897kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

Violação. Mulher sozinha em desespero
i

Getty Images/iStockphoto

Getty Images/iStockphoto

Durante um ano perseguiram e violaram colegas da escola. A história da acusação de dois alunos de uma escola de Vila Franca de Xira

Tinham 16 e 17 anos quando violaram duas meninas de 12 anos e abusaram de outras quatro de 14 e 15 e vão agora a julgamento. Há ainda um terceiro suspeito menor de 16 anos alvo de um processo tutelar.

O som da porta daquele sótão a fechar e, depois, a trancar ainda hoje permanece na memória de Ana, de apenas 13 anos. Tinha ainda 12 quando tudo aquilo aconteceu. Lembra-se de estar num canto daquele espaço escuro com móveis velhos e a debater-se porque tinha aceitado subir até lá quando o colega de escola André, na altura ainda com 15 anos, se colocou atrás dela e João, ainda com 17, à frente. Sentiu tanto medo que só queria sair dali. Foi abusada por um e por outro, mesmo repetindo várias vezes para pararem. Foi ainda violada por um terceiro suspeito, de 16 anos, que acabara de fazer o mesmo a uma amiga no extremo oposto do sótão. Assim que abriram a porta só quis fugir dali e não contar a ninguém. Achava que assim esqueceria. Mas, semanas depois, voltaria a reviver tudo, ao perceber que tinha sido filmada e que os vídeos andavam a circular entre colegas de escola, via redes sociais e em grupos de WhatsApp.

Tinham passados dois meses daquele dia, era 28 de março de 2022. O ano letivo corria com normalidade, depois dos confinamentos determinados pela pandemia de Covid-19, e Ana não suportou mais. Ela e a amiga já não dormiam bem, tinham pesadelos e os pais nem sequer sabiam o que se estava a passar com elas. Era um segredo demasiado grave para manter longe do conhecimento dos adultos. Disse à amiga Mariana, da mesma idade, que tinham que falar com a psicóloga da escola e contar o que lhes tinha acontecido.

A psicóloga ouviu-as e comunicou o caso imediatamente à Direção da Escola, no concelho de Vila Franca de Xira. Não era a primeira vez que havia queixas daqueles alunos, algumas delas dentro da própria escola. Tinham que chamar a PSP, que perante a gravidade da denúncia comunicou logo com a PJ.

Assim que a inspetora da PJ colocou os nomes dos suspeitos na base de dados do Ministério da Justiça apareceram outros inquéritos do ano anterior por abuso sexual e coação. Nenhum deles tinha ainda chegado ao conhecimento da Judiciária — o órgão de polícia criminal responsável pela investigação de crimes sexuais. Estava aberta a caixa de pandora.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Um email enviado pela Direção da Escola a 28 de março de 2022 corroborava-se os antecedentes dos suspeitos. Nessa comunicação à PJ, o diretor da escola mostrava-se preocupado por se estarem a esgotar os dias de suspensão daqueles alunos e lembrava que já tinham sido suspensos antes por comportamentos impróprios. Temia o que podia acontecer caso eles regressassem ao espaço escolar, onde estavam as suas vítimas.

Comissão vai propor medidas para reduzir delinquência juvenil e criminalidade violenta

Segundo o último Relatório Anual de Segurança Interna, ainda relativo a 2021, a delinquência e a criminalidade entre os jovens está a aumentar. Naquele ano registou-se um aumento de 7,3% o que correspondeu a 1120 crimes praticados por menores, quando no ano anterior tinham sido 1044. Os números levaram mesmo o Governo a criar uma “Comissão de Análise Integrada da Delinquência Juvenil e da Criminalidade Violenta”, cujo trabalho deverá ser conhecido em junho.

Agente da PSP/Escola Segura numa ação de fiscalização a alunos junto à Escola Secundária do Restelo. Lisboa, 22 de janeiro de 2020. (ACOMPANHA TEXTO DE 30 DE JANEIRO DE 2020) MIGUEL A. LOPES/LUSA

A Direção da Escola comunicou as suspeitas de violação à Escola Segura da PSP que comunicou de imediato à PJ

MIGUEL A. LOPES/LUSA

Os amigos dos amigos

Ana e Mariana, à data com 12 anos, conheceram-se no início daquele ano letivo na mesma turma e ficaram logo amigas. Por intermédio de amigos de Mariana conheceram José, João e André que frequentavam um curso profissional na mesma escola e eram mais velhos. Dias antes daquele episódio no sótão do prédio de José, os três já tinham revelado comportamentos suspeitos. Mas os 12 anos de Ana e Mariana impediram-nas de avaliar os riscos.

Um dia, na escola, José obrigou Mariana a entrar na cabine de uma casa de banho dos rapazes. Encurralou-a e pediu-lhe que lhe fizesse sexo oral. Ela pontapeou-o tanto que conseguiu libertar-se. Ao mesmo tempo, na casa de banho das meninas, João e André tentavam fazer o mesmo à sua amiga Ana, que também conseguiu resistir.

Num outro dia, como não tinham aulas, estavam todos numas mesas junto ao campo de futebol quando João sugeriu a Ana que o acompanhasse para a zona de mato. Ali colocou-lhe a mão por baixo da roupa, nas zonas íntimas, indiferente ao pedido de Ana para que parasse porque estava a magoá-la. José chegou depois e repetiu o que amigo fazia, após ter tentado fazer o mesmo a Mariana.

Em finais de janeiro, no dia em que os três fecharam as duas amigas de apenas 12 anos no sótão, tinham-nas abordado na paragem de autocarro. Perguntaram-lhes se elas queriam esperar antes na paragem seguinte, que tinha um banco, e elas concordaram e seguiram-nos. A paragem, porém, era mesmo em frente à casa de José, que sugeriu depois esperarem os minutos que faltavam nas escadas do prédio dele.

Ana e Mariana só denunciaram os crimes de que foram vítimas dois meses depois, quando perceberam que andavam a circular vídeos entre os colegas. Não denunciaram por medo.

Segundo relatou Mariana às autoridades, e de acordo com o processo no tribunal de Loures consultado pelo Observador, já estavam todos nas escadas quando José disse que precisava ir a casa buscar uma coisa. Os amigos seguiram-no, depois elas, movidas pela curiosidade, subiram as escadas até ao cimo. Quando deram por isso estavam no sótão do edifício. José retirou a chave do esconderijo (um quadro elétrico) e disse-lhes que não tivessem medo. Elas estavam curiosas com o que estaria por detrás da porta. Só no momento em que ouviu a porta fechar-se e trancar-se é que Ana percebeu que não devia ter subido as escadas daquele prédio. Ficou em pânico.

Quando ali entraram, Ana foi encaminhada para um canto por João e André. Estava tão tomada pelo medo que nem atentou na amiga, que estaria no extremo oposto a resistir à investida de José para lhe fazer sexo oral. Mariana só pensava que tinha a porta fechada e que a mochila estava do lado de fora. E que se não fizesse nada podia acontecer-lhe algo pior. Não conseguiu resistir e acabou por ser violada por José, que de seguida fez o mesmo a Ana.

Mal lhes abriram a porta, as duas raparigas saíram dali a pensar que se guardassem em segredo o que viveram, que iriam conseguir apagar tudo. Até ao dia em que começaram a ouvir piadas na escolas e perguntas indiscretas e perceberam que tinham sido filmadas por João, que divulgara os vídeos. Foi o gatilho para denunciarem o que tinham vivido.

Whatsapp, Messenger, Telegram and other phone chat Apps on iPhone screen

Um dos suspeitos filmou as vítimas a serem violadas e divulgou em redes sociais

Getty Images

Mariana e Ana não eram, afinal, caso único

Quando a Polícia Judiciária começou a ouvir testemunhas e pediu pormenores sobre os inquéritos abertos em nome daqueles suspeitos para obter mais informações encontrou mais quatro vítimas — três delas da mesma escola. Os restantes processos, que nunca tinham andado para a frente, acabaram por ser juntos aos de Ana e Mariana. Ainda hoje, segundo uma fonte ligada à investigação, a PJ tem dúvidas se não houve outras crianças que foram vítimas e que guardaram o que passaram num segredo perpétuo.

Dois suspeitos são menores de 16 anos e o processo contra eles corre no Tribunal de Família e Menores. Houve dois suspeitos que estiveram presentes na violação de Sofia que nunca foram identificados.

Um dos processos que nunca andou para a frente referia-se a Beatriz e Cátia, que tinham à data 14 anos quando começaram a ser abordadas por André e um amigo deste da mesma idade, José e João. Chegaram a ser cercadas pelos quatro e apalpadas no corpo todo. Um dia fugiram mesmo de um restaurante onde iam almoçar, depois de terem sido abordadas com o mesmo comportamento. Só quando estavam na rua e começaram a gritar  é que eles as largaram. Outro dia na escola, Beatriz foi mesmo abordada por José que a enfiou na casa de banho – como faria mais tarde com Mariana. Mas Beatriz gritou tanto por socorro que ele a largou. Ficou tão assustada que nunca mais foi ao recreio, com medo de encontrar os suspeitos.

Dois rapazes detidos por violação e abuso sexual de colegas de escola entre os 12 e os 15 anos

Uma destas vítimas, nas declarações que prestou ao juiz de instrução criminal, disse que os funcionários da escola estavam a par do comportamento dos suspeitos e chegaram mesmo a intervir.

A Polícia Judiciária encontrou ainda o caso de Sofia, também de 14 anos e do mesmo curso dos suspeitos. Em finais de junho de 2021 estava na paragem de autocarro quando o colega José a chamou para subir à casa onde vivia com os tios. Quando ali chegou Sofia deparou-se com mais dois rapazes que nunca conseguiu identificar. Obrigaram-na a deitar-se no sofá, despiram-na e taparam-lhe a cara. Entre gritos e lágrimas, Sofia conseguiu ver que era José quem a violava. Só depois a deixou ir embora. Nos quatro meses que se seguiram Sofia teve pesadelos, sofreu de ansiedade, chorou muito. E só depois conseguiu denunciar o caso à polícia.

Os dois suspeitos maiores de 16 anos ficaram presos preventivamente na cadeia juvenil de Leiria e depois em prisão domiciliária

PAULO CUNHA/LUSA

Andreia, uma quinta vítima que a PJ encontrou, tinha 14 anos quando conheceu João pelas redes sociais ainda no ano de 2021. A estudar numa outra escola do concelho, acabaria por conhecê-lo pessoalmente entre amigos. O que se passou a seguir acabaria descrito num auto da polícia como um crime de coação sexual. Assim que se encontrou a sós com ela num jardim, João arrancou-lhe a máscara da cara e beijou-a à força. Depois obrigou a sentar-se no colo dele e a colocar-lhe as mãos nas zonas íntimas. Andreia conseguiu resistir e fugir, tendo encontrado o pai nas proximidades e contado tudo. O pai e a mãe procuravam-na nas ruas da cidade por perceberem que se tinha atrasado. A mãe ainda confrontou João com o que tinha feito à filha, mas ele negou tudo.

Andreia ainda hoje tem a cicatriz do aranhão que João lhe fez quando ela se tentava libertar. Soube depois que não tinha sido a única vítima de João e, por isso, decidiu denunciar.

Dois suspeitos presos em casa e um menor institucionalizado

A investigação da PJ não chegou a estender-se por dois meses. A 20 de abril de 2022 José era detido na escola e João em casa, na presença do pai e da única advogada oficiosa que aceitou acompanhar a diligência.

Na casa de João, a PJ encontrou um computador e um telemóvel onde estavam os três vídeos, dois de Mariana e um de Ana, que circularam nas redes sociais. Havia ainda um quarto vídeo cujos protagonistas nunca foram descobertos. Na casa de José foi apreendida apenas a manta que cobria o sofá onde Sofia fora violada. O processo de André foi entregue ao Tribunal de Família e Menores. Por ser menor, foi alvo de um processo tutelar educativo.

A PJ encontrou mais quatro vítimas dos suspeitos. Uma delas foi violada no sofá da casa de um deles e só conseguiu denunciar quatro meses depois.

José e João ficaram presos preventivamente no estabelecimento prisional destinado a jovens, em Leiria, até terem condições para ficarem presos em casa. A cada três meses pedem para ser libertados, mas até agora nenhum juiz de instrução lhes alterou as medidas, alegando que as provas recolhidas e os crimes que terão cometido são demasiado graves para serem libertados antes do período máximo da medida de coação.

Mariana e Ana chegaram a ser ameaçadas por colegas da escola já depois da detenção dos suspeitos. Nunca tiveram paz.

Os dois foram acusados em outubro e aguardam agora a data de julgamento. José responderá por um crime de violação, três de importunação sexual, dois de coação sexual agravada e um crime de ameaça agravada. Já João responde por três crimes de abuso sexual de criança (porque Ana e Mariana tinham apenas 12 anos), dois crimes de pornografia de menores e um de importunação sexual. Os dois arguidos, que têm agora 17 e 18 anos, são ainda acusados em coautoria de três crimes de violação agravadas e dois crimes de abuso sexual de criança na forma tentada.

André foi acolhido numa instituição enquanto decorre o processo. O seu amigo, da mesma idade, suspeito nos crimes contra Cátia e Beatriz, também foi alvo de um processo educativo.

Ana, Mariana, Andreia, Cátia, Beatriz e Sofia foram ouvidas em depoimentos agravados para memória futura. Foram sujeitas a uma perícia psicológica que concluiu que não estavam a mentir e que todas elas deviam ter acompanhamento psicológico por causa do que viveram. Continuam a ter momentos de grande ansiedade.

* os nomes usados são todos fictícios

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça até artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.