama ou cadeira de rodas. “Foi angustiante. Como é que uma pessoa da minha idade poderia pensar nesse desfecho?”, questiona.

Ao fim do semestre de internamento, regressou ao HSMF para começar nova fase de recuperação. “Tinha muita vontade de voltar para casa e regressar à minha vida”, diz. Saiu de cadeira de rodas para casa da irmã que tinha mais condições para viver na sua nova situação [a da mãe tinha muitas escadas e não estava tão adaptada a quem tinha acabado de sofrer um AVC] e ia ao hospital, todos os dias, fazer fisioterapia e outras terapias. Com uma enorme vontade de ultrapassar os seus limites, ainda esteve um ano e meio sem falar. “Comecei depois, aos poucos, a recuperar”, conta.

“Foi mesmo muito complicado. Sempre que vou ao Porto faço questão de agradecer aos médicos e aos enfermeiros que cuidaram de mim [do Hospital de Santo António]. Foram eles que me salvaram a vida.” 
Dário Madeira

Antes do AVC, Dário era comercial na área das peles e calçado, viajava regularmente, e tinha uma profissão muito desgastante. Atribui o que lhe aconteceu ao stress, e ao facto de ignorar uma “certa impressão na cabeça” que sentia há algum tempo. “Tomava um comprimido e continuava a minha vida”, confessa. Ano e meio depois, foi viver para casa da namorada, apesar de lhe dizer constantemente que ela “tinha de voar e de continuar a fazer a sua vida”. Elisabete respondia-lhe: “estou sempre ao teu lado”. E esteve.

Consumido com a exigência das sessões, e cansado de estar numa cadeira de rodas, decidiu começar a tentar andar. Passo a passo, insistia, determinado. “Tentava superar-me constantemente, demorava uma hora a fazer 100 metros, mas não desistia”, partilha. Em 2015, acabou por comprar um carro automático para poder voltar a conduzir. No mesmo ano, nascia a filha Francisca. No dia em que comemorou o seu primeiro aniversário, Dário e Elisabete casaram e batizaram a filha. “Foi um momento muito marcante para toda a família”, conta Dário.

No ano passado, e já cansado de não trabalhar, decidiu apostar no empreendedorismo e lançou a marca de sapatos e acessórios de senhora “Dário Madeira”, inspirado na experiência que tinha em armazéns de calçado e do trabalho com peles, que desde 1993. Após candidatura à iniciativa “Ação Qualidade Vida 2016”, da Associação Salvador, para criação do seu próprio negócio, foi selecionado e apoiado financeiramente para avançar com este projeto.

Integrado num segmento de luxo, 25% de todas as vendas online revertem para uma causa. “Shoes for a cause” é o slogan que desta angariação de fundos para a criação de sapatos adaptados e a sobreviventes de AVC. “Gostaria de consolidar a marca em Portugal e, quem sabe, lá fora. Já tenho clientes a nível internacional”, conta. Profundamente apaixonado pela sua atividade profissional, assume que gosta de parcerias e deixa o alerta para que outros profissionais desta ou de outras áreas se juntem num mesmo projeto, com objetivos comuns.

Dar voz aos doentes

Diana Ramos é uma cara sobejamente conhecida na luta pelos direitos dos sobreviventes de AVC. A causa, que também é dela, foi abraçada com naturalidade e fruto da experiência que passou devido à doença. A antiga jornalista, é membro da direção da Portugal AVC – União de Sobreviventes, Familiares e Amigos, associação criada em setembro de 2015, motivada pela vontade de mudar, não só a sua vida, mas também a de outras pessoas que estivessem na mesma situação. Depois de um AVC, em junho de 2011, começou a sentir necessidade de falar com outras pessoas que partilhassem as mesmas dúvidas e anseios. “Comecei a procurar grupos de doentes e percebi que, em Portugal, não havia resposta”, afirma. Conheceu outros dois sobreviventes, Anabela Resende, também membro da direção, e António Conceição, presidente da direção, e foi assim que nasceu esta que é a “única associação de doentes do país”. Além da aposta ao nível da prevenção, a Portugal AVC dá ajuda prática a dificuldades do dia a dia. “É comum os doentes pensarem no que vai ser da sua vida quando voltarem a casa”, explica Diana.

Diana Ramos é membro da direção da Portugal AVC – União de Sobreviventes, Familiares e Amigos, criada em setembro de 2015 (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

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Uma das iniciativas regulares é a realização de encontros mensais gratuitos com grupos de ajuda mútua, em Lisboa, em Alcoitão (Cascais), no Montijo, em Almada, em Setúbal, no Porto, em Viseu, na Guarda, em Guimarães, em Santa Maria da Feira, em Vila Nova de Famalicão, em Faro e em Portimão, dedicados a sobreviventes de AVC, cuidadores e profissionais de saúde. “Tem funcionado muito bem porque estas pessoas acabam por partilhar a mesma linguagem e não se sentem tão isoladas ou discriminadas. É comum autoexcluírem-se da sociedade por terem o sentimento de que deixaram de ser válidas”, reforça. Para a neurologista Elsa Azevedo, os ganhos da participação nestes grupos passam por proporcionar “informações sobre a doença e formas de lidar com a mesma, permitindo obter apoio e conforto entre participantes com experiências similares, e a partilha de sentimentos e comportamentos”.

Diana confessa que há uma vida antes e outra depois do AVC. Atualmente com 42 anos, é mãe a tempo inteiro de David, de 17 anos, Madalena, de 14, e Maria, de quatro — esta última, “filha do AVC”, como explica. Foi no dia de aniversário de casamento que teve o AVC, a 26 de junho de 2011, na sequência de uma cirurgia programada a uma hérnia no umbigo, realizada quatro dias antes. Recorda-se de ter fechado a edição da revista onde trabalhava na altura e de estar descansada para poder ser submetida à cirurgia sem deixar trabalho pendente. Estava tudo planeado: ficar uns dias em casa a recuperar e regressar à vida profissional, logo na semana seguinte. O desenlace acabou por ser outro e viria a mudar-lhe completamente os dias, os meses e os anos.

“Ainda hoje não sei como é que o meu marido foi capaz de viver com tudo isto. O que é certo é que conseguiu e foi essencial na minha recuperação.”
Diana Ramos, 42 anos

Ao contrário de outros casos, Diana tinha alguns fatores de risco: excesso de peso, colesterol não controlado, era fumadora e não praticava exercício físico. “Tinha enxaquecas todas as semanas e desvalorizava o sinal porque atribuía à parte profissional e ao stress dos prazos. Conciliar a profissão com o trabalho em casa também era algo exigente. Em termos genéticos, fizeram um estudo para tentar perceber a causa do AVC, uma vez que os médicos acharam um azar tremendo o que me aconteceu. Não conseguiam perceber como é que uma pessoa tão nova teve um AVC depois de uma cirurgia a uma hérnia.” Foi então descoberta uma mutação genética que potencia tromboses venosas cerebrais.

Diana Ramos teve um AVC em 2011, na sequência de uma cirurgia programada a uma hérnia no umbigo (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Depois de ter alta da cirurgia, teve de voltar ao hospital porque vomitava muito e sentia fortes dores de cabeça, mas pensou tratar-se de uma reação natural à anestesia. A recomendação foi a de ir para casa descansar. “No dia seguinte, surgiram os três sinais do AVC: “falta de força, fiquei com a boca de lado e o meu discurso não tinha nexo”, contou-lhe o marido Célio, que chamou de imediato o 112. Na altura, ainda não existia a “Via Verde do AVC” e assumiu-se, do outro lado da linha, que Diana estaria a passar por um ataque de ansiedade. “Fui encaminhada para o Hospital Prof. Doutor Fernando da Fonseca (HFF), na Amadora, com este parecer clínico. Há sete anos, a sensibilização não era tão grande e espero que as coisas hoje tenham mudado. Eu própria fiquei em choque porque assumi que os sintomas eram normais devido à anestesia geral. Nós temos muita mania de nos automedicarmos e de aligeirar o que nos acontece, mas há que mudar esta mentalidade porque podemos correr riscos desnecessários”, alerta.

A aventura do marido enquanto cuidador começou após o segundo dia de internamento no HFF e três convulsões em que Diana ficou inconsciente. “Agradeço-lhe eternamente porque, se não fosse a insistência e teimosia dele, provavelmente não tinha recebido os cuidados que acabei por ter na Unidade de AVC do Hospital de São José [em Lisboa], para onde fui transferida, e a recuperação não tinha sido igual”, explica. Foi aqui que Diana percebeu que algo de muito grave tinha acontecido. “Estava totalmente paralisada de ambos os lados, só mexia o olho direito, não conseguia responder a estímulos, mesmo estando consciente. Conseguia falar, mas não conseguia engolir”, explica. De um momento para o outro, Diana viu-se a braços com a incapacidade de gestos simples, como coçar o nariz, se tivesse comichão, ou limpar as lágrimas, ao chorar. “Um casal jovem com dois filhos em casa jamais está preparado para isto.” Não se cansa de elogiar o marido, até porque há relacionamentos que não sobrevivem ao AVC. “Ainda hoje não sei como é que o meu marido foi capaz de viver com tudo isto. O que é certo é que conseguiu e foi essencial na minha recuperação.” Com os pais a viverem perto, as crianças ficaram entregues aos seus cuidados, e Célio acompanhou Diana em todas as fases de internamento.

“Um casal jovem com dois filhos em casa jamais está preparado para isto", diz Diana Ramos (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

O ambiente hospitalar só terminou para Diana a 30 de novembro desse ano, mais de três meses depois do dia em que teve o AVC, momento em que foi transferida para o Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão (CMRA), onde passava a semana, e ia a casa aos fins de semana, ao final do primeiro mês. “Esta fase foi essencial para perceber quais eram as minhas dificuldades. As habitações não estão adaptadas para quem sofre um AVC. Tudo isto deveria ser equacionado através de uma legislação que permitisse estandardizar estas questões e tornar as casas adaptáveis a quem tem um episódio como este”, defende. Acabou por fazer obras em casa, para ser possível circular em cadeira de rodas, suportadas por capital próprio.

Segunda oportunidade

À semelhança dos outros testemunhos, Diana passou por todas as terapias essenciais à sua recuperação com o intuito de reduzir as sequelas. Lembra-se de receber a visita dos filhos no CMRA [onde esteve em recuperação durante cerca de seis meses], algo que não era possível em ambiente hospitalar. “O AVC foi um processo de crescimento para toda a família: eu tinha a mania que era a super mulher, que controlava tudo em casa, que eu é que decidia, e de repente, tive de passar a delegar. O AVC foi uma segunda oportunidade que me deram de viver mas também de a minha família crescer”, confessa Diana. Apesar de não pensar voltar a ter filhos, Diana deixou de tomar a pílula, porque no seu caso, constituía um fator de risco para a ocorrência de um novo AVC. Foi então que uma gravidez inesperada surgiu num momento em que supostamente iria deixar de estar de baixa médica e iria voltar a trabalhar, depois de já ter conquistado uma série de vitórias. “Apesar de ter médicos a pintarem o pior cenário e de me pressionarem a não avançar com a gravidez, assumi-a como um milagre. Jamais iria abortar. De repente, a vida passou a ser cor de rosa, senti-me uma pessoa abençoada e especial por estar a viver uma terceira gravidez e nada poderia correr mal”, conta. Depois de encontrar um médico especializado em trombofilias, decidiu avançar. “Foi uma gravidez muito mais vigiada do que as duas anteriores, mas correu tudo bem no parto, apesar de não ter aceitado levar anestesia porque tive medo”, explica. Maria nasceu no Hospital CUF Descobertas, em janeiro de 2014.

Diana foca o discurso na aprendizagem do zero de coisas tão simples e que fazia antes, como escrever, falar, pegar em objetos, andar, escovar os dentes, tomar banho. O simples mudar de posição na cama era algo que não conseguia. Durante muito tempo, era o marido que lhe dava banho e trocava fraldas. “Por um lado, preferia que fosse ele, mas por outro, sentia-me muito diminuída”, conta. Diana lembra-se da enorme vitória que foi a primeira vez que conseguiu fazer a cama, sozinha, sem qualquer ajuda.

Segundo o “Retrato da Saúde 2018”, editado pelo Ministério da Saúde, “Portugal é o país da Europa Ocidental em que mais se morre por AVC”.

O suporte familiar é essencial para qualquer sobrevivente de um AVC. “Ter um cuidador informal é crucial para o sucesso do esforço de reabilitação e para o equilíbrio emocional. Contudo, também para os cuidadores, os sobreviventes de AVC constituem um desafio, tanto maior quando não se encontram inseridos em ambiente facilitador e com o apoio de equipa multidisciplinar de profissionais”, explica Elsa Azevedo.

O doente e a família fazem assim parte da reabilitação onde intervêm muitos outros profissionais, como por exemplo, neurologista, internista, fisiatra, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, terapeuta da fala, enfermeiro de reabilitação, assistente social, nutricionista, psicólogo, médico de Medicina Geral e Familiar, entre outros. “Esta equipa deverá definir as melhores estratégias e objetivos para voltar a restituir ao sobrevivente a sua autonomia e o regresso, tanto quanto possível, às funções prévias, e garantir o apoio dos cuidados necessários para a reintegração do sobrevivente no domicílio, na família, na sociedade e no trabalho (se for o caso)”, acrescenta a médica.

Segundo o “Retrato da Saúde 2018”, editado pelo Ministério da Saúde, “Portugal é o país da Europa Ocidental em que mais se morre por AVC”. A SPAVC tem alertado para outro dado: “três portugueses sofrem um AVC por hora, e desses, um não sobreviverá”. Apesar de todas as campanhas e alertas em prol da prevenção, o AVC continua a ser a principal causa de morte no país. A médica neurologista Elsa Azevedo sublinha ainda que “quase 30% dos sobreviventes sofrerá de incapacidade permanente e quase 30% das pessoas com AVC acaba por morrer na sequência desta doença”.

Os números são preocupantes e remetem-nos para a necessidade de reforçar a mensagem da aposta nos estilos de vida saudáveis, desde logo, medir regularmente e controlar a pressão arterial, a diabetes e o colesterol, deixar de fumar [o uso do tabaco pode reduzir o AVC em 35%], não se expor a drogas ilícitas, praticar 30 minutos de exercício físico diariamente e controlar o peso. “Verifique periodicamente se as suas pulsações cardíacas são rítmicas pois a fibrilhação auricular é uma arritmia que aumenta o risco de AVC e o risco diminui com medicamentos anticoagulantes, daí que deva ser devidamente detetada. Discuta ainda com o seu médico a necessidade de detetar os depósitos de placas ateroscleróticas, que são uma importante causa de AVC”, recomenda a diretora clínica do CHSJ.

A SPAVC tem alertado para outro dado: “três portugueses sofrem um AVC por hora, e desses, um não sobreviverá”. Apesar de todas as campanhas e alertas em prol da prevenção, o AVC continua a ser a principal causa de morte no nosso país.

Apesar de todos estes fatores de risco, um AVC pode ocorrer em pessoas saudáveis. Uma das causas mais frequentes nos jovens, que ocorre em cerca de 20% dos casos, é a dissecção arterial, em que as artérias que levam o sangue para o cérebro através do pescoço – artérias carótidas e vertebrais – são traumatizadas por pancadas externas, ou mesmo por traumatismo contra estruturas ósseas próximas, em determinados movimentos bruscos ou em posições extremas prolongadas da cabeça. O traumatismo da artéria pode levar a que fique comprometida a passagem de sangue para alguma região do cérebro, causando um AVC”, explica Elsa Azevedo. Há ainda outras condições que podem aumentar “transitoriamente a coagulação e vir a obstruir uma artéria”, como por exemplo viagens prolongadas com imobilidade, gravidez e algumas infeções.

E depois do AVC?

Um dos problemas principais no sobrevivente de AVC em idade jovem é o isolamento progressivo e a dificuldade de reintegração familiar, social ou mesmo profissional. Foi precisamente o que sucedeu a Isabel Miranda. “Saio pouco, estou cada vez mais tempo em casa, vejo televisão ou distraio-me no computador”, diz. Quando tem disposição, dedica-se a alguns hobbies, como os trabalhos em trapilho, o ponto cruz, ou os bordados. “Não consigo escrever com a mão direita mas já aprendi a fazê-lo razoavelmente com a esquerda pois foi algo que treinei logo desde o início deste processo”, partilha. Com 80% de incapacidade, é isenta de taxas moderadoras, faz terapia ocupacional, tem uma medicação para tomar em SOS se se sentir mais nervosa, e confessa que sente falta de acompanhamento psicológico. Aguarda vaga neste momento. “Passei a ter de viver um dia de cada vez”, diz.

Isabel Miranda, grávida de 21 semanas, estava sozinha em casa quando teve um AVC isquémico (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Apesar de os médicos insistirem para que Ana Ramos não voltasse tão cedo à profissão de personal trainer, a vontade falou mais alto, e em fevereiro deste ano decidiu regressar às aulas do ginásio, optando por um horário reduzido e por práticas mais calmas. “O facto de o meu corpo estar preparado e adaptado ao treino regular, e também por me alimentar bem, ajudou a uma recuperação mais rápida. Julgo que o melhor antidepressivo é o exercício físico e acho que foi por isso que não senti necessidade de tomar medicação”, conta. Nota que arrasta um pouco a fala quando está mais cansada, mas contou com o apoio dos colegas do ginásio e dos próprios alunos no regresso. Atualmente, tem consultas de seis em seis meses e esforça-se por ler muitos livros, ter uma alimentação cuidada e saudável, fazer palavras cruzadas e puxar mais pelo lado do corpo que ficou mais paralisado e inativo.

Dário Madeira esteve um ano e meio sem falar e sem andar. Chegou a tomar 19 medicamentos por dia. Hoje, confessa-se muito falador, numa espécie de recuperação do tempo perdido, e reduziu a terapêutica para nove fármacos.

O que mudou depois do AVC? “Sobretudo, mudou a noção de tempo. Eu tive a sorte de ficar funcional e as pequenas coisas do dia-a-dia têm agora enorme importância: vestir-me sozinha, limpar a casa, fazer a higiene sem ajuda, entre outras conquistas. A ajuda da família foi fundamental, o meu namorado foi o meu salvador”, afirma Ana. Voltou a conduzir e considera-se uma pessoa ainda mais positiva e tranquila. “Estou focada em aproveitar o dia a dia e em estar com os amigos e familiares, sempre que possível.”

Patrícia Andrade mudou de trabalho. Está agora a recuperar a vida profissional que ficou em suspenso e aproveitou um convite como monitora de Atividades de Tempos Livres numa escola perto de casa, para poder continuar a apoiar a filha Mélanie. O desejo, por agora, é que a filha continue a recuperar, e seja, o mais autónoma possível para ter uma vida completamente normal. “Também pedimos apoio psicológico para tentar ajudá-la naquilo que nós, pais, não conseguimos”, afirma. O AVC não tornou Patrícia numa pessoa mais amarga. “Não perdi a confiança na vida, aconteceu à nossa família, poderia ter acontecido a outras pessoas. Não posso fazer nada para mudar isto, vamos olhar para a frente e acreditar que o próximo ano vai ser melhor”, diz.

Dário Madeira voltou a andar, a conduzir, constituiu família, abriu o seu negócio. Frequenta consultas de vigilância de seis em seis meses, já tomou 19 medicamentos e atualmente, toma nove. “Faço algumas terapias para continuar a recuperar e vou regressar agora à fisioterapia.” A doença mudou-o, tornou-o mais tranquilo e paciente. “A vida é hoje, ontem já passou e não sabemos o que a vida nos reserva amanhã”, deixa como mensagem. Durante a entrevista que deu ao Observador, repetiu que “adora falar” e que é hoje muito conversador. Uma espécie de recuperação do tempo perdido em que só tinha como opção remeter-se ao silêncio.

Diana Ramos diz que "o AVC foi um processo de crescimento para toda a família" (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Diana Ramos não tem mãos a medir com as atividades da associação “Portugal AVC” e com as iniciativas para as quais é convidada a dar o seu testemunho. Toma medicação diária para a circulação do sangue e está reformada por invalidez. “Estou a adorar ser mãe a tempo inteiro”, confessa. Deixou de fumar e tem uma alimentação mais saudável. Voltou a conduzir 18 meses depois do AVC mas teve de comprar um carro automático. “Foi um sinónimo de liberdade cada vez que sentia vontade de espairecer e de apanhar ar.” Diana defende que não há um AVC igual a outro. “Passaram sete anos, a minha maneira de estar na vida mudou e, neste momento, nem consigo lembrar-me como era antes. Nós não nos curamos de um AVC, mas aprendemos a viver com as sequelas ainda que não estejamos preparados. É provável que a nossa vida tome novos rumos, mas não significa que sejamos mais infelizes”, explica.

Enquanto ainda estava em tratamento, Diana Ramos, membro da direção da “Portugal AVC” ia a casa aos fins de semana, momento em que se defrontava com as reais dificuldades. “As habitações não estão adaptadas para quem sofre um AVC. Tudo isto deveria ser equacionado através de uma legislação que permitisse estandardizar estas questões e tornar as casas adaptáveis a quem tem um episódio como este”, defende. As obras que teve de fazer em sua casa foram suportadas com capital próprio.

Como sequelas, ficou com paralisia parcial do lado esquerdo e espasticidade aumentada [aumento de tónus muscular] na mão e na perna, do mesmo lado do corpo, que interfere no momento em que tem de andar ou pegar em alguns objetos. “Por isso, sei que tenho de fazer fisioterapia toda a vida”, diz. Quando a questionamos sobre a parte mais difícil de todo o processo, não se demora a responder: “O que mais me custou foi pensar que não estaria cá para os meus filhos. Agarrei-me sempre à ideia de que eles não podiam crescer sem mãe, o que foi essencial à minha recuperação”, remata.

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