Luís Ramos lembra o dia em que recebeu a notícia que lhe mudou o destino. “Acordei de manhã, recebi um telefonema de um número estrangeiro. Lá em casa ficou tudo calado à espera. Fechei a porta. Tentei manter a voz o mais calma possível”, conta o economista, de 24 anos. O telefonema era da Comissão Europeia e uma hora depois chegava a confirmação por email.
“Lembro-me de que foi um dia bastante feliz, estava bastante orgulhoso. Ao jantar houve uma garrafinha de champanhe”, recorda com um sorriso de orelha a orelha. Luís e a família tinham motivos para celebrar. Nesse dia ficaram a saber a sua candidatura para fazer um estágio em Bruxelas tinha sido aceite.
Tal como Luís, também Sofia Barbeiro e João Costa integram o lote de felizes eleitos. Os três portugueses, com quem o Observador falou, fazem parte de um círculo restrito de jovens que conseguiram ser selecionados para um estágio na Comissão Europeia.
Todos os anos vários milhares de jovens de toda a Europa (e do resto do mundo) tentam a sorte. Mas após um processo de seleção altamente competitivo, feito em várias fases, apenas 1300 conseguem a tão desejada vaga. Por ano, só cerca de 40 portugueses alcançam este objetivo.
O dia-a-dia nas instituições da UE
Sofia Ribeiro, 23 anos, natural de Leiria, foi selecionada para estagiar na Agência de Educação, Audiovisual e Cultura que fica no “bairro europeu”, a zona da capital belga onde estão as instituições comunitárias e muitas direções gerais da Comissão. Sofia está no departamento de finanças, contabilidade e programação onde pode seguir o controlo ex post de projetos. Por exemplo, acompanha projetos que pertencem ao programa Erasmus+. “Trata-se de fazer monitorização e auditoria de projetos que já foram realizados para ver se tudo decorreu dentro das normas”, explica.
Regra geral, o dia desta jovem gestora começa com uma reunião com a sua adviser, a funcionária que acompanha o estágio. Este briefing diário serve para fazer o ponto de situação sobre as tarefas a realizar.
Regra geral, o dia desta jovem gestora começa com uma reunião com a sua adviser, a funcionária que acompanha o estágio. Este briefing diário serve para fazer o ponto de situação sobre as tarefas a realizar. Os dias dividem-se entre as reuniões da equipa e o trabalho no gabinete que partilha com outra estagiária, turca.
Os três portugueses sublinham a importância das reuniões das unidades onde estão inseridos. Não é por terem o estatuto de estagiários que não participam, antes pelo contrário. São associados à equipa e às discussões, são incentivados e a sua opinião é ouvida e valorizada.
“É uma parte do trabalho que aprecio muito”, reconhece Luís Ramos, a estagiar na Agência para as Pequenas e Médias Empresas, no departamento de controlo e auditoria ao financiamento de empresas que recebem fundos da UE. “Há sempre interesse em saber qual é a minha opinião. Nas reuniões esperam que eu questione as coisas”, diz.
Para Sofia Barbeiro, o aspeto mais positivo até agora é saber que está “completamente integrada na equipa”. “Toda a equipa sente que tem em mim um apoio. Sinto que têm confiança em mim e ao fim de três meses de estágio já tenho responsabilidades muito maiores”, garante.
Os estágios duram cinco meses. Os jovens recebem formação prática na área em que estudaram. Executam tarefas administrativas, desde a pesquisa de informações à organização de eventos e reuniões, passando também pela elaboração de relatórios e análise de documentos. Familiarizam-se com os métodos de trabalho e de funcionamento da Comissão e com as políticas da União Europeia.
Em troca, as instituições esperam que os estagiários demonstrem abertura para as questões europeias, vontade de aprender e uma atitude pró-ativa, e que contribuam para o trabalho diário dando opiniões úteis.
Mas o que faz destes estágios uma experiência profissional ímpar é o ambiente de trabalho na Comissão, onde há funcionários dos 28 estados-membros e estagiários de dezenas de nacionalidades e culturas. É uma experiência profissional que vai deixar saudades, reconhecem os três portugueses.
Um “cartão de visita” para outros voos
As condições são porventura únicas no mundo. Cada estagiário tem direito a uma bolsa de 1.120 euros/mês, ao reembolso de despesas de viagem e a um seguro de trabalho e de saúde.
Os três portugueses não escondem o entusiasmo de quem está na capital europeia para um novo desafio. Sabem que um estágio numa direção ou numa agência da Comissão permite um conhecimento in loco da UE e pode funcionar como cartão de visita para outros voos profissionais.
“É uma experiência incrível que só me fez tentar arranjar uma forma de continuar aqui”, diz João Costa, 29 anos. E conseguiu. O seu percurso em Bruxelas confirma que um estágio abre portas. Primeiro, João foi selecionado para um estágio. Conseguiu-o à segunda tentativa. Estagiou entre março e julho de 2016 na Agência do Conselho Europeu de Investigação que gere os fundos europeus para os projetos de investigação. João Costa fazia a ponte entre avaliadores e investigadores.
Depois, obteve uma extensão do estágio por três meses, até finais de outubro, no comité que faz a ligação entre a Comissão Europeia e os estagiários recém-chegados. Finalmente, a cereja sobre o bolo, é que este jovem formado em engenharia biomédica pela Universidade do Minho acabou por conseguir um contrato de meio ano para trabalhar na Agência de Investigação.
“Quem quer ficar, por norma, consegue. É grande a oferta de emprego em Bruxelas após se ter feito um estágio”, garante João. Explica ainda que um estágio na Comissão funciona como um “carimbo de qualidade”, tendo em conta o processo exigente de seleção. “É um bom ativo no CV”, reforça por seu turno Luís Ramos.
Elite da juventude europeia
O programa de estágios existe há mais de 40 anos e 30 mil jovens já beneficiarem desta experiência. Alguns tornaram-se até funcionários europeus. O exigente processo de seleção valoriza não só uma sólida formação universitária mas também o conhecimento de pelo menos uma das três línguas de trabalho da Comissão (inglês, francês e alemão). É ainda tido em conta o perfil internacional dos candidatos e a sua experiência de vida ou de trabalho no estrangeiro.
Antes de chegarem a Bruxelas, Sofia, Luís e João já tinham experiência de vida no estrangeiro, em parte graças ao programa Erasmus ou a especializações académicas que foram fazendo.
Sofia Barbeiro estudou Gestão na Universidade Nova, onde completou o mestrado, tendo ainda passado pela Universidade Católica de Louvain, na Bélgica. Pelo meio, fez um semestre na Universidade de Kozminski, na Polónia, e participou em vários projetos de cariz internacional. E estabelece um paralelismo: “Este estágio compara-se um pouco ao programa Erasmus”.
Foi também graças ao Erasmus que Luís Ramos estudou um semestre na Escola de Gestão da Universidade de Tampere, na Finlândia. Já João Costa beneficiou dos programas de mobilidade que lhe permitiram aprofundar os estudos passando pelos Estados Unidos, Brasil e França. Naturalmente, hoje é presidente da rede portuguesa de estudantes Erasmus.
Outra mais-valia no processo de seleção de estagiários: os três jovens lusos têm experiência de trabalho voluntário ou participaram em ações de voluntariado. Também receberam prémios ou menções honrosas em diferentes áreas ou atividades. Admitem sem dificuldades que fazem parte da elite da nova “geração Erasmus”.
Defender o projeto europeu
Para além das tarefas do dia-a-dia, os estagiários são encorajados a fazer outras atividades fora do trabalho. Por isso, surgem grupos que praticam atividades desportivas, redes que organizam viagens ou dão aulas de idiomas a outros colegas.
Os três portugueses estão entusiasmados com o mergulho na designada “eurobubble”, o universo de trabalho das instituições comunitárias no bairro europeu. Em Bruxelas e nos estados-membros, há quem muito critique a “bolha europeia” por estar desligada da realidade mas os três estagiários lusos discordam dessa opinião que consideram um “mito”. Preferem elogiar o trabalho feito pelas pessoas das instituições em nome do projeto europeu.
Sofia, João e Luís reconhecem que têm o “bichinho da Europa” e não escondem a sua admiração pela integração comunitária. Apesar de o projeto europeu carecer atualmente de empatia e viver dificuldades — crise migratória, crise económica, Brexit —, defendem-no tenazmente. Aliás, os três estão de alguma forma talhados para isso.
“É um desafio. Qualquer projeto bem sucedido passa por algumas dificuldades. Isto só vem provar que o projeto é forte”, acredita Luís. “O projeto europeu vai sair mais forte”, prevê também João. Sofia sublinha que “as crises são também oportunidades. Aqui a oportunidade é defender o projeto e aquilo em que acreditamos”.
Ao euroceticismo e ao populismo crescente na Europa contrapõem o europeísmo das gerações mais jovens, que ficou patente no referendo do Reino Unido. Por isso, reivindicam um papel ativo no futuro e acreditam que a sua geração – mais europeísta, sublinham – vai fortalecer a UE, quando tomar as rédeas do destino. Os três coincidem em que a melhor maneira de viver e defender o projeto europeu é precisamente através de iniciativas concretas como o Erasmus, os programas de estágios nas instituições ou de voluntariado noutros estados-membros.
Apesar de estarem intensamente absorvidos pelas atuais tarefas, os três jovens sentem saudades de Portugal. Ainda assim, o regresso não é uma prioridade. Agora estão concentrados em descobrir o mundo da UE e querem agarrar todas as oportunidades que surgirem.