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Alex Livesey/Getty Images

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Do galo da sorte à mobília especial dos quartos, quatro histórias desconhecidas do Euro 2016

Há um ano, Éder deu o pontapé que decidiu o Euro e fez disparar a nossa autoestima. Mas ainda há histórias por contar. Onde ficou a taça nessa noite? E qual foi a influência do galo preto no estágio?

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Em apenas dez dias, o sonho tornou-se pesadelo. No Mundial de 2014, ao contrário do que tinha acontecido em todas as fases finais desde 2002 (incluindo Europeus), Portugal não passou sequer da fase de grupos: foi goleado pela Alemanha (4-0), empatou com os Estados Unidos (2-2) e nem a vitória frente ao Gana na última jornada (2-1) inverteu a eliminação. Como em tudo, às vezes existem males que vêm por bem. E os responsáveis da Seleção Nacional fizeram de tudo para aprender com os erros e dar o salto. Um salto que, dois anos depois, foi tão grande que valeu algo inédito na nossa história: a conquista do Campeonato da Europa, em França.

Hoje, exatamente um ano depois, o que nos vem desde logo à cabeça são imagens. A imagem de um remate do meio da rua de Éder que decidiu a final com a anfitriã França; a imagem de uma equipa a unir-se em torno do infortúnio de Cristiano Ronaldo, o líder que saiu após uma entrada que lhe rebentou o joelho; a imagem de um país que saiu à rua para comemorar um momento que lhe devolveu a autoestima, a confiança e a esperança. Mas, tal como num puzzle, esse todo foi a soma de peças que começaram, desde logo, pela escolha do quartel-general da comitiva em terras gaulesas. Ganhou Marcoussis. E foi em Marcoussis que se começou a ganhar.

A mobília de luxo comprada para o hotel

Ao contrário do que tinha acontecido em 2014, onde se escolheu primeiro o centro de estágio e só depois os campos de treino e restantes unidades de trabalho, os responsáveis federativos visaram em primeira instância os relvados. O que, no caso da pacata vila a cerca de 30 quilómetros de Paris, estavam completamente assegurados em quantidade de qualidade (afinal de contas, era ali que estagiava a seleção nacional francesa de râguebi desde 2002). Faltava o resto. E dessa preocupação deu conta Fernando Santos aos dirigentes, no seguimento de uma das primeiras visitas que fez com João Vieira Pinto e Tiago Craveiro, entre outros.

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Cada quarto, pintado em cores de azul bebé, tinha pouca luz e criava um ambiente “frio”. Na altura ainda havia duas camas por unidade, o que praticamente esgotava o espaço. Como poderemos explicar? Para quem tem idade e gosta de aventura a acompanhar a sua equipa nas bancadas (até porque como existem quatro dias pelo menos entre jogos, anda-se sempre na passeata), chegava e sobrava; para um jogador de alta competição que, idealmente, passaria ali um mês, nem por isso. E a Federação investiu na renovação de cada um dos quartos.

Pinturas (em branco) e imagens personalizadas à parte, a Seleção investiu um total de 50 mil euros em novo mobiliário, com camas de casal XL entre outros adereços em castanho escuro, ecrãs de TV grandes com consolas ligadas e uma station para carregar todos os aparelhos eletrónicos. Depois, cada jogador dava o seu toque pessoal, como Adrien, que colocou uma fotografia gigante com a mulher e os dois filhos no quarto.

Pinturas (em branco) e imagens personalizadas à parte, a Seleção investiu um total de 50 mil euros em novo mobiliário, com camas de casal XL entre outros adereços em castanho escuro, ecrãs de TV grandes com consolas ligadas e uma station para carregar todos os aparelhos eletrónicos. Depois, cada jogador dava o seu toque pessoal, como Adrien, que colocou uma fotografia gigante com a mulher e os dois filhos no quarto. Até na parte dos equipamentos desportivos, que estava mais do que completa, houve a preocupação de levar para estágio a Vacusport Regenaration System, uma máquina que era utilizada por algumas das melhores equipas europeias para acelerar o processo de recuperação física dos jogadores entre os vários encontros.

Ainda assim, e como nem tudo se esgotaria em Marcoussis, essa mesma mobília ficou com a Federação que, depois de ter a mesma guardada quase um ano (na parte final desse período, já na Cidade do Futebol), enviou a mesma para Kazan, onde Portugal ficou durante a Taça das Confederações. Podia ter ficado na Rússia? Podia, o Mundial é já daqui a um ano. Mas como a Seleção ainda não garantiu o apuramento para a fase final da prova, toda a mobília voltou ao nosso país, com esperança de poder regressar… e para não dar azar. Por poder ser desmontada e montada, existe essa facilidade de criar um ambiente “conhecido” aos jogadores mas, em paralelo, é um material tão volumoso que tem de ser transportado por dois camiões.

MIGUEL A.LOPES/EPA

Quando se mexeu no galo, o cantar foi outro

Todos os anos costuma haver uma “moda” nos estágios da Seleção Nacional na fase final de uma grande competição. Um exemplo: no Mundial de 2010, na África do Sul, o completo isolamento criado pela escolha de Magaliesburg como quartel-general (e as fortes medidas de segurança que rodeavam o mesmo) fez com que vários jogadores aproveitassem para se entreterem com a coleção de cromos da Panini da competição. Concursos internos de vídeo-jogos (Pro Evolution Soccer ou FIFA), ténis de mesa, snooker ou cartas são outras das atividades que se costumam promover para quem não prefere apenas descansar, navegar na internet ou ler. O que mais interessa mesmo é fomentar um forte espírito de grupo entre toda a comitiva.

No caso de Marcoussis, um desses “fenómenos” apareceu à mesa. Como contou José Fonte ao programa Tribuna VIP da SIC Notícias, Bruno Alves tinha o hábito de levar para as refeições alguns condimentos para colocar na comida como pimentas caienas, sal dos Himalaias ou curcumas. No início, por ser algo pouco usual, foi motivo de brincadeiras. A certa altura, outros começaram a utilizar. No final, já todos pediam. “Como estava a dar resultado e andávamos contentes, íamos continuando”, explicou o central do West Ham. E foi até ao triunfo final.

O futebol sempre foi e sempre será feito de crenças. Por exemplo, são raríssimos os jogadores e treinadores que, na antecâmara de uma final, tocam na taça, mesmo que ela esteja ali à mão de semear na conferência de imprensa. Antes do encontro decisivo em Paris, nenhum jogador português terá olhado para o troféu que estava exibido mesmo ali à frente. Pode ter sido coincidência, mas acontece. E já tinha acontecido em Marcoussis, durante uma fase de grupos em que Portugal somara três empates noutros tantos jogos.

AFP/Getty Images

A Seleção partia com otimismo para a competição e Fernando Santos fez sempre questão de colocar a fasquia lá em cima. No entanto, as igualdades frente a Islândia (1-1) e Áustria (0-0, com um penálti ao poste de Ronaldo) colocaram, de forma inevitável, algum pessimismo no ar. No último encontro dessa fase, contra a Hungria, todos os cenários estavam em aberto, desde a passagem no primeiro lugar à precoce eliminação. Alguma coisa não estava mesmo a correr bem e dois dos líderes da equipa, Cristiano Ronaldo e Pepe, pararam um dia numa refeição e começaram a olhar à volta para tentarem perceber o que estava a dar tanto azar. “Não gosto de sorte ou de azar, mas temos tido galo”, chegou mesmo a dizer Fernando Santos, após o nulo na segunda ronda.

Numa primeira tentativa de decifrar o enigma, a coisa recaiu sobre dois elementos que faziam parte do ‘staff’ nacional que não costumavam estar nestas fases finais. Um deles, para tentar quebrar essa ideia, recordou mesmo que, com as Seleções mais jovens, estava sempre a ganhar. A coisa estava estranha até que alguém abordou uma nova “teoria”: seria um cata-vento de ferro com um galo preto que estava a amaldiçoar a campanha?

Pelo sim, pelo não, o bicho começou a estar virado sempre em direção do país contra quem Portugal ia jogar. Com a Croácia, resultou; com a Polónia, resultou; com o País de Gales, resultou. Só faltava um obstáculo, a França. Mas como seria colocado? Vai daí, a tática foi virar o bico do galo para a Torre Eiffel e o penacho do rabo para o Arco do Triunfo. E resultou, mais uma vez.

Alguém desviou as atenções para um cata-vento de ferro que havia no hotel: seria o galo preto o responsável pelo mau-olhado? Pelo sim, pelo não, o bicho começou a estar virado sempre em direção do país contra quem Portugal ia jogar. Com a Croácia, resultou; com a Polónia, resultou; com o País de Gales, resultou. Só faltava um obstáculo, a França. Mas como seria colocado? Vai daí, a tática foi virar o bico do galo para a Torre Eiffel e o penacho do rabo para o Arco do Triunfo. E resultou, mais uma vez.

Curiosamente, e por falar nisso, já antes os jornalistas que acompanharam a prova seguindo o dia a dia da Seleção tinham reparado que, por altura do jogo com a Hungria, a estátua do galo que estava colocada à entrada do centro de estágios, e que inicialmente estava virado para a zona dos quartos dos jogadores, foi orientada noutra direção.

Os vídeos motivacionais e um guia espiritual

Susana Torres saltou para a ribalta quando Éder, nas primeiras declarações como herói nacional e campeão europeu, dedicou o título à sua “mental coach”. Fizeram em conjunto um livro, onde ficou explicado também o tipo de trabalho que, no ponto mais alto, “ajudou” o avançado a ter aquele momento espontâneo de magia que derrubou a França no Euro. No entanto, existiram outros guias para jogadores portugueses.

Rui Patrício, um dos melhores jogadores nacionais em toda a campanha, recebeu a visita do seu mestre espiritual, Sri Paramahamsa Vishwananda, inventor da Atma Kriya Yoga, técnica de meditação criada por este natural das Maurícias que ajuda o guarda-redes a melhorar aspetos como a concentração, o equilíbrio e a flexibilidade.

Qualquer treinador ou estrutura procura quebrar as rotinas com mensagens que consigam marcar o grupo. Mensagens que podem surgir de exemplos de desportistas que se superaram (nacionais, como o alpinista João Garcia, ou internacionais, como o capitão da equipa de râguebi da África do Sul campeã mundial em 1995, François Pienaar), de vídeos, numa simples palestra. Rui Patrício, um dos melhores jogadores nacionais em toda a campanha, recebeu a visita do seu mestre espiritual, Sri Paramahamsa Vishwananda, inventor da Atma Kriya Yoga, técnica de meditação criada por este natural das Maurícias que ajuda o guarda-redes a melhorar aspetos como a concentração, o equilíbrio e a flexibilidade e que lhe foi apresentada pelo ex-treinador Ricardo Peres.

No final da fase de grupos, ficou também a saber-se que Fernando Santos tinha apresentado um vídeo de motivação criado por Guilherme Cabral com o nome “A Marcha de uma Nação”, onde passavam várias imagens dos atuais jogadores com outros que tinham estado nas campanhas de 2000, 2004, 2008 e 2012 cruzadas com mensagens e frases como “Não perguntes o que a tua pátria pode fazer por ti. Pergunta o que tu podes fazer por ela”. “Unidos, venceremos. Divididos… cairemos”, rematava. Para a final, houve “A Marcha Final”.

https://www.youtube.com/watch?v=4pW49WR773k

E se há palavras que ninguém esquece são mesmo as que Cristiano Ronaldo teve no intervalo da final com a França, quando já tinha sido substituído por lesão. Fernando Santos teve o condão de, com o discurso público ou em privado, gerir da melhor forma as emoções do grupo; naquele momento, o capitão colocou as emoções à flor da pele. E foi falando com todos os jogadores, nesse momento ou no banco de suplentes, durante o jogo. Como fez com Éder, dizendo-lhe que estaria a rezar por ele porque iria decidir o encontro. E decidiu mesmo.

A festa e… afinal onde ficou a taça a 10 de julho?

As viagens até França ainda hoje dão que falar (e fazem cair secretários de Estado, mas por outras razões), mas no dia 10 de julho de 2016 todas as pessoas mais próximas dos jogadores portugueses marcaram presença em Paris para assistirem à final do Europeu. Todas ou quase todas: Jéssica Augusto, por exemplo, teve de ficar em Amesterdão nesse dia para receber a medalha de bronze na meia maratona do Europeu…

No final, todos os jogadores e restante staff passaram imenso tempo em campo, junto de familiares e amigos, a celebrarem um título que se calhar só eles acreditavam ser possível. Por isso, a chegada a Marcoussis ocorreu já a uma hora adiantada da madrugada (3h30), o que não demoveu milhares de pessoas de esperarem para saudar os novos campeões europeus. Houve festa, até às tantas. Alguns pouco ou nada dormiram.

AFP/Getty Images

E, afinal, quem dormiu com a taça? Em entrevista à France Football, Cristiano Ronaldo apontou para dois nomes: Fernando Santos, o selecionador, ou Fábio Coentrão, que se terá juntado à festa. De acordo com as pessoas com quem o Observador foi falando, ninguém conseguiu quebrar por completo o mistério, embora se tenha apontado para uma pessoa do staff, que terá ficado encarregue de zelar pelo troféu que no dia seguinte andou de mão em mão, perante milhares e milhares de portugueses nas ruas em delírio.

Um ano depois, ainda havia histórias que faltavam ser escritas. E pelo menos uma que está ainda por contar.

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