Não é fácil ler o resultado das eleições autonómicas da Catalunha. Por um lado, o Ciudadanos, que é contra a independência, ficou em primeiro e os partidos que são a favor da permanência da Catalunha conseguiram, todos somados, uma maior percentagem de votos. Porém, graças ao sistema eleitoral catalão, que favorece os votos das terras mais pequenas, são os independentistas que vão ter maioria absoluta no próximo parlamento regional da Catalunha — e, contra todas as expectativas, o próximo governo pode ser governado pelo partido de Carles Puigdemont, o presidente da Generalitat destituído que foi o grande vencedor destas eleições. Mas isso chega para governar a Catalunha? Provavelmente não. Saiba porquê, nestas quatro pistas para o futuro da região mais conturbada de Espanha.
Puigdemont ganhou a batalha — mas a caminho de ganhar a guerra, ainda pode ser preso
O Juntos Pela Catalunha, de Carles Puigdemont, não venceu as eleições — mas é provavelmente entre aquelas fileiras que está o próximo presidente da Generalitat. Apesar de o Ciudadanos ter ficado em primeiro lugar, o bloco unionista não conseguiu uma maioria absoluta de deputados. Em segundo lugar, mas com uma maioria absoluta do seu lado após somados os deputados dos outros independentistas, está o Juntos Pela Catalunha.
Os últimos meses não foram fáceis para Carles Puigdemont. Depois da declaração unilateral da independência da Catalunha, no final de outubro, o presidente da Generalitat foi destituído e logo fugiu para a Bélgica. Depois, a justiça espanhola imputou-lhe os crimes de sedição, rebelião e desvio de fundos — crimes pelos quais foi intimado a responder, algo que tem recusado até agora.
Durante este processo, a justiça espanhola chegou a emitir um mandado de captura internacional de Carles Puigdemont — algo que, mais tarde, retirou. Ainda assim, o mandado de captura em território espanhol mantém-se. Como tal, perante os factos atuais, se Carles Puigdemont quiser chegar à Catalunha para tomar posse como presidente da Generalitat, o mais provável é que seja detido e levado a para depor perante um juiz do Tribunal Supremo. Nesse caso, importaria saber que medida cautelar o magistrado atribuiria ao líder independentista. No caso de o deixar em liberdade (mesmo que sob pagamento de fiança), Carles Puigdemont pode tomar posse. Se decretar prisão preventiva, os independentistas terão de escolher outro presidente da Generalitat.
Mas será que ele volta? Menos de uma semana antes das eleições desta quinta-feira, Carles Puigdemont falou sobre um possível regresso à Catalunha em caso de vitória. “Se se respeitar o resultado da eleições e esse resultado for a recusa do [Artigo] 155 por parte dos catalães — porque estas eleições são um plebiscito ao 155 —, não tenho outra escolha além de voltar”, disse ao La Vanguardia.
Mais do que prometer um regresso à Catalunha, o que Carles Puigdemont faz com estas declarações é uma exigência à justiça espanhola para que retire a ordem de captura ou que lhe decrete uma medida cautelar que lhe permita governar.
No seu discurso de vitória, Carles Puigdemont não deu nenhuma pista acerca de um possível regresso à Catalunha, mas tornou a fazer exigências. Desta vez, dirigidas diretamente a Mariano Rajoy, a quem exigiu a retirada do Artigo 155. “A Europa tem de tomar conta de que a receita de Rajoy falhou”, disse. “Ou muda de receita, ou tem os mesmos resultados.”
Perante uma derrota, irá Mariano Rajoy manter a tática do 155?
O facto de o Partido Popular da Catalunha ter hoje o pior resultado da sua história é um breve apontamento na derrota que o partido de Mariano Rajoy sofreu esta quinta-feira. O que mais importa saber é o que irá o Presidente de Governo fazer perante os resultados que confirmam a maioria do independentismo — e de que forma é que Madrid vai reagir daqui para a frente se o próximo executivo quiser negociar uma saída de Espanha.
Durante a campanha, Mariano Rajoy já tinha dado a entender que o Artigo 155 da Constituição — que aplicou no final de outubro, resultando na suspensão da autonomia da Catalunha e na convocatória de eleições antecipadas — será sempre um instrumento à mão caso a próxima Generalitat e o parlamento que se segue insistam no independentismo.
“Seja qual for o resultado destas eleições, há uma coisa em que não restam dúvidas: em Espanha, a lei é para cumprir e continuará a ser cumprida”, disse numa conferência de imprensa, no dia 11 de dezembro. “O Estado do direito demonstrou que tem mecanismos democráticos e eficazes para se defender daqueles que pretendem liquidá-lo.”
Segundo a informação que foi publicada do Boletim Oficial do Estado aquando da aplicação do Artigo 155, este continuará em vigor “até à tomada de posse do novo governo da Generalitat”.
Seja como for, Mariano Rajoy não parece disposto a fazer uma leitura nacional dos resultados desta quinta-feira na Catalunha e, consequentemente, demitir-se e convocar eleições gerais antecipadas. Para o Presidente de Governo, uma vitória dos independentistas “não acabaria com a legislatura de maneira nenhuma, porque uma coisa não tem nada a ver com a outra”.
Ciudadanos: uma vitória que só sabe a derrota
O Ciudadanos está numa situação paradoxal.
Entre os “naranjas”, o lado positivo é que o partido liderado por Inés Arrimadas venceu as eleições. Além disso, conseguiu o seu melhor resultado de sempre: 37 deputados, significativamente acima dos 25 obtidos em 2015. Por isso, Inés Arrimadas, disse em tom vitorioso: “Pela primeira vez, uma força constitucionalista ganhou as eleições na Catalunha e essa força é o Ciudadanos”.
Mas há o outro lado. Primeiro, porque com 25,4% dos votos, o Ciudadanos é o vencedor com menor votação da história das eleições autonómicas catalãs. Depois, e mais importante, porque a soma dos 37 deputados conquistados pelo Ciudadanos com os 17 do PSC, os 8 do Em Comum Podemos e os 3 do PPC não chegam para uma maioria absoluta de unionistas. Essa coube aos independentistas, mesmo que os unionistas tenham ultrapassado em mais de 3% dos votos.
Assim, o paradoxo é este: o Ciudadanos ganhou, mas não é verdadeiramente vitorioso. Ainda assim, Inés Arrimadas disse esta quinta-feira que “os partidos nacionalistas nunca mais poderão falar em nome da Catalunha, porque a Catalunha somos todos”. Enquanto dizia isto, a plateia de apoiantes gritava “presidenta!, presidenta!”. Algo que, pelo menos para já, ela não será.
Se a extrema-esquerda quiser, a Catalunha pode ter um novo governo independentista já em janeiro
Segundo a lei eleitoral da Generalitat, a vice-presidente do Governo e, no que importa para o caso, presidente interina do governo regional da Catalunha, Soraya Sáenz de Santamaría, tem um prazo de 20 dias úteis — ou seja, até dia 23 de janeiro de 2018 — para convocar a sessão inaugural do próximo parlamento regional da Catalunha. Logo nessa sessão, os deputados terão de eleger os membros da mesa do parlamento.
Depois da primeira sessão, há um novo prazo de 10 dias úteis, durante os quais o presidente do parlamento propõe um candidato para liderar a presidência do governo regional da Catalunha — o que acontecerá, o mais tardar, no dia 6 de fevereiro. Para ser aprovado à primeira, um candidato terá de conseguir uma maioria absoluta a seu favor. Se isso não acontecer, há uma nova votação dois dias depois — ou seja, no máximo até dia 8 de fevereiro — na qual bastará uma maioria simples para ser aprovado o novo presidente da Generalitat.
E se nem à segunda votação houver um governo aprovado, é dado um novo prazo de dois meses para que seja encontrado um nome favorável a uma maioria. Se os restantes passos forem dados apenas na data limite, esta decisão poderia ser empurrada até dia 7 de abril. Se nem aí houver governo, serão convocadas eleições em junho.
Todos estes passos estão bem frescos na memória dos catalães. Depois das eleições autonómicas anteriores, de 27 de setembro de 2015, o impasse criado entre os independentistas — a CUP (independentistas de extrema-esquerda) não quis apoiar uma maioria que reconduzisse Artur Mas ao poder — quase levou a que fossem convocadas novas eleições. Porém, num entendimento conseguido in extremis, o nome de Carles Puigdemont foi aprovado por uma maioria de 70 deputados independentistas.
Agora, depois das eleições de 21 de dezembro, ainda não deixou claro o seu apoio a Carles Puigdemont. No seu contrato eleitoral, o partido que tem Carles Riera como candidato principal, garantia que “não apoiará nenhum governo que pretenda um regresso ao autonomismo ou que entenda que o diálogo como Estado é um ponto de partida”. Para a CUP, a via a seguir é mesmo a da “unilateralidade”. Postura que pode chocar com a do segundo maior partido independentista, a ERC, que na quinta-feira voltou a falar de uma mesa de negociação.
A CUP teve um mau resultado nestas eleições — dos 10 deputados de 2015, desceu agora para 4. Ainda assim, a dinâmica mantém-se: para haver um governo independentista, a CUP terá de aprová-lo. Não foi, então, por acaso que esta quinta-feira à noite disse: “São quatro lugares de ouro, servem para continuarmos a ter a chave na mão”.