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Jan VAN DE VEL

Jan VAN DE VEL

Duarte de Jesus, ex-embaixador em Pyongyang: "A Coreia do Norte é um laboratório especial"

Palmilhou as ruas do país e conheceu o número dois dos Kims. Hoje, o diplomata vê com "esperança moderada" as negociações com os EUA — e teme que quem deite tudo a perder seja Trump e não Kim Jong-un.

“Nunca escrevi um texto — fosse um livro ou um artigo — sobre um assunto que se estivesse a desenrolar tão dramática e aceleradamente como é o caso da Coreia do Norte.” A frase de José Manuel Duarte de Jesus, incluída no seu novo livro “Coreia do Norte: A última dinastia Kim” (edições 70), é reveladora da realidade. À data desta conversa, era difícil adivinhar que Donald Trump viria a anunciar o cancelamento da cimeira com a Coreia do Norte para logo depois explicar que tudo mudava para afinal tudo ficar igual. O encontro vai mesmo acontecer em Singapura, como confirmou Trump esta sexta-feira. A “imprevisibilidade” do Presidente norte-americano, contudo, já era um factor a apontar pelo embaixador nesta entrevista.

Duarte de Jesus tem uma longa carreira como diplomata, mas de todos os sítios por onde passou — do leste europeu antes de a Cortina de Ferro cair (Praga), passando por pontos de África tão exóticos como Kinshasa e Bangui e indo até Otava, no Canadá — poucos deixaram a marca que Pyongyang deixou. O diplomata foi representante máximo de Portugal em Pequim quatro anos, durante os quais assistiu à morte de Deng Xiaoping. Foi também nessa altura, em 1994, que morreu o líder norte-coreano, Kim Il-sung — e Duarte de Jesus esteve também na primeira fila, ou não estivesse acreditado como embaixador extraordinário e plenipotenciário na Coreia do Norte.

A acreditação deu-lhe a oportunidade de visitar o país algumas vezes. Esteve na capital, onde foi levado a uma escola primária e onde a sua mulher teve oportunidade de visitar um hospital (sem doentes visíveis). Viajou até Panmunjeom, na zona desmilitarizada na fronteira com o Sul, não se cruzando com nenhum outro carro pelo caminho. Teve conhecimento que em Mangyongdae, onde o supremo líder Kim Il-sung nasceu, ocorre um fenómeno de peregrinação que o fez refletir sobre o papel do isolamento na criação de “novas Fátimas, novos santuários de milagres”.

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Coreia do Norte: A Última Dinastia Kim (ed. 70) (D.R.)

Estes e outros episódios são agora recordados pelo antigo embaixador no novo livro. Na obra, bem como nesta conversa com o Observador, Duarte de Jesus aproveita para refletir sobre o momento que o país atravessa e sobre o papel diplomático que crê que Portugal poderia ter representado na década de 90 como um dos poucos países da União Europeia com relações com Pyongyang. “Os pequenos países podem por vezes ser veículos úteis para criar certas e determinadas relações e possibilidades”, afirma.

O ex-diplomata reflete ainda sobre as pessoas que conheceu, como Kim Yong-nam (número dois do país), o papel de Macau na relação entre Portugal e Coreia do Norte e as negociações atuais com os Estados Unidos. “Tendo lá estado e tendo falado com eles, penso compreender os objetivos deles. Ora, se satisfizermos esses objetivos e com isso conseguirmos terminar a ameaça nuclear, acho que vale a pena”, declara, sem margem para dúvidas. Resta saber se os atritos entre Trump e Kim não colocarão essa janela de oportunidade em causa.

Foi embaixador na China entre 1993 e 1997 e foi nessa altura que surgiu a oportunidade de se acreditar na Coreia do Norte. Como é que isso aconteceu? Já havia tradição diplomática entre os dois países?
Havia, mas quem estava lá acreditado era o embaixador em Moscovo e eu fui o primeiro a ser acreditado a partir de Pequim.

E porquê essa mudança?
Primeiro, porque é muito mais rápido, o voo é de 1h ou coisa parecida. Segundo, apesar de tudo, as relações com a China eram mais fáceis do que com Moscovo. Ultimamente — julgo que foi asneira, mas enfim — quem lá esteve estava acreditado em Seul, o que me parece mal. Eu enquanto estive embaixador acreditado na Coreia do Norte, nunca fui à Coreia do Sul, por uma questão de…

Separar as águas?
Exatamente, para não haver sensibilidades chatas. Tal como nunca fui a Taiwan quando estava na China. Podia ter ido, mas acho que era inútil criar um atrito qualquer por causa disso.

Conta no livro que nessa altura as relações entre Portugal e a Coreia do Norte atravessavam um momento muito bom, com os coreanos a apoiarem-nos para o Conselho de Segurança nas Nações Unidas e na questão de Timor. Porquê? Consegue perceber o que motivou isso?
Acho que havia várias razões. Uma delas é que eles tinham interesse naquela altura — e penso que ainda hoje terão — em fomentar e criar melhores relações com a União Europeia. Nós éramos um país membro da UE, não éramos uma grande potência… Foi relativamente depois do 25 de Abril, portanto havia também uma posição mais independente dos Estados Unidos. Penso que nós devemos ter representado para eles um país que pertencia a um bloco de que eles se queriam aproximar e que tinha uma certa independência dos Estados Unidos — e também da ex-União Soviética. Penso que essas circunstâncias ajudaram.
E, como digo no livro, penso que queriam essa aproximação nomeadamente dentro do quadro da KEDO [Organização para o Desenvolvimento da Energia da Península Coreana, criada para aplicar o acordo anti-nuclear entre EUA e Coreia do Norte em 1994], eles queriam precisamente equipamento da Siemens e não equipamento da Coreia do Sul — que era no fundo equipamento americano feito na Coreia do Sul — para evitar produzir plutónio, ou seja, para produzir energia suficiente mas a partir da qual não se podia fazer armas nucleares. E nós desempenhámos um papel de certa importância no sentido de tentar convencer a UE a ter mais força. A Alemanha ainda tentou, mas o resto da UE já estava relativamente fraca para se apresentar como um bloco e para fazer uma certa barreira às pretensões americanas.

Duarte de Jesus ao centro

Claro que naquela altura nos EUA havia uma diplomacia. Hoje, [Donald] Trump tem dado cabo da diplomacia de uma maneira extraordinária, o número de diplomatas que tem saído do State Department [Departamento de Estado] é enorme. Naquela altura eles tinham uma mulher notável e que deve ter sido talvez a principal arquiteta daquilo tudo, a Madeleine Albright, que foi aquela que foi lá, foi recebida de uma maneira extraordinária, e que foi o grande motor de uma aproximação que depois [George W.] Bush estragou. Estamos a assistir agora a um segundo ato da mesma peça. Não sei como vai dar, mas enfim.

Chegou a encontrar-se muitas vezes com Kim Yong-nam, número dois, e ele referiu que já tinha tido relações prévias com Portugal.
É, o Kim Yong-nam disse-me que já tinha vindo a Portugal mais do que uma vez. Não há nenhuns records arquivísticos disso, de maneira que ele deve ter vindo possivelmente através de relações com o Costa Gomes, na medida em que, quando eu estava em Pequim, Costa Gomes foi à Coreia do Norte. Talvez tenha sido por essa via. O que é facto é que no ministério dos Negócios Estrangeiros não encontrei por exemplo nenhum tipo de registo de estadia dele cá. Mas também não estou a ver a que propósito é que ele iria inventar isso para me dizer.

"Nós devemos ter representado para eles um país que pertencia a um bloco de que eles se queriam aproximar e que tinha uma certa independência dos Estados Unidos — e também da ex-União Soviética."

Portanto há aqui muita coisa que não sabemos. Pode ter havido outros contactos?
Sim. Kim Yong-nam apesar de ter este nome não é o irmão [de Kim Jong-un]. Já me perguntaram mais do que uma vez “então, você esteve a falar com o irmão?” e eu tenho de explicar que não, há mais Marias na terra [Risos]. Eu até costumo escrever Kim ‘Yong’ em vez de Kim ‘Jong’ para distinguir. Mas o Kim Yong-nam foi um dos indivíduos que incluo naqueles em que é preciso pensar mais, ir além do Kim Jong-un. O Kim Yong-nam, com quem eu tive talvez mais conversas, continua a ser o número dois da hierarquia, é praticamente o primeiro-ministro.

Foi o número dois do pai [Kim Jong-il] também.
Foi do pai e continua deste. Deve ter cento e muitos anos, não sei [Risos]. E continua a ter funções importantes. Foi um homem que me deu alguma confiança, era um homem com quem era possível falar e abria-se bastante do ponto de vista das relações externas. Numa fase como esta, julgo que também convinha cultivar pessoas que estão atrás de Kim Jong-un e que certamente representarão algum grupo mais moderado, diferente, etc. Mas enfim, quem sou eu para estar a dar conselhos a quem está a negociar? Só julgo que convinha dar atenção a homens como ele. Este é um homem que conhece bem Macau, é um tipo que tem uma ligação connosco. Infelizmente Portugal, naquela altura, não soube muito aproveitar essa abertura que tinha. Éramos um país pequeno. Os países pequenos evidentemente não têm o papel de uma grande potência, mas podem por vezes ser veículos úteis para criar certas e determinadas relações e possibilidades.

Falou de Macau. Até que ponto era Macau relevante para a Coreia do Norte nas relações com Portugal? Ou seja, era uma das coisas que motivava o interesse em Portugal?
Sim, porque Macau naquela altura ainda não era parte da China. No entanto, os serviços secretos chineses trabalhavam e funcionavam em Macau, em boas relações com os nossos que também lá estavam. Era um bocado uma plataforma de serviços secretos de vários países e, portanto, muitos desses serviços de intelligence de mais do que um país ocidental tinham ali a base para observar a Coreia do Norte. De resto, o irmão [de Kim Jong-un] chegou a viver em Macau e houve uma tentativa de ele ser morto em Macau. Depois acabou por ser morto noutro sítio [na Malásia].

Chegou a falar-se que ele teria um passaporte português.
Sim. Nunca obtive confirmação disso. É possível, mas nunca tive. Aquelas famosas irmãs Soong que foram muito importantes na China (uma até casou com o Chiang Kai-shek [líder do governo chinês nos anos 40], outra foi muito importante no tempo de Mao Tsé-Tung e outra foi uma das grandes fortunas) uma delas fugiu com um passaporte português e são muito mais antigas. Portanto não seria a primeira vez que acontecia uma coisa desse género.

Mas acha que a Coreia do Norte tinha interesse em estimular relações com Portugal para poder utilizar algumas coisas em Macau a seu favor?
Macau era um bocadinho uma plaque tournante [placa giratória]. Segundo os serviços de informação me disseram, algumas das famosas notas falsas que eles faziam, faziam-nas em Macau, num café, lá atrás num sítio qualquer. E o Kim Yong-nam esteve lá.

No livro fala das suas visitas a Pyongyang e, a certa altura, a expressão que lhe ocorre é que estava a assistir a uma “sociedade orwelliana” e a “um cenário de peça de teatro sem atores”. Ficou com a sensação de que a capital era uma espécie de encenação naquela altura, comparada com o resto do país?
Era, completamente. Hoje as coisas estão bastante diferentes, houve uma abertura muito grande e instalação de comércios ocidentais. Naquela altura havia comércios perfeitamente fabricados, montados para estrangeiro ver — especialmente japonês, na altura — que depois fechavam. Havia um departamento do partido que tratava disso. Foi, de resto, um dos poucos países onde acontecia uma coisa curiosa. Era raro eu e a minha mulher podermos sair sem companhia, íamos com um tipo simpatiquíssimo, um diplomata que tinha estado em Portugal quando eles tinham cá embaixada. Nós dávamo-nos muito bem com ele, levávamos-lhe chocolates para as filhas, que adoravam. Uma vez saímos sem ele, andávamos ali a passear nas ruas e notei uma coisa curiosa: as pessoas bastava olharem para nós e, pela nossa maneira de vestir e tal, afastavam-se ao ponto de sair do passeio. Devia ser o medo de que pudessem ser observadas junto a nós [estrangeiros], ou cumprimentando-nos ou qualquer coisa e evitavam que houvesse um simples “contágio”. Não me lembro de isso ter acontecido noutro país. Estive em países da União Soviética e isso nunca aconteceu. Comparar aquilo com um país comunista não tem nada a ver, aquilo é outra coisa. Aquilo é um laboratório especial.

"Macau era um bocadinho uma plaque tournante [placa giratória]. Segundo os serviços de informação me disseram, algumas das famosas notas falsas que eles faziam, faziam-nas em Macau, num café, lá atrás num sítio qualquer."

Hoje as coisas estão diferentes, evidentemente, há restaurantes e tal. E tudo isso se deve em grande parte a este homem, ao Kim Jong-un. Não nos podemos esquecer que ele estudou na Suíça e isso é capaz de ter tido impacto na sua formação. Ele quando entrou fez uma série de reformas económicas, a ideia de haver um socialismo de “bem-estar” para a população era uma coisa que não existia muito antes. Ele abriu uma série de coisas e deu, de resto, esperança a muita gente. E houve muitos comentários quando assumiu o poder de que poderia haver uma reviravolta. E efetivamente houve, o que se está a assistir é também uma reviravolta, no modus faciendi — penso que não é reviravolta nenhuma nos objetivos. Penso que os objetivos são os mesmos que tinha o pai, o Kim Jong-il. Não o avô, porque o avô tinha ligações com a União Soviética que o pai já não tinha. Mas penso que os objetivos dele e do pai são os mesmos, os estilos é que são outros.

Kim Il-sung era visto quase como uma divindade, uma figura mítica muito distante. Já Kim Jong-il era uma figura mais misteriosa, não aparecia muito, não é?
Sim. O culto da personalidade, que havia no Estaline e em regimes fascistas, ali vai mais longe. Aquilo entra no domínio do mítico. Acho que até descrevo no livro uma das coisas que me fez alguma impressão: na aldeia onde o Kim Il-sung tinha nascido havia a pedra onde ele se sentava e as senhoras grávidas iam tocar três vezes na pedra. Tinha um ar perfeitamente religioso. Especialmente a frase que o tipo [o diplomata que acompanhava] me disse: “Ah, você como português deve perceber mais facilmente”. Eu fiquei admirado: “Como português? Porquê?”. “Oh, Fátima!”

Portanto eles próprios assumiam essa dimensão religiosa.
Sim, eles assumiam a dimensão mística e religiosa daquilo. Para eles era normal que a senhora esfregasse a pedra do líder semi-divino para ter um rapaz em vez duma rapariga. Há aqui um problema de interculturalidade, é difícil negociar com eles sem ter isso em mente. É uma lavagem ao cérebro muito forte e de mais do que uma geração. O isolamento, tudo isso cria novas Fátimas, novos santuários de milagres, novos semi-deuses. É fatal.

"As pessoas bastava olharem para nós e, pela nossa maneira de vestir e tal, afastavam-se ao ponto de sair do passeio. Devia ser o medo de que pudessem ser observadas junto a nós [estrangeiros], ou cumprimentando-nos ou qualquer coisa e evitavam que houvesse um simples "contágio". Não me lembro de isso ter acontecido noutro país."

Diz a certa altura no livro que devemos ter cuidado. Escreve que muitas vezes se olha para Kim Jong-un como sendo uma criança ou um louco e fiquei com a sensação que acha que devemos levar o regime um pouco mais a sério.
Acho que é uma questão de realismo. O problema é tentar definir e saber qual é o objetivo deles. Se nós assumimos uma posição do tipo missionário americano, de querer mudar o regime internamente, não vale a pena. Se nós queremos resolver um problema de tipo nuclear, é outro aspeto. Então vamos deixar para os coreanos o problema interno e vamos tentar arranjar maneira — como já se esteve muito próximo de alcançar — de eles deixarem de representar um perigo nuclear. Isto interessa aos países da região, à China e no limite, com a tecnologia existente hoje, interessa aos Estados Unidos. Interessa ao mundo inteiro.
Agora está posta em causa a cimeira entre os EUA e eles, porque efetivamente nas vésperas de isso acontecer ir fazer manobras militares ali é um problema de bom senso. Se nós estamos meio zangados e eu vou ter consigo para termos uma conversa e ao mesmo tempo arranjo uns tipos que estão ali ao pé de si com pistolas… É uma falta de bom senso que faz impressão! Se as coisas corressem mal e fizessem depois isso, era uma coisa. Agora, quando as coisas pareciam estar a correr bem…

Acha que os Estados Unidos subestimam a Coreia do Norte?
Não sei se subestimam. O meu grande problema é que consigo definir os objetivos estratégicos da Coreia do Norte e não consigo nesta altura definir os objetivos estratégicos de Trump, que me parece que são até contra os interesses americanos, à primeira vista. É a primeira vez que vemos, por causa do Irão, o principal aliado dos EUA na Europa, o Reino Unido, a ter um discurso violento contra os Estados Unidos. Se fosse a Alemanha, se fosse a França… Agora a Inglaterra, que sempre foi o aliado principal, como nós do Brasil ou coisa assim. É difícil ver no Parlamento Europeu um ministro dos Negócios Estrangeiros inglês ter o discurso que ele teve contra os Estados Unidos. Na semana passada li um artigo na Foreign Affairs — na Foreign Affairs, não era um jornal coreano… — em que eles definiam a política de Trump como How to make things worse [Como piorar as coisas] (Risos). Lembrou-me aquele slogan anarquista do tempo da Guerra Civil espanhola, quanto peor, mejor [quanto pior, melhor]. É quase o que parece. Criar atritos onde as coisas parecem estar a caminhar no bom sentido… Há qualquer coisa aqui que escapa. E como não é propriamente um conflito de interesses, mas sim um problema de armas nucleares de longo alcance, que podem alcançar a costa de Los Angeles, não se percebe.

Dizia que os objetivos da Coreia do Norte se percebem. Quais acha que são?
O que eles querem é ser reconhecidos. Se forem reconhecidos pela maior potência mundial, a maior parte dos outros países passam a falar com eles. Com isso pára o boicote. Parando o boicote, a economia melhora, passa a haver alimento para a população e isso tudo vai dever-se à dinastia Kim. E o que eles querem é manter aquela dinastia no poder. Portanto penso que consigo mais ou menos perceber, talvez com algum erro, mas enfim. Tendo lá estado e tendo falado com eles, penso compreender os objetivos deles. Ora, se satisfizermos esses objetivos e com isso conseguirmos terminar a ameaça nuclear, acho que vale a pena.

"Agora está posta em causa a cimeira entre os EUA e eles, porque efetivamente nas vésperas de isso acontecer ir fazer manobras militares ali é um problema de bom senso. Se nós estamos meio zangados e eu vou ter consigo para termos uma conversa e ao mesmo tempo arranjo uns tipos que estão ali ao pé de si com pistolas... É uma falta de bom senso que faz impressão! "

Sendo que, no fundo, esses objetivos não são muito diferentes do que já foram no passado.
Exatamente. Considero que os objetivos são os mesmos. O estilo do pai era diferente do estilo deste, mas os objetivos são os mesmos. Será que Trump perceber isso? Não sei. Será que Trump tem outros objetivos? Não sei. Não é possível resolver nada sem meter a China. A China é a grande potência ali. Dizer que a China é a aliada deles é um erro total. Lembro-me uma vez da frase que o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros me disse quando foi lá o Kim Jong-il, recebido com honras de chefe de Estado. Eu disse-lhe: “Vocês recebem em grande”. E ele disse: “Lembra-se da frase do Confúcio? ‘São os inimigos que nós temos de tratar bem, os amigos não é preciso.'” Eles têm ali uma potência ao lado com armas nucleares e portanto não lhes interessa criar problemas. Simplesmente, com a evolução que a Rússia teve (que se afastou completamente) e com a evolução que a própria China teve, eles ficaram ainda mais isolados. Penso que a China tem interesse na desnuclearização da Coreia do Norte e por isso tem interesse em que corram bem as negociações com Trump. E penso que as vezes que [Xi] Jinping falou com Kim Jong-un são um indicador disso mesmo. Agora, o que vai acontecer? Devo dizer que, apesar de tudo, tenho uma esperança bastante moderada, porque não sei o que pode acontecer com as manobras militares. E com a imprevisibilidade do Presidente americano é difícil fazer prognósticos.

Dizia que à Coreia do Norte interessam as negociações para melhorar a situação económica no país. Mas no seu livro argumenta que as sanções não têm sido o método mais correto para lidar com a Coreia do Norte.
Nunca foram em parte nenhuma. Lembra-se quantos anos houve sanções para a África do Sul? Há sempre quem fure sanções. E cada vez há mais offshores. Quanto mais offshores há, mais países há a fazer negócios com aqueles com quem oficialmente não se faz negócios. A série de negócios que se faziam, por exemplo, com a África do Sul, com quem a Europa não podia fazer, eram feitos através da Tailândia. Desde o momento em que há offshores, em que há economias paralelas e secretas à margem das economias oficiais que seguem as regras da Organização Mundial do Comércio, os boicotes são um bocadinho para inglês ver, para satisfação moral. Fazemos um boicote, ficamos todos satisfeitos e tal, mas a longo prazo… Por exemplo, a China fornecia-lhes [à Coreia do Norte] muitas coisas. Ultimamente deixou de fornecer, portanto as coisas começam talvez a ser diferentes.
Mas quando lá estive, morriam milhares de pessoas de fome devido ao boicote existente. Naquela altura havia menos a política de offshores que há hoje. Hoje a chamada bandalheira financeira internacional é maior e portanto a maneira de furar boicotes é mais fácil.

E quem é que fura o boicote para ajudar a Coreia do Norte? Como acha que são essas redes de financiamento que os vão sustendo, é a China?
O boicote apesar de tudo ajuda, porque tudo o que vem de fora não vem da mesma maneira. E eles podiam desenvolver economia se efetivamente deixasse de haver essas restrições. Se os Estados Unidos abrissem lá uma embaixada, a quantidade de países que ia abrir era imensa. A Rússia está lá, por exemplo, e outros estão. A Síria está lá, o Irão está lá. Mas são todos países que não interessam muito ao Ocidente e aos Estados Unidos. Os EUA teriam todo o interesse em ter lá uma série de aliados. A Alemanha está lá, mas…

Duarte de Jesus (segundo a contar da direita) numa cimeira entre a Associação de Nações do Sudeste Asiático e a União Europeia (D.R.)

Jan VAN DE VEL

Acha que a Coreia do Norte está mais preocupada em dialogar com os Estados Unidos ou em tratar da sua zona de influência?
O que aconteceu nesta altura é que, se antigamente o objetivo da Coreia da Norte era dialogar com os Estados Unidos e subalternizar a Coreia do Sul, atualmente a Coreia do Sul deu uma reviravolta do ponto de vista diplomático de uma maneira extraordinária. O que significa que se hoje se consegue alguma coisa dos EUA, em grande parte vai dever-se à Coreia do Sul. Isso põe a Coreia do Sul num pé de igualdade entre eles. Se a coisa correr mal com os americanos, pode-se pôr a questão de até que ponto os americanos poderão ver como problema um tipo de diálogo entre as Coreias. Pode ser que a China ajude a que isso aconteça. É uma pura especulação, mas enfim, a situação é realmente diferente e é difícil estar a imaginar todas as passadas num cenário que é diferente.

Mas há um jogo local para além do diálogo com os Estados Unidos?
Penso que sim. A ida do [secretário de Estado norte-americano] Mike Pompeo lá, por exemplo, só foi foi sabida depois. Outro tipo de negociação pode estar a acontecer neste momento e não sabermos. Vamos esperar pelo melhor, mas com prudência.

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