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O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa (D), acompanhado pelo presidente do Partido Social Democrata (PSD), Rui Rio (E), presta declarações à imprensa à chegada para um almoço na Base Aérea/Aeródromo de Manobra N.º 1 de Ovar, Aveiro, 22 de maio de 2020. O Presidente da República visita hoje o concelho de Ovar. JOSÉ COELHO/LUSA
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JOSÉ COELHO/LUSA

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"Maldade" de Marcelo sobre futuro do PSD causa mal-estar. Rio tenta desvalorizar: "Tem a minha total concordância"

Marcelo lembrou que PSD vai a votos e deixou a porta de saída aberta a Rio. Próximos do líder do PSD não gostaram, mas Rui Rio diz agora ao Observador estar em "total sintonia" com o Presidente.

A insistência de Marcelo Rebelo de Sousa em apontar as próximas eleições internas do PSD como um momento determinante na definição do próximo ciclo político causou algum mal-estar no núcleo duro de Rui Rio. Entre alguns dos mais próximos do líder social-democrata, o Presidente da República tentou criar um “embaraço intencional” à atual direção para dar “gás” aos adversários internos de Rio. “Foi uma maldade. Mas, infelizmente, não surpreende”, desabafa um alto dirigente do PSD. Ao Observador, no entanto, Rui Rio tenta desvalorizar o incómodo de alguns dos seus dirigentes: “O Presidente da República tem a minha total concordância”, esclarece.

Na última quinta-feira, em entrevista à RTP, Marcelo não só deixou claro que as próximas eleições autárquicas terão necessariamente uma “leitura nacional”, como fez questão de recordar que PSD vai discutir a futura liderança no pós-autárquicas. Sobre a continuidade de Rio, Marcelo permitiu-se deixar uma frase que foi interpretada (fora e dentro da direção do PSD) como uma indireta evidente para o líder social-democrata: “É preciso ver se ele não quer ou não pode [continuar]”, sugeriu o Presidente da República.

Em declarações ao Observador, já depois da publicação deste artigo, Rui Rio tentou esvaziar a tensão. “O Presidente da República disse que as eleições autárquicas terão uma leitura nacional e é verdade. Também disse que poderei ter condições para continuar ou entender não ter condições para continuar. E ainda ainda acrescentou que o mais ‘plausível’ é eu continuar. Não concordo a 30%. Concordo a 100%“, garante.

Na direção do PSD, no entanto, nem todos pensam assim. O lado lúdico de Marcelo Rebelo de Sousa nunca teve grandes admiradores entre os atuais inquilinos da São Caetano e esta nova tentativa de influenciar os destinos do PSD — assim o interpretaram alguns dos mais próximos de Rio — aumentou o desgaste. “Foi uma interferência completamente desnecessária”, lamenta fonte da direção do PSD.

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Nem sequer foi a primeira vez que Marcelo denuncia aquilo que considera ser a ausência de uma alternativa real a António Costa. Já em 2019, depois de Marcelo se ter alongado na análise à “crise da direita”, acabou por merecer resposta da cúpula do partido. “O professor Marcelo está claramente a fazer comentário político, a fazer um exercício de prognóstico. [Adotando] uma posição de oráculo sobre o que vai acontecer”, criticou então David Justino, vice-presidente do PSD.

O facto de o repetir agora, quando o PSD se prepara para o enfrentar o difícil desafio das autárquicas e para fazer o derradeiro esforço para desgastar o Governo de António Costa antes das próximas eleições legislativas, criou algum mal-estar no quartel-general social-democrata. Sobretudo porque há quem esteja convencido que Marcelo está a tentar patrocinar, a partir de Belém, uma alternativa a Rui Rio no PSD.

À direita, todos os que podem alimentar expectativas de chegar a primeiro-ministro - Rio, Passos, Rangel ou Moedas, por exemplo - estão conscientes de que muito dependerá do que vai fazer António Costa até às legislativas. Se o líder socialista quiser ir de novo a votos, a convicção é a de que o atual primeiro-ministro é praticamente imbatível.

O fantasma de Passos

“É evidente que Marcelo está preocupado com o momento do partido, que tem noção de que as próximas eleições internas são um momento decisivo e que sabe que precisa de uma alternativa forte à direita”, reconhece ao Observador um dos homens do Presidente da República. Analisando os trunfos que estão em cima da mesa, aos olhos de Marcelo, pelo menos, só um nome parece estar em condições imediatas de garantir esse necessário reagrupamento da direita: Pedro Passos Coelho.

Marcelo não ignora o caldo complexo em que se transformou o PSD e o caminho exíguo que o partido tem para chegar ao poder, com uma concorrência sem precedentes à direita e com um PS que, em teoria, se tornou capaz de governar à esquerda e à direita.

Passos seria uma solução para um problema que preocupa o Chefe de Estado, mas toda e qualquer tentação que Marcelo venha a ter de influenciar o antigo primeiro-ministro só terá o efeito contrário — a relação entre os dois está longe de ser a melhor e Passos nunca aceitará fazer ativamente parte dos planos que Marcelo possa ter. Se um dia decidir avançar para a liderança do PSD, e esse cenário não está excluído, só o fará se entender que tem condições objetivas de chegar a primeiro-ministro.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa (E), acompanhado pelo ex-presidente do Partido Social Democrata (PSD), Pedro Passos Coelho (D), durante a apresentação do livro "40 anos, 40 testemunhos sobre Sá Carneiro", no 40.º aniversário do acidente de Camarate que vitimou o ex-presidente do PSD, no Grémio Literário, em Lisboa, 03 de dezembro de 2020. O Caso Camarate, também conhecido como Acidente de Camarate, ocorreu no dia 04 de dezembro de 1980, no qual a queda de um avião Cessna sobre o bairro das Fontaínhas, em Camarate, vitimou o primeiro-ministro Francisco Sá Carneiro, o ministro da Defesa Adelino Amaro da Costa, outros três passageiros e os dois pilotos do avião.ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

No PSD, a bolsa de apostas não é muito diferente. Se Passos der sinais de que quer de facto avançar, secará a concorrência e, com alto grau de probabilidade, dará o pretexto útil a Rui Rio para deixar a liderança do partido.

Se Passos não avançar, os cenários tornam-se muito mais imprevisíveis. Rio fica? Provavelmente sim, ainda que o líder social-democrata tenha dado sinais ambíguos até aos seus mais próximos. Ficar ou não ficar dependerá sempre da reflexão que fizer sobre a sua capacidade real de conquistar o poder nas próximas legislativas. Se perceber que o PS é inamovível do poder, Rio poderá mesmo bater com a porta.

E Rangel avança? Talvez. Sem Rio em jogo? Altamente provável. Contra Rio? Mais difícil. Ganhará nesse frente a frente? É difícil antecipar, ainda que os homens de Rangel já façam essas contas — e estejam convencidos de que é possível.

Carlos Moedas pode ter uma palavra a dizer? Pode, mas depende de muita coisa, a começar pelo resultado que conseguir em Lisboa, onde o desafio de derrotar Fernando Medina parece cada vez mais difícil.  O que resta do montenegrismo quererá fazer prova de vida? Quer, mas falta-lhe um líder evidente. E Miguel Pinto Luz? Vai, seguramente, tentar reforçar a votação de 2019. Mas sabe que é cedo para chegar a primeiro-ministro.

Direção de Rio atenta às movimentações de Rangel

Costa é a chave que abre o cadeado do PSD

À direita, todos os que podem alimentar expectativas de chegar a primeiro-ministro — Rio, Passos, Rangel ou Moedas, por exemplo — estão conscientes de que muito dependerá do que vai fazer António Costa até às legislativas. Se o líder socialista quiser ir de novo a votos, a convicção que existe no PSD é de que o atual primeiro-ministro é praticamente imbatível.

Se já o parece ser — assim sugerem as sondagens –, o período de vacas gordas que o país vai conhecer nos próximos meses e anos, com a torneira europeia a jorrar como nunca, tenderá a favorecer quem está no poder. “António Costa arrisca-se a ser, nos próximos anos, o que Aníbal Cavaco Silva era em 1991”, sugere um senador do PSD.

O pessimismo não é, de resto, para menos: nos bastidores do PSD, jura-se a pés juntos que há sondagens informais — logo, não registadas na Entidade Reguladora para a Comunicação Social — que dão quer Rui Rio, quer Pedro Passos Coelho a léguas de distância de António Costa, ambos abaixo dos 30% nas intenções de voto. Neste momento, nem o incumbente, nem a maior esperança da direita parecem ter hipóteses reais de disputar seriamente as eleições com o primeiro-ministro.

O primeiro-ministro, António Costa (E), conversa com o ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos (D), durante o debate sobre o pedido de renovação de autorização do estado de emergência, entre outros assuntos relacionados com a crise causada pela covid-19, na Assembleia da República, em Lisboa, 02 de abril de 2020. Em Portugal, segundo o balanço feito no dia 01 de abril, pela Direção-Geral da Saúde (DGS), registaram-se 187 mortes e 8.251 casos de infeções confirmadas. ANDRÉ KOSTERS/LUSA

ANDRÉ KOSTERS/LUSA

Daí a insistência em tentar antecipar uma eventual fuga do atual líder socialista para um cargo europeu. Com Costa fora de jogo, e um PS entregue a uma possível luta fratricida, as hipóteses de o PSD chegar ao poder aumentam exponencialmente — seja qual for o líder.

O calendário é, por isso, determinante: o líder do PSD que for escolhido em janeiro de 2022 será, com grande grau de probabilidade, o candidato do partido a primeiro-ministro. E se o PS cair já nas mãos de Pedro Nuno Santos, o mais provável sucessor de António Costa, será mais fácil, em teoria, agregar o eleitorado de direita e impor uma derrota aos socialistas.

Seja como for, há um dado que, no PSD, ninguém ignora: ao partido não basta vencer eleições; é preciso que a direita tenha mais votos que a maioria de esquerda. Pedro Nuno Santos não será um adversário direto tão difícil como António Costa; mas fará uma nova geringonça à esquerda com muito maior facilidade.

Derrotar o PS nas urnas pode ser, por isso, um fraco consolo para qualquer líder do PSD. Pior seria para Pedro Passos Coelho: o antigo primeiro-ministro só avançaria se tivesse a certeza de que teria condições políticas para governar e de que o filme de 2015 não se repetiria. E não há sondagem alguma que aponte para um cenário em que o bloco das direitas tenha mais votos que o bloco de esquerdas.

LUSA

Balão de Moedas furou-se?

Até lá, indiferente a estas contas, Rui Rio continuará a apostar todas as fichas nas autárquicas e no ataque permanente ao Governo socialista. A esperança de fazer um brilharete nas eleições locais é, no entanto, cada vez mais diminuta, vão apontando fontes da direção do PSD ao Observador.

Percebe-se porquê. Mesmo com Rui Moreira fragilizado, o Porto não é ‘conquistável’. Coimbra, que parecia estar ao alcance do PSD, não será, afinal, assim tão fácil. Lisboa, onde Carlos Moedas podia ser (e foi) uma grande aposta para atingir o coração socialista, está cada vez mais distante. “Ele [Carlos Moedas] foi a melhor aposta possível. Mas tem tido dificuldades em arrancar. É o que é”, lamenta ao Observador um alto dirigente do PSD.

Todas as restantes autarquias ou são politicamente irrelevantes ou são impossíveis de conquistar. Publicamente, Rio continua a vender as autárquicas como o grande momento de viragem do ciclo político, o cartão amarelo ao PS com que o PSD de Rio sempre sonhou desde o minuto zero da atual liderança. Nos corredores da direção social-democrata, os objetivos são cada vez mais modestos. Sim, é possível (e obrigatório) crescer face a 2017; mas dificilmente serão as autárquicas a precipitar o fim de António Costa.

Neste contexto difícil, as críticas de Aníbal Cavaco Silva à reforma das Forças Armadas, que o Governo propôs e que o PSD abençoou, criaram naturais dificuldades de gestão política. O artigo de Alberto João Jardim, que exigiu ao PSD que acordasse, também causou calafrios, sobretudo porque, tal como Rio reconheceu, existe a perceção de que é preciso fazer mais, muito mais, para tentar fragilizar António Costa.

Apesar do desânimo, muito mais evidente nas estruturas locais e distritais do partido, ninguém deita a toalha ao chão. Nas próximas semanas e meses, a estratégia do PSD vai passar por intensificar a oposição ao PS e não largar dossiês que queimam os socialistas, como o Novo Banco ou a TAP. Em setembro, quando chegarem as autárquicas, logo se perceberá que narrativa vencedora é possível encontrar. Depois disso, é esperar o navio socialista naufrague por demérito próprio — ou que o capitão António Costa o abandone e deixe o PS à deriva.

*Artigo atualizado às 23h24 com declarações de Rui Rio ao Observador

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