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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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"Dizem que não vão parar até matarem um polícia." A segunda noite de violência nas ruas do Bairro do Zambujal

Os confrontos começaram no bairro de Alfragide e estenderam-se a vários pontos da Grande Lisboa. A morte de Odair Moniz às mãos da Polícia desencadeou uma reação que não tem prazo para terminar.

Vânia Correia está sentada num muro bem no coração do bairro do Zambujal. A letras garrafais, na parede, há uma pintura alusiva à “Convenção dos Direitos das Crianças e dos Jovens”. Vânia vai percorrendo o menu do telemóvel para ler as últimas mensagens que recebeu sobre a morte do cunhado e os vídeos publicados no Instagram que mostram os momentos logo a seguir a Odair Moniz ter sido baleado pela PSP, a pouco mais de um quilómetro dali, a casa da família.

Estava lá dentro com familiares e amigos, conta ao Observador num segundo em que desvia os olhos do ecrã, quando a polícia arrombou a porta da entrada. Passavam poucos minutos das oito da noite. A equipa de intervenção rápida da PSP irrompeu pelo corredor e fez uma única pergunta. “Onde está o filho da puta?” Ninguém ali sabia do que estavam a falar. “Onde é que ele está?”, insistiram. Sem respostas, os agentes puxaram dos bastões. Na sala estavam também os filhos menores de Vânia, um de 9 e outro com 11 anos. Os bastões voaram na direção da mão e do antebraço de um amigo da família e das costas de uma rapariga de 19 anos. Ainda destruíram um móvel da sala. E depois saíram.

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Voltaram uma hora mais tarde. Mas dessa vez, Catarina Morais já lá estava. “Devem ter sido apanhados de surpresa por já aqui estar uma advogada com eles”, diz ao Observador a jurista do Movimento Vida Justa enquanto mostra as fotografias das marcas de sangue que tirou logo a seguir. “Não identificaram ninguém, não detiveram ninguém, entraram sem mandado e a uma hora a que, pela lei, já não podiam estar ali. Pediram para que as pessoas se comportassem e fizessem um luto civilizado — o que é que significa um luto civilizado?”, questiona-se a advogada. A PSP prometeu voltar ainda mais uma vez.

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Em declarações à imprensa, Manuel Gonçalves, superintendente da PSP, disse não ter informações sobre a entrada com violência na residência da vítima mortal. “Não tenho elementos que permitam confirmar”, disse o responsável, já noite dentro. “Se está arrombada não quer dizer que tenha sido a polícia. Vamos para situação de investigação a posteriori”, acrescentou ainda. “A ter acontecido, não confirmo nem desminto. Neste momento, terá de ter sustentabilidade legal.”

A resistência, uma faca e o tiro fatal

Frente à porta do prédio, e também ao fundo da rua, junto à Avenida Cerrado do Zambujeiro (uma das duas principais avenidas do bairro), juntam-se grupos de adolescentes. Fazem alguns comentários sobre como a Comunicação Social está com “eles”, a polícia, mas é sobre a atuação da PSP que centram os comentários mais duros. Os grupos só se reúnem durante algum tempo. Em poucos minutos, uma nova ronda das equipas do Corpo de Intervenção da PSP lançam-nos numa corrida para o interior dos prédios, até voltarem a sair e a cena repetir-se uma e outra vez.

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Em frente ao número 7 vão passando moradores do bairro, amigos da família, vizinhos. Vânia não consegue aceitar a versão do comunicado oficial que a Polícia emitiu logo ao final da manhã desta segunda-feira. Em seis parágrafos, contava-se como, de regresso de uma festa na Amadora, Odair se pôs em fuga quando viu um carro patrulha e entrou pela Cova da Moura adentro, abalroou vários carros estacionados e, já no final, com o carro imobilizado, quando a PSP o tentou finalmente deter, resistiu. Terá sacado de uma faca e tentado agredir os polícias. Acabou baleado e morreu. Os vídeos que circulam mostram o autor dos disparos, sempre tenso, de Glock na mão, enquanto o cunhado de Vânia permanece inanimado no chão à entrada do bairro.

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“O Odair com uma faca? Nunca. O Odair era aquela pessoa que se te visse com uma arma na mão ia dizer-te para mandares isso fora. Nunca andaria com uma faca”, garante a cunhada. E lançar-se num ataque contra a polícia? “Nunca, nunca, nunca”, repete.

Também algumas das versões que circularam nas primeiras horas — por exemplo, a referência a um carro roubado que Odair estaria a conduzir —, foram sendo contestadas pelos vizinhos da família. “Ele era pacífico, uma pessoa querida aqui dentro, toda a gente o conhecia, era trabalhador e só queria cuidar dos filhos”, conta Renato, um dos amigos que passou longas horas em frente à porta da família.

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Moradores prontos para guerra longa

Desde segunda-feira que o bairro está transformado num campo de batalha. Um dispositivo da PSP está instalado a pouco mais de 200 metros de distância da casa de Odair — uma carrinha com uma equipa do corpo de intervenção e seis motas da equipa de intervenção rápida, o mesmo dispositivo que, uma e outra vez, percorre as ruas e aponta as luzes às janelas dos moradores. O objetivo é mostrar que estão ali, que não vão permitir mais distúrbios. “ASSASSINOS!”, grita-se de uma das casas, no que parece ser uma voz ainda de criança. “Filhos da puta!”, ouve-se de outra mais abaixo.

Já na noite anterior a PSP tinha montado uma operação musculada, depois de cerca de 30 moradores encapuzados atacarem um autocarro da Carris à pedrada, queimarem caixotes do lixo, lançarem garrafas de vidro aos carros que passavam em frente ao bairro do Zambujal e da Cova da Moura. Na segunda noite de tumultos, um segundo autocarro foi atacado. O condutor foi obrigado a parar no cruzamento entre a avenida principal e a Rua das Galegas. O motorista e os ocupantes foram obrigados a sair. Às 20h00, já só restava a carcaça, foi completamente consumido pelas chamas. “No bairro, dizem que não vão parar até matarem um polícia”, avança uma das moradoras que assistiu ao momento desse ataque. Outra mulher que passou por ali poucos minutos antes, quando as chamas ainda ardiam altas, gritou: “É para matar a polícia!”

O momento em que o autocarro é incendiado: as imagens e os vídeos da tensão no bairro do Zambujal

Aquele autocarro, percebeu a PSP mais tarde, tinha sido “furtado” junto ao Ikea de Alfragide, a umas centenas de metros dali, e conduzido até ao interior do bairro. No local, o Observador viu um grupo de quatro pessoas, todas com cara tapada, junto ao autocarro que ardeu. O incêndio começou perto da porta dianteira e alastrou rapidamente ao resto da estrutura. Em poucos minutos, as chamas dominaram o veículo. O grupo fugiu do local e, por volta das 19h40, as chamas estavam controladas e só já restava a carcaça do veículo.

Mas a destruição é bem mais extensa. Ao longo das ruas do bairro, há várias paragens de autocarro com os vidros partidos; aqui e ali, em dezenas de pontos, no meio da estrada, pilhas de lixo, plástico e tudo o que os grupos que desafiavam a polícia foram encontrando e depois incendiaram.

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O cenário repetiu-se em vários locais diferentes da grande Lisboa na noite desta terça-feira: dois autocarros incendiados, carros particulares atacados e também incendiados, um carro da polícia em Sintra atacado com um cocktail molotov. E muitas chamadas com informações falsas sobre situações semelhantes que dispersaram a resposta da polícia.

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No bairro do Zambujal, os moradores garantem que esta guerra não está nem perto de terminar. “Isto ainda vai durar, eles compraram pneus, andaram a carregar-se. Isto vai durar”, diz um dos moradores ao Observador.

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Quem são “eles”? Grupos de adolescentes que, normalmente, estariam a travar confrontos entre si e que agora se uniram numa guerra contra a polícia. “Estou aqui há 40 anos e nunca vi nada assim. De vez em quando há umas chapadas, sim. Uns tiros de um lado para o outro da rua. Agora, isto? Nunca”, diz outro dos moradores, encostado à janela de um rés-do-chão virada para a avenida.

Gritos por “justiça” antes de rebentar a guerra nas ruas

Ao início da madrugada, um dos moradores do bairro tinha sido detido por posse de material combustível — outros moradores relatavam mais detenções, ainda que essa tenha sido a única divulgada oficialmente pelas forças de segurança. Mas os momentos de tensão do segundo dia de confrontos começaram bem mais cedo, logo a seguir à vigília convocada por moradores do Zambujal para homenagear Odair Moniz.

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A investigação feita pela Polícia Judiciária (PJ) à morte desta segunda-feira, na sequência de uma operação policial na Cova da Moura, sugere que terá havido um uso desproporcional e injustificado de força, com recurso a meios letais, para auto-defesa. O agente da PSP autor dos disparos foi constituído arguido e afastado durante alguns dias do serviço, para gozar um período de férias forçado. Estará neste momento a receber acompanhamento psicológico.

A concentração em memória de Odair começou por volta das 15h00 em frente ao café que o próprio geria no bairro, num dos dois negócios em que estava envolvido na área da restauração. Uma hora e meia depois, quando já tudo tinha terminado, um grupo de cinquenta pessoas dirigiu-se às primeiras equipas da PSP que se tinham instalado de novo num dos pontos do bairro. Durante alguns minutos, gritaram por “justiça” de punho erguido, frente a frente com os elementos do corpo de intervenção. Depois, dispersaram.

Foi apenas um aquecimento, tímido, para o que ainda estava para vir.

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