Em junho de 2020, o médio brasileiro Arthur Melo assinava pela Juventus, proveniente do Barcelona, a troco de 72 milhões de euros (mais dez em variáveis). Miralem Pjanić fazia o percurso inverso, deixando a Vecchia Signora numa operação em que o clube italiano recebeu 60 milhões de euros (mais cinco em variáveis) da equipa blaugrana. O negócio representava assim um lucro de 17 milhões para os cofres da Juventus e foi usado como resposta à necessidade de equilíbrio das contas dos cofres da equipa.
A transação serviu de gatilho para a investigação de algo muito maior que teve consequências para a Juventus. O resultado? Para já, a equipa de Turim perdeu 15 pontos no Campeonato italiano, o que contribuiu para agravar uma temporada que já não estava a ser brilhante do ponto de vista desportivo. Com a penalização, os bianconeri caíram para o décimo lugar da Seria A, vendo dificultada a tarefa de se qualificarem para as competições europeias, objetivo que, ainda que conseguido dentro do campo, pode ser anulado pela UEFA devido a incumprimentos relacionados com o fair-play financeiro.
A troca de Arthur por Pjanić evidenciou um esquema em que o clube italiano gerava mais-valias fictícias. Lucrar com a venda de jogadores de futebol é algo comum nos negócios do meio desportivo, ou seja, não há nada de errado em comprar um jogador por 30 milhões e vendê-lo por 35. No entanto, a Juventus foi acusada de aumentar o valor de mercado dos seus jogadores de modo a poder vendê-los por valores superiores ao que era expectável, amortizando, aparentemente, problemas financeiros.
As diligências do caso começaram porque a Comissão de Fiscalização dos Clubes de Futebol (Covisoc), um órgão interno da Federação Italiana que tem como função monitorizar a situação económica e financeira dos clubes italianos, realizou um relatório onde destacava 62 transferências que mereciam uma análise aprofundada, realizadas entre 2019 e 2021, por se enquadrarem neste tipo de operação. Nesse momento, a análise do caso falhou devido à dificuldade de definir o valor de marcado dos jogadores. Inicialmente, a investigação tentou guiar-se pelo site especializado em transferências, o Transfermarkt, um instrumento considerado não oficial.
O caso acabou por cair uma vez considerado não existir um método objetivo para estabelecer qual o valor de mercado de um atleta e, dessa forma, se tornar impossível detetar transferências por valores distantes do preço real dos futebolistas. Assim, a acusação à Juventus e a outros dez clubes italianos indiciados da mesma prática caiu. Também as queixas imputadas à ação do diretor desportivo do clube, Fabio Paratici, e ao presidente, Andrea Agnelli — nenhum dos quais se encontra a exercer funções atualmente no clube –, que se encontravam num lote de 59 pessoas envolvidas na promoção de mais-valias fictícias acabaram por não ter consequências.
Só que, a nível regional, a ilicitude das práticas da Juventus não caiu no esquecimento. Desse modo, as autoridades locais de Turim mantiveram-se em cima do caso naquela que se designou de Operação Prisma. Nesse sentido, a mando da Guardia di Finanza, autoridade italiana para investigações relacionadas com assuntos do foro financeiro, foram realizadas buscas nas instalações da Juventus, de onde resultaram novas provas que levaram o procurador federal da Federação Italiana de Futebol, Giuseppe Chiné, a pedir a reabertura do processo, passando o clube italiano a estar indiciado de falsos registos de contabilidade, falsas declarações de rendimentos e manipulação de mercado.
A consequência imediata foi a demissão do presidente, Andrea Agnelli, do seu braço direito, Pavel Nedved, e do diretor, Maurizio Arrivabene. Em resultado das acusações, a Federação Italiana de Futebol aplicou a retirada de 15 pontos à Juventus, num castigo que acabou por ser agravado, estando inicialmente apontada para a perda de apenas nove. Simultaneamente, o antigo diretor desportivo da Juventus, atualmente no Tottenham, Fabio Paratici, ficou suspenso por 30 meses de ocupar qualquer cargo no futebol italiano. Andrea Agnelli foi suspenso por 24 meses. Já o vice-presidente, Pavel Nedved, foi suspenso por oito meses. A Federação italiana apelou que os castigos aplicados aos antigos dirigente fosses alargadas a todas as atividades sob controlo da UEFA e da FIFA.
A Juventus argumentou que a penalização é discriminatória uma vez que algumas equipas, nomeadamente as que também participam na Seria A, que também estavam indiciadas da exploração de mais-valias fictícias não foram penalizadas. Nápoles, Sampdoria, Empoli, Génova, Pisa, Parma, Pro Vercelli, Pescara, Novara e Chievo Verona eram os clubes acusados de incorrerem na mesma prática. Muitas destas equipas alinharam com a Juventus no esquema, bem como outros emblemas estrangeiros os quais as investigação italiana não tem poder para sancionar.
Um dos exemplos do esquema de mais-valias fictícias envolve um português. Em junho de 2020, Félix Correia assinava pelos bianconeri a troco de 10,5 milhões de euros pagos pela Juventus ao Manchester City, clube inglês detentor dos direitos desportivos do jogador. Um dos aspetos que chamou a atenção das autoridades italianas foi a contratação de jogadores sem provas dadas por verbas assinaláveis. O jogador, hoje com 22 anos, quando assinou pela Vecchia Signora, não tinha realizado qualquer jogo ao serviço dos citizens, mesmo se forem considerados todos os ecalões competitivos, tendo estado dois anos emprestado ao AZ Alkmaar, onde não passou da equipa B. Desse modo, a mudança do extremo foi uma das transferências que mereceram a análise das autoridades fiscais de Turim. Também a transferência de João Cancelo da Juventus para o Manchester City, negócio feito na ordem dos 65 milhões, esteve sob escrutínio.
Outro esquema que a Juventus utilizou para demonstrar resultados financeiros lucrativos quando tinha as contas fragilizadas esteve relacionada com o pagamento de salários no período da pandemia em que as competições foram suspensas. A equipa italiana terá acordado com os jogadores o pagamento do valor referente aos vencimentos desse período nas épocas seguintes como manobra parar fazer face às dificuldades provocadas pela Covid-19. Cristiano Ronaldo fez queixa devido ao atraso no pagamento de cerca de 20 milhões de euros.
Italianos dizem que Cristiano Ronaldo exige 19,9 milhões de euros à Juventus
As estratégias de adulterar os resultados financeiros com recurso às transferências não se revelou proveitoso para os bianconeri. Em 2021/22, Juventus apresentou resultados negativos de 254 milhões de euros, o maior prejuízo da história do clube.