Discurso de Trump a aceitar a nomeação
Apresento-me perante vocês esta noite com uma mensagem de confiança, força e esperança. (…) A discórdia e divisão da nossa sociedade devem ser saradas. Como americanos, estamos unidos por um único fado e um destino partilhado. Ascendemos juntos. Ou despedaçamo-nos. Candidato-me para ser o Presidente de toda a América, não apenas de metade da América, porque não há qualquer vitória em só ganhar meia América. Por isso, esta noite, com fé e devoção, aceito com orgulho a vossa nomeação para Presidente dos Estados Unidos.”
Donald Trump inicia o seu discurso com a mensagem de união que prometeu nos últimos dias, na sequência da tentativa de assassinato de que foi alvo. Fala em sarar “a discórdia e a divisão”, frisa a ideia de união de todos os norte-americanos e diz querer ser o Presidente de todos e não de apenas “metade” do país — uma ideia que nunca havia verbalizado antes.
Muitos perguntaram-me o que aconteceu e, portanto, irei contar-vos. Não o ouvirão uma segunda vez, porque é demasiado doloroso contar. (…) Para conseguir ver o quadro [que estava atrás dele no comício], comecei a virar-me para a direita. Ia virar-me mais — coisa que tive a sorte de não fazer — quando ouvi um barulho alto e sibilante e senti algo a atingir-me, com muita força, na minha orelha direita. Disse a mim mesmo ‘Uau, o que foi isto? Só pode ter sido uma bala’ e levei a minha mão direita ao meu ouvido, baixei-a e vi que estava coberta de sangue. Soube imediatamente que era grave, que estávamos sob ataque, e, num único movimento, baixei-me. As balas continuaram a voar, enquanto os muito corajosos agentes do Serviço Secreto correram para o palco e atiraram-se para cima de mim para me proteger. Havia sangue por todo o lado e contudo, de certa forma, senti-me muito seguro, porque tinha Deus do meu lado. Senti-o. (…) Quando me levantei, rodeado pelo Serviço Secreto, a multidão estava confusa, porque achava que eu estava morto e havia muita mágoa nos seus rostos. Foi aí que levantei o braço direito, olhei para os milhares de pessoas que aguardavam de respiração suspensa, e comecei a gritar ‘Lutem! Lutem! Lutem!’. Assim que o meu punho cerrado foi levantado, bem alto no ar, a multidão compreendeu que eu estava bem e rugiu com orgulho pelo nosso país, como nunca ouvi uma multidão fazer. Para o resto da minha vida, estarei grato pelo amor demonstrado por aquela audiência gigante de patriotas que se mantiveram ali corajosamente de pé naquela fatídica tarde na Pensilvânia.”
A primeira parte do discurso é dedicada inteiramente à tentativa de assassinato, com Trump a descrever o que sentiu naquele momento — e garantindo que não o voltará a fazer, por ser muito “doloroso”. Ao contrário do que é habitual na sua persona pública, não fala apenas de si: fala dos “corajosos” agentes do Serviço Secreto e destaca como a multidão se manteve “corajosamente” no local, tendo até mencionado alívio por não ter havido nenhum tipo de fuga em massa e pessoas esmagadas. Contudo, a forma como retrata todo o momento também contribui para reforçar a aura de mito em torno da sua reação, ao reforçar que a multidão “rugiu com orgulho” quando viu o seu punho cerrado.
Tragicamente, o atirador roubou a vida a um dos nossos compatriotas, Corey Comperatore, e feriu gravemente outros dois grandes guerreiros, David Dutch e James Copenhaver. Falei com as três famílias destas pessoas extraordinárias — o nosso amor e as nossas orações estão com eles. (…) Ao meu lado, neste palco, está a farda e o capacete de bombeiro Corey. Peço agora que façamos um momento de silêncio em honra do Corey.”
Mais uma vez, Trump adota o tom de estadista ao prestar homenagem às vítimas do ataque. Mostra que falou com as famílias e que tentou conhecer as suas histórias de vida. No momento de mostrar a farda e capacete do bombeiro que morreu, aproximou-se deles, num movimento teatral, mas de respeito.
Esta eleição deve ser sobre os temas que o nosso país enfrenta e sobre como tornar a América bem sucedida, segura, livre e novamente grande. Numa era em que a nossa política frequentemente nos divide, este é um momento para relembrar que somos todos compatriotas — somos uma nação, sob Deus, indivisível, com liberdade e justiça para todos. Não devemos criminalizar a dissidência ou demonizar a falta de acordo na política. Nesse espírito, o Partido Democrata deveria imediatamente parar de usar o sistema judicial como uma arma e de definir o seu adversário político como um inimigo da democracia, particularmente porque isso é falso — na verdade, sou eu quem está a salvar a democracia para as pessoas do nosso país. (…) Se os democratas querem unir o país, devem deixar cair esta caça às bruxas política o mais rápido possível e permitir que se realize uma eleição digna do nosso povo.”
É neste momento que o discurso de Trump se começa a transformar e o estadista dá lugar ao candidato divisivo habitual. Trump, que frequentemente usa alcunhas para descrever os adversários, que acusa o atual Presidente de ser o pior que o país já viu, que apelidou de “violadores” muitos imigrantes, vira agora o jogo e acusa os democratas de serem eles os provocadores da divisão no país. Não pela retórica política que usam, mas sim através de uma acusação grave: a de que estarão a usar o poder executivo para instrumentalizar a Justiça contra si, pondo em causa a independência dos tribunais. Um deles, recorde-se, condenou recentemente o candidato por vários crimes relacionados com o pagamento à estrela de filmes pornográficos Stormy Daniels.
Estou em êxtase por ter um novo amigo e colega a lutar ao meu lado: o próximo vice-presidente dos Estados Unidos, atual senador do Ohio, J.D. Vance, e a sua incrível mulher, Usha. Vai ser um grande vice-presidente. Quando nos criticaram pelo MAGA, eu disse ‘Isto é tornar a América grande outra vez’, não há nada a criticar. Vance foi um grande estudante em Yale e é muito esperto, a mulher dele também estudou em Yale e são ambos muito espertos. J.D., irás fazer isto durante muito tempo. Aproveita a viagem.”
A referência ao homem escolhido para seu candidato a vice-presidente é muito importante por dois pontos. Primeiro, pela referência à ideia do MAGA [Make America Great Again], mostrando que é esta a ideologia que Trump quer que se torne central no partido — e da qual Vance é um dos maiores paladinos. Depois, a nota de que o senador vai “fazer isto durante muito tempo” parece um piscar de olho do próprio Trump à possibilidade de J.D. Vance lhe suceder como candidato presidencial quando terminar o seu mandato de quatro anos, se for eleito.
Sob a atual administração, somos uma nação em declínio. Temos uma crise de inflação que torna a vida incomportável, rapinando os salários das famílias trabalhadoras e com menos rendimentos, e esmagando o nosso povo. Temos uma crise de imigração ilegal, uma invasão em massa na nossa fronteira sul, que espalhou miséria, crime, pobreza, doença e destruição por comunidades em todo o país. Depois, há uma crise internacional como o mundo raramente viu. Há guerras impetuosas na Europa e no Médio Oriente, um espectro crescente de conflito que assombra Taiwan, a Coreia, as Filipinas e toda a Ásia, e o nosso planeta está à beira de uma III Guerra Mundial.
Ao fazer o diagnóstico daquilo que considera estar mal no país, Donald Trump enumera as razões pelas quais defende uma política protecionista. O aumento do custo de vida, a imigração e as convulsões externas são os elementos que justificam propostas como as de aumentar as tarifas de importação de bens estrangeiros, fecho de fronteiras e deportação de imigrantes e redução de apoio a países como a Ucrânia — em teoria, para evitar uma escalada —, ao mesmo tempo que destaca a exceção da China, a responsável pelo “espectro crescente” que “assombra Taiwan”, e que os defensores do MAGA creem que deve ser confrontada.
Irei acabar imediatamente com a devastadora crise da inflação, baixar as taxas de juro e os custos da energia. Nós perfuramos, querida, perfuramos! Isso irá levar a um declínio dos preços em larga escala. Irei acabar com a crise de imigração ilegal fechando a nossa fronteira e acabando de construir o muro — a maior parte do qual já está construído. Irei acabar com cada crise internacional que a atual administração criou, incluindo a horrível guerra entre a Rússia e a Ucrânia, e a guerra provocada pelo ataque a Israel. Ambas nunca teriam acontecido se eu fosse Presidente. Se pegarem nos dez piores Presidentes da História, todos juntos não provocaram tantos danos como Biden provocou. Só vou usar o nome uma vez, só uma vez. O dano que ele causou a este país é impensável.”
Nas soluções propostas, Trump também é claro: a referência ao “perfuramos, querida, perfuramos” é uma inversão da política energética atual, com uma aposta nos combustíveis fósseis — a perfuração para obter petróleo, que o candidato chegou a apelidar no discurso de “ouro líquido”. A aposta na construção do muro que separa os EUA do México é para continuar. Quanto às questões internacionais, falta explicar que soluções tem Trump para acabar com ambas as guerras que, diz, foram fruto da administração Biden e não da invasão direta de território ucraniano pela Rússia e do ataque do Hamas a Israel a 7 de Outubro.
Hoje em dia, as nossas cidades estão inundadas de imigrantes ilegais. (…) Sabem quem está a tirar os empregos? 107% desses empregos vão para imigrantes ilegais. E sabem quem são os mais prejudicados? A população negra e hispânica, porque estão a tirar-lhes o trabalho. (…) Por isso, esta noite, quer me tenham apoiado no passado ou não, espero que me venham a apoiar no futuro, porque eu irei trazer de volta o Sonho Americano.”
Não é claro qual a fonte que Trump usou para afirmar que 107% dos empregos são ocupados por imigrantes ilegais, nem como isso se reflete diretamente mais nas comunidades afro-americanas e latinas do que nas outras. Na verdade, como notou a BBC, durante a presidência de Biden o número de empregos aumentou no geral, mas mais para cidadãos nacionais (mais 7,8 milhões) do que para aqueles que nasceram no estrangeiro (5,5 milhões). Mas esta é uma estratégia clara de tentar chegar ao eleitorado das minorias raciais, que, em 2016 e 2020, apoiaram pouco o candidato. De acordo com as sondagens mais recentes, estes eleitores parecem estar agora mais abertos a considerar o voto em Donald Trump.
Os biliões de dólares que estão parados vão ser redirecionados para projetos importantes como estradas, pontes, barragens e não iremos permitir que sejam gastos na nova burla “verde”, que não tem sentido. Irei acabar com o Mandato para os Veículos Elétricos no primeiro dia, salvando assim a indústria automóvel da completa obliteração e os consumidores norte-americanos de gastarem milhares de dólares num carro. Irei trazer os empregos na indústria automóvel de volta para o nosso país, através do uso correto de impostos, tarifas e incentivos, e não irei permitir que sejam construídas fábricas em massa no México, na China ou noutros países, de onde enviam os produtos de volta para os Estados Unidos, roubando os nossos empregos e criando uma situação sem esperança para as nossas empresas e trabalhadores. O [sindicato] United Auto Workers devia ter vergonha de ter permitido isto e o seu presidente devia ser despedido. Os trabalhadores sindicalizados devem votar em Donald Trump, porque é quem trará esses empregos de volta.
Donald Trump aproveita para classificar como “burla” a tentativa de transição energética promovida pela administração Biden, que passou a exigir às empresas automóveis que produzam uma percentagem mínima de veículos elétricos, a par dos carros movidos a combustíveis fósseis. Para o candidato, isso é um dos pontos que está a contribuir para a destruição da indústria no país, bem como a deslocalização de empresas, que promete combater. Quanto ao United Auto Workers, o maior sindicato da indústria, curiosamente promoveu uma das maiores greves da sua História no ano passado, cujo piquete de trabalhadores contou com a presença do Presidente Joe Biden num dos dias da greve. À altura, Trump criticou a greve e a liderança do sindicato — crítica que mantém —, ao contrário do seu candidato a vice-presidente, J.D. Vance, que também se juntou um dia ao piquete.
Aqui, no nosso país, está a ter lugar a maior invasão da nossa História. Eles vêm de todos os cantos da terra, não só da América do Sul, mas também de África, Ásia e Médio Oriente. (…) Ao mesmo tempo, a nossa taxa de criminalidade está a subir, ao mesmo tempo que no resto do mundo está em queda. Isso é porque eles enviam os seus homicidas, traficantes de droga, terroristas e criminosos de todo o tipo para os Estados Unidos. Tornámo-nos no aterro sanitário do mundo, que se ri de nós. Acham que somos estúpidos. Não acreditam que se estão a safar com isto, mas estão. Na Venezuela, o crime desceu 72%. Em El Salvador, os homicídios desceram 70%. (…) É por isso que, para manter as nossas famílias seguras, o programa republicano promete lançar a maior operação de deportação da História do nosso país — maior até do que a levada a cabo pelo Presidente Dwight D. Eisenhower há muitos anos.”
O candidato, que no início do discurso falava em amor, está agora ao ataque. Acusa os outros países do mundo de enviarem deliberadamente os seus criminosos para os Estados Unidos, sustentando a tese na descida dos índices de criminalidade de países como a Venezuela (com os dados a apontarem para uma redução muito inferior a 70% e taxas de emigração maiores para países vizinhos como a Colômbia, o Peru e o Equador) e El Salvador (onde o Presidente Nayib Bukele tem levado a cabo uma campanha de repressão severa sobre os gangues criminosos). Ao mesmo tempo, promete “a maior operação de deportação” de sempre no país, sem especificar se isso abrangerá apenas os imigrantes com cadastro e/ou que estão de forma ilegal no país ou se é alargada a outros.
Viktor Orbán disse sobre mim: “A Rússia tinha medo dele, a China tinha medo dele, todos tinham medo dele”. Fui o primeiro Presidente da era moderna a não iniciar nenhuma guerra. Havia paz na Europa e no Médio oriente. Sob o Presidente Bush, a Rússia invadiu a Geórgia. Sob o Presidente Obama, a Rússia tomou a Crimeia. Sob a atual administração, a Rússia quer toda a Ucrânia. Sob o Presidente Trump, a Rússia não conquistou nada. (…) Não tive nenhuma guerra. Só a do Estado Islâmico e derrotámo-los. Eu consigo parar uma guerra só um um telefonema.“
Trump aproveita esta parte do discurso para destacar aquilo que considera ter sido um sucesso da sua presidência na área da política externa, dando a entender que os outros líderes — em particular Vladimir Putin — teriam medo da sua reação e por essa razão é que não avançaram para nenhuma aventura. Recorde-se que, em termos de relação dos Estados Unidos com a Rússia durante a administração Trump, o conselheiro especial Robert Mueller fez uma investigação onde deu como provadas tentativas de interferência russa na campanha eleitoral para prejudicar a campanha de Hillary Clinton e levantou a possibilidade de o Presidente Trump ter recorrido a alguma forma de obstrução da Justiça durante o processo de investigação. “O relatório não conclui que o Presidente cometeu um crime, mas também não o exonera”, diz o documento.
Os nossos antepassados americanos atravessaram o Delaware, sobreviveram aos invernos gelados do vale Forge e derrotaram um império poderoso para estabelecer a nossa estimada República. (…) Quando a nossa forma de vida foi ameaçada, patriotas americanos marcharam para os campos de batalha, correram contra os fortes dos inimigos e enfrentaram a morte para manter viva a chama da liberdade. Em Yorktown, Gettysburg e Midway, todos se juntaram à lista de heróis imortais. (…) Tal como os nossos antepassados, também nós devemos agora unir-nos, ultrapassarmos as nossas diferenças e discórdias passadas, e seguirmos unidos em frente, como um só povo e uma só nação, jurando lealdade à única e linda bandeira americana.”
À medida que o discurso se aproxima do final, a acidez do candidato volta a dar lugar ao papel de estadista. Invocando exemplos do passado, como batalhas fulcrais desde a guerra da independência até à II Guerra Mundial, pede inspiração aos antepassados para que o país volte a unir-se e a ultrapassar diferenças. Muito embora algumas das batalhas invocadas sejam precisamente de um momento de desunião profunda do país: a guerra civil que opôs o governo do norte aos estados da Confederação do sul.
Esta noite, peço a vossa parceria, o vosso apoio e, humildemente, peço o vosso voto. A cada dia esforçar-me-ei para honrar a confiança que depositaram em mim e nunca vos irei desiludir. A todos os homens e mulheres esquecidos que foram negligenciados, abandonados e deixados para trás: não vão voltar a ser esquecidos. Iremos seguir em frente e vencer, vencer, vencer. Nada nos fará oscilar. Nada nos fará abrandar. E ninguém nos vai parar. Sejam quais forem os perigos que enfrentemos, independentemente dos obstáculos que surgirem no nosso caminho, iremos seguir em frente até ao nosso partilhado e orgulhoso destino. Não iremos falhar. Vamos tornar a América grandiosa novamente!”
Para terminar, Trump foca-se na sua base eleitoral, aquela que esteve com ele desde o início: os eleitores que se sentem prejudicados pela globalização e esquecidos pelo “sistema”. A mensagem final é de desafio perante os “obstáculos”, não nomeados. Um atirador que quer matar o candidato? Um sistema judicial “instrumentalizado” pelos adversários? O paralelo com o ataque de sábado passado volta a surgir, não sob a forma de punho, mas na expressão. Se naquele dia Donald Trump pediu “Lutem! Lutem! Lutem!”, desta vez garante que vai “vencer, vencer, vencer”.