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“Nunca vos abandonaremos”. A viagem a Kiev em que os líderes europeus reafirmaram a união contra Putin

Ida dos líderes polaco, esloveno e checo a Kiev serviu para reafirmar mensagem de união. "Não estão sozinhos", disseram. Com “amigos destes”, Ucrânia “pode ganhar", respondeu Zelensky.

Quando o primeiro-ministro da Polónia entrou num comboio, com destino a Kiev, acompanhado dos líderes da Eslovénia e República Checa, tinha na memória a visita do histórico Presidente polaco Lech Kaczyński a outro país invadido pela Rússia. Mateusz Morawiecki não tem dúvidas: é na capital ucraniana que em 2022 a “história é forjada”, tal como em 2008 aconteceu na Geórgia.

Morawiecki, o checo Petr Fiala e o esloveno Janez Janša chegaram a uma cidade esvaziada. O presidente da câmara de Kiev diz que cerca de metade da população já fugiu da cidade, uns dois milhões de pessoas, e muitos jornalistas têm tido ordens para regressar, devido ao crescente perigo de ataques e bombardeamentos russos. Quem fica em Kiev, por estes dias, ou não tem alternativa ou tem vontade de lutar. Foi por isso com surpresa que foi recebida a notícia de que os três líderes europeus estavam a caminho da capital ucraniana, de comboio, para se encontrarem com o Presidente e com o primeiro-ministro da Ucrânia.

A ideia terá partido do primeiro-ministro polaco: um encontro com Volodymyr Zelensky numa Kiev rodeada de forças russas e sob constante bombardeamento. Uma viagem carregada de simbolismo — mas também de riscos para os dois lados

“Juntamente com o vice-primeiro-ministro Jarosław Kaczyński, o primeiro-ministro Petr Fiala e o primeiro-ministro Janez Janša, vamos para Kiev encontrar-nos com o Presidente Zelensky e com o primeiro-ministro Denys Shmyhal. A Europa tem de garantir a independência da Ucrânia e assegurar que está pronta para ajudar na reconstrução da Ucrânia”, anunciou no Twitter o primeiro-ministro da Polónia, Mateusz Morawiecki, identificando o seu vice-primeiro-ministro e os chefes do governo da República Checa e o da Eslovénia. Morawiecki terá, de resto, segundo a BBC, sido o mentor de uma deslocação à capital ucraniana que a própria comitiva polaca reconhece que decorre sob um contexto de elevado risco.

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A mensagem de união da Europa contra a Rússia foi reafirmada após o encontro entre os líderes. Em conferência de imprensa, o governante polaco apelou à União Europeia para que conceda o estatuto de candidato à Ucrânia “muito rapidamente”. E não poupou em elogios ao presidente do país com quem a Polónia partilha uma fronteira de quase 500 quilómetros. “Estamos aqui para admirar a vossa luta contra um agressor tão cruel. Esta invasão tem de parar”, pediu Morawiecki, acrescentando que os mortos no conflito “não estão esquecidos”.

A viagem a Kiev aconteceu dias depois de as forças russas terem atacado uma base militar a 25 quilómetros da Polónia, onde instrutores da NATO dão formação a militares ucranianos. Assegurar a segurança da Ucrânia é, tendo em conta a proximidade geográfica, crucial para a Polónia, que reafirmou ajuda à Ucrânia na organização da defesa. “Nunca vos abandonaremos. Estaremos convosco. Porque sabemos que lutam não só pelas vossas casas, pela vossa liberdade, pela vossa segurança, mas também pela nossa”, disse. A mesma ideia foi deixada por Petr Fiala, primeiro-ministro da República Checa: “Não estão sozinhos, a Europa está convosco“. A República Checa já recebeu 250 mil refugiados da Ucrânia.

[De capacete e colete antibala, a fotografia do regresso do primeiro-ministro da República Checa]

Para fazer face aos avanços das forças russas, a Polónia sugere mesmo a criação de uma “missão de paz” na Ucrânia da NATO e Jarosław Kaczyński, vice-primeiro-ministro do país, deu algumas ideias sobre o que isso poderia significar: seria “possivelmente uma estrutura internacional mais ampla, mas uma missão que seja capaz de defender-se e operar em território ucraniano”. “Será uma missão que procura a paz, dá ajuda humanitária, mas ao mesmo tempo é protegida pelas forças adequadas, as forças armadas”, acrescentou.

À noite, o primeiro-ministro polaco foi ainda mais incisivo, no Twitter, ao defender que “a Europa tem de perceber que se perder a Ucrânia nunca mais será a mesma“. “Não voltará a ser a Europa. Em vez disso, será uma versão derrotada, humilhada e patética de si mesma. Eu quero uma Europa forte e firme”, defendeu.

Na conferência de imprensa, Volodymyr Zelensky salientou como os representantes políticos mostraram não ter “medo de nada”, embora muitos embaixadores tenham deixado Kiev. “Estamos 100% confiantes de que tudo o que discutimos atingirá os seus objetivos para o nosso país, a nossa segurança e o nosso futuro”, disse o líder ucraniano. Com “amigos destes”, a Ucrânia “pode ganhar”.

Uma viagem de risco elevado — também para o Kremlin

Ainda antes do encontro com o governo ucraniano, o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros da Polónia, Marcin Przydacz, admitiu que a presença em Kiev (rodeada de forças militares russas, sob constante ameaça de bombardeamentos e o coração do plano ofensivo dos generais do Kremlin) acarreta perigos. Mas sublinhou que esse era um risco que “valia a pena correr, em nome dos valores” que os líderes europeus pretendem firmar numa Ucrânia ocupada por forças militares russas.

Esse risco não se esgota, porém, na segurança dos líderes polaco, esloveno e checo — foi também Przydacz quem fez questão de anunciar publicamente que, antes da partida para a capital ucraniana, Vladimir Putin foi informado da intenção de Morawiecki, Fiala e Janša se encontrarem com Volodymyr Zelensky. E o Kremlin sabe que qualquer evento que ameace a segurança dos três líderes terá uma consequência imediata no escalar da situação.

Também Fiala recorreu ao Twitter para afirmar que a visita tem como objetivo “expressar o apoio da União Europeia à Ucrânia e à sua liberdade e independência”. Polónia, República Checa e Eslovénia são membros da NATO e da União Europeia.

Horas depois destes anúncios, o grupo chegava à capital ucraniana — entraram de comboio pela Polónia, em direção a Lviv, seguindo depois para Kiev (só a viagem entre as duas cidades ucranianas pode durar até 12 horas; com partida de Cracóvia, junto à fronteira entre a Polónia e a Ucrânia, o trajeto pode demorar quase 16 horas a ser percorrido de comboio).

Ao final da tarde, Morawiecki divulgava as primeiras fotografias na capital ucraniana, num local desconhecido. “É aqui, numa Kiev devastada pela guerra, que a história está a ser feita. É aqui que a liberdade luta contra o mundo da tirania. É aqui que o futuro de todos nós está em jogo. A UE [União Europeia] apoia a UA [Ucrânia], que pode contar com a ajuda dos seus amigos, trouxemos esta mensagem a Kiev hoje”, escreveu no Twitter.

Um breve vídeo do encontro com o Presidente ucraniano foi também divulgado no Facebook, com Volodymyr Zelensky a afirmar que a visita é “um grande sinal de apoio”. De acordo com o chefe de gabinete do primeiro-ministro polaco, a delegação pretende fazer uma proposta concreta de ajuda ao governo ucraniano.

A visita foi organizada com o conhecimento do presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, e da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, com a ideia a ser transmitida durante o encontros dos líderes europeus, na semana passada, em Versalhes — a viagem foi, no entanto, mantida em segredo até esta terça-feira. Alguns órgãos de comunicação social referem que Charles Michel chegou a alertar para os riscos de segurança que a deslocação representava, mas ainda que os três países tenham ido em representação própria, o governo polaco diz terem contado com o acordo das instituições europeias. O chefe de gabinete do primeiro-ministro polaco, Michal Dworczyk, disse mesmo que  “nem todos” os líderes europeus “estavam dispostos a participar” nesta viagem.

1. Primeiro-ministro da Eslovénia, Janez Janša; 2. Primeiro-ministro da Polónia, Mateusz Morawiecki; 3. Vice-primeiro-ministro da Polónia, Jarosław Kaczyński; 4. PM da Chéquia, Petr Fiala

Ao mesmo tempo que começavam a sair as primeiras informações sobre este encontro, é também divulgada a presença, na Ucrânia, de outros representantes europeus: o ministro dos Negócios Estrangeiros da Lituânia está em Kiev para encontros com o homólogo ucraniano, Dmytro Kuleba, e o comissário europeu para o ambiente, Virginijus Sinkevičius, divulgou uma fotografia em Lviv, com o presidente da câmara, e outra, depois, com o ministro da Ecologia ucraniano, Ruslan Strilets.

Ontem a Geórgia, hoje a Ucrânia, amanhã a Polónia?

A visita destes três líderes a um país invadido pela Rússia não é ausente de contexto histórico. No Facebook, Morawiecki citou o antigo Presidente polaco Lech Kaczyński: “Hoje a Geórgia, amanhã a Ucrânia, depois de amanhã os Estados Bálticos, e depois talvez seja a hora do meu país, a Polónia”. 

As palavras de Kaczyński têm 14 anos e foram ditas durante a invasão da Rússia à Geórgia. Perante uma multidão de mais de 100 mil pessoas, junto ao parlamento da Geórgia, Kaczyński — que na altura se fez acompanhar de líderes da Ucrânia, Estónia, Letónia e Lituânia — alertou que a Rússia estava a tentar restabelecer o seu domínio na região. Foi um discurso com eco em 2014, durante a anexação da Crimeia, e que volta agora a ter relevância histórica.

“A sua visita mudou a perceção desta guerra na altura, e o seu grande ato de coragem deu espírito aos georgianos e ainda hoje é recordado em todo o mundo”, escreveu Morawiecki.

“É nosso dever estar onde a história é forjada. Porque isto não é sobre nós, mas sobre o futuro dos nossos filhos, que merecem viver num mundo livre de tirania.”
Mateusz Morawiecki, primeiro-ministro da Polónia

Foi com a “coragem” de Kaczyński em mente que o primeiro-ministro polaco se deslocou a uma cidade sob fogo, onde muitos vivem agora em abrigos subterrâneos: “É nosso dever estar onde a história é forjada. Porque isto não é sobre nós, mas sobre o futuro dos nossos filhos, que merecem viver num mundo livre de tirania”.

Mas esta visita também remete para outros momentos históricos. François Mitterrand visitou Sarajevo em 1992, numa viagem que era considerada de alto risco. O então Presidente francês, que na altura tinha já 75 anos, foi levado de helicóptero para um território em guerra, e a sua coluna presidencial chegou mesmo a estar sob fogo cruzado. Sarajevo era alvo, na altura, de um cerco  que durou quatro anos — o mais longo da história moderna. Agora, será Emmanuel Macron (um dos líderes políticos mais ativos na gestão do conflito) a ponderar uma presença na capital da Ucrânia — era essa a hipótese que o jornal Le Figaro avançava estar a ser ponderada pelo chefe de Estado francês, esta terça-feira.

“O simbolismo que espero que esta visita tenha é o de captar a consciência do mundo em relação à ajuda destas pessoas em perigo”, disse, na altura, Mitterrand.

O risco que o chefe de Estado francês correu na altura será diferente do risco que correm os líderes europeus em Kiev, mas isso não significa que este seja menor. Na terça-feira, pelo menos quatro pessoas morreram em resultado de dois bombardeamentos a edifícios residenciais, na zona oeste e noroeste de Kiev. Já na segunda-feira tinham morrido outras três pessoas na capital.

Ao 20.º dia de guerra, Morawiecki, Fiala e Janša são os primeiros líderes estrangeiros a visitar Kiev deste o início da invasão russa.

O encontro acontece ao mesmo tempo que decorrem negociações de paz entre delegações da Rússia e da Ucrânia, agora por vídeo-conferência, e quando foi decretado um recolher obrigatório de 35 horas, que começa na noite de terça-feira e dura até às 5h de quinta-feira.

Artigo atualizado com declarações dos líderes da Polónia, Chéquia e da Ucrânia numa conferência de imprensa após o encontro

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