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E se não houver acordo? Guia para o dia seguinte a um Brexit à força

Filas intermináveis de camiões na fronteira, preços da comida a subir em flecha e falta de medicamentos. São algumas das cenas do filme potencialmente de catástrofe em que o Brexit se pode tornar.

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Ao abrir os olhos na manhã do dia 29 de março de 2019 (data limite para o Brexit), os britânicos podem bem acordar para um cenário de filme — daqueles de catástrofe. Supermercados com prateleiras vazias. Hospitais sem os medicamentos necessários. Filas intermináveis nos postos de combustível de condutores que esperam por gasolina que já não há. Caos no porto de Dover, na fronteira. E o Exército nas ruas, para tentar controlar a situação. Não é um enredo da Guerra dos Mundos, mas pode bem ser o Dia Seguinte. O cenário é um de três possíveis, levantados como hipótese por um estudo encomendado pelo Governo britânico em caso de não haver acordo — e os autores chamaram-lhe até Armagedão.

A realidade pode não ser tão extrema, até porque o mais certo é Downing Street estar a fazer uma série de preparativos para a eventualidade de não haver acordo. A situação, no entanto, continua envolta numa nebulosa de dúvidas. Os preços irão subir? Os mercados entrarão em pânico? Passará a ser preciso visto para visitar Londres? São mais perguntas do que certezas, mas, com as negociações entre Reino Unido e União Europeia (UE) a arrastarem-se em mais uma cimeira europeia, esta quarta e quinta-feira, a hipótese de não haver acordo nem período de transição está sempre em cima da mesa.

Theresa May e Donald Tusk têm sido os rostos da discussão entre Reino Unido e União Europeia, inquinada pela questão da fronteira na Irlanda (DANIEL LEAL-OLIVAS/AFP/Getty Images)

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Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, diz que “não há otimismo” — mas os europeus já admitem dar mais tempo a Londres. O problema da fronteira com a Irlanda continua a ser um espinho e Tusk reforça que será necessária “muita criatividade” para conseguir conciliar as regras do mercado único europeu com a soberania britânica, pedindo soluções a May. O relógio continua a contar e o tempo para descobrir essa fórmula mágica aperta. Se o impasse se mantiver, o Reino Unido pode bem estar a caminhar de olhos fechados para um cenário de “no-deal” (ou seja, uma saída sem acordo com a UE).

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“Não haver acordo é melhor do que ter um mau acordo.” A frase é da primeira-ministra britânica, Theresa May, e foi dita no início de 2017, quando as negociações com a União Europeia (UE) para consolidar a saída do Reino Unido do bloco europeu ainda não tinham sequer arrancado. À altura, era apenas tática negocial. Quase dois anos mais tarde, com as negociações encravadas, a possibilidade de um “no-deal” tornou-se bem mais real. Mas, e se acontecer mesmo? Haverá maneira de rebobinar esta fita?

Comércio e economia

  • Regresso às regras da Organização Mundial do Comércio (OMC)
    Sem nenhum acordo comercial estabelecido entre o Reino Unido e a UE, e sem o Reino Unido ter assinado acordos independentes com uma série de países (como os EUA, por exemplo), as regras aplicadas passam a ser as definidas pela OMC. Sem vantagens competitivas, a longo prazo isso pode levar a uma diminuição das importações de bens do mercado europeu  — atualmente o maior parceiro comercial dos britânicos, que importam 53% dos seus bens da UE. Ora isto pode traduzir-se num problema para a economia britânica, se não conseguir compensar essa perda com novos acordos individuais.
  • Aumento dos preços dos bens alimentares
    Sem acordo com a UE, as regras da OMC trarão provavelmente um aumento das tarifas sobre os bens importados. O que significa isso? Que o mais provável é que os preços aumentem, sobretudo em bens como a comida. As quatro maiores cadeias de supermercados no país já apresentaram as suas próprias estimativas: o mais certo, dizem, é que os preços dos bens alimentares aumentem em média 12%. Nalguns bens, como a carne de vaca ou o queijo, o aumento pode ultrapassar os 40%. Não é de admirar se tivermos em conta que mais de um quarto da comida consumida pelos britânicos vem da UE. Há até quem avance cenários mais radicais, no curto prazo, alertando mesmo para a possibilidade de haver falta de bens: é o caso, por exemplo, dos laticínios, que são importados sobretudo de países como a Irlanda, a Dinamarca, a Holanda, a Alemanha e a França.
  • Caos na fronteira
    Sem o acordo europeu em cima da mesa, reduzem-se drasticamente as autorizações para muitos camionistas que trazem produtos importados para o Reino Unido, por exemplo. James Hookham, responsável da Freight Transport Association, previu ao Business Insider que a falta de um acordo criaria longas filas de camiões na fronteira, em Dover, no dia a seguir ao Brexit. De tal forma que o Governo britânico já está a considerar construir vários parques de estacionamento ao longo da auto-estrada regional.

No caso de uma saída sem acordo, a falta de abastecimento nos supermercados e o aumento dos preços dos bens alimentares podem ser uma realidade (Matt Cardy/Getty Images)

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  • Desemprego na indústria
    Muitos dos gigantes da indústria britânicos têm alertado para o facto de estarem muito preocupados com a possibilidade de não haver acordo. É o caso da maioria dos fabricantes automóveis: tanto os responsáveis da Ford como da Jaguar Land Rover, por exemplo, já alertaram para a possibilidade de se encerrarem as fábricas destas marcas no país, o que se traduziria na perda de muitos postos de trabalho.
    Os problemas das multinacionais foram resumidos por um responsável da Airbus, um dos maiores empregadores no Reino Unido, à revista Der Spiegel: “As nossas cadeias de fornecimento nos dois lados do canal são como a teia de uma aranha. Uma peça de metal produzida na Alemanha é depois processada no Reino Unido, antes de ser instalada numa aeronave em Toulouse”, explicou Tom Williams. “A única coisa que podemos fazer hoje em dia, infelizmente, é prepararmo-nos para o pior cenário.”
  • PMEs com a corda na garganta
    As dores de cabeça são gigantes, quer para empresas britânicas, quer para as europeias ou multinacionais. E vão desde os problemas mais latos (redução da procura, falta de mão de obra, aumento da burocracia) até aos detalhes mais pequenos. O próprio Governo britânico admitiu isso mesmo nas linhas orientadoras que publicou ainda este verão para o caso de não se chegar a acordo para o Brexit, dando um exemplo específico: “Uma empresa que tenha sede em França, mas venda produtos no Reino Unido, pode atualmente colocar o seu nome e morada em França nos produtos que vende no Reino Unido. No caso de um ‘no deal’, essa empresa tem de dar uma morada de uma outra empresa responsável no Reino Unido, seja criando um centro no país, seja trabalhando com um importador”. Quer para britânicos quer para europeus, todas as pequenas mudanças representam custos, custos, custos — as pequenas e médias empresas, sem hipóteses de se deslocalizar, podem enfrentar grandes problemas económicos; as empresas europeias podem pura e simplesmente desistir de um mercado como o britânico.

Imigrantes e emigrantes

  • Falta de planos definidos
    O Governo britânico publicou as tais linhas orientadoras para o caso de não haver acordo para o Brexit, mas, curiosamente, uma das áreas onde não publicou qualquer orientação foi no que diz respeito ao estatuto dos 3,7 milhões de imigrantes europeus no Reino Unido. A falta de compromisso levou a oposição a afirmar que o Executivo de Theresa May se preocupa mais com “os passaportes para cavalos” do que com este tema. A decisão também levou a Câmara do Comércio Britânica a revelar “surpresa e preocupação”, tendo em conta que há várias empresas britânicas que trabalham com funcionários estrangeiros da UE e que não sabem ainda o que fazer.
  • Diplomas sem valor
    Em caso de Brexit à força, um dos maiores problemas para cidadãos da UE no Reino Unido será, por exemplo, o reconhecimento das suas qualificações. Um exemplo muito concreto: um advogado que se tenha licenciado num país europeu como Portugal não poderá exercer no Reino Unido, a não ser que já se tenha registado previamente na jurisdição própria no país ou que trabalhe sob a supervisão de um outro advogado qualificado, explica o Guardian.
  • Imigrantes europeus na corda bamba
    À boca pequena, os sinais apontam para que os europeus que vivem atualmente no país possam lá ficar. Isso mesmo dizia num documento confidencial do Governo que surgiu na imprensa britânica: “O Ministério do Interior planeia fazer uma oferta aos residentes da UE existentes para que possam permanecer no Reino Unido em caso de ‘no-deal’, aplicando unilateralmente o acordo sobre os direitos dos cidadãos alcançado com a UE em dezembro de 2017.” Atualmente é possível aos europeus que vivam no país candidatarem-se ao estatuto de residente permanente, para tentar assegurar a sua estadia no país, mas o mais certo é que — mesmo não o dizendo oficialmente — essa cortesia possa estender-se aos que ainda não obtiveram esse estatuto.
    O maior problema está na incerteza de quais as regras que se aplicarão aos que quiserem mudar-se para o Reino Unido depois de 29 de março. “As pessoas não sabem qual vai ser o novo sistema de imigração. Para aqueles que vêm numa situação de pós-Brexit, será ao abrigo das novas condições”, resumiu à Lusa o embaixador português em Londres, Manuel Lobo Antunes.

Manifestantes improvisam uma fronteira falsa para criticar taxas aduaneiras que podem vir com as regras da OMC no caso de uma saída da UE sem acordo (PAUL FAITH/AFP/Getty Images)

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  • Emigrantes britânicos com pensões em risco
    Quanto aos britânicos que vivem noutros países da UE, a sua situação é ainda mais precária, já que tudo depende da decisão de deixá-los permanecer (ou não) que os respetivos países e/ou Bruxelas adotarem. Para além disso, há a questão do acesso às reformas por parte dos pensionistas britânicos que vivem no estrangeiro (no Algarve ou no sul de Espanha, por exemplo) — algo que o próprio Governo de May admitiu poder ser um problema em caso de falta de acordo. Para dar resposta a isso, Londres baseia-se numa questão de fé: “Esperamos que as cabeças se mantenham frias”, disse Dominic Raab, responsável britânico das negociações do Brexit, referindo-se às decisões dos governos europeus nesta matéria.

Transportes e deslocações para o estrangeiro

  • O fim dos voos Easyjet Lisboa-Roma
    Sem acordo, a 29 de março as operadoras aéreas britânicas deixam de ter direito automático de operar voos entre o Reino Unido e a UE — e vice-versa. Ou seja, passa a ser necessário pedir autorização para cada voo. Ao mesmo tempo, companhias aéreas com licença europeia deixam de poder fazer voos internos no Reino Unido e as britânicas deixam de poder fazer voos entre cidades dentro da UE. Isso é um problema para companhias como a Easyjet, como explica a Foreign Policy, que fazem rotas entre cidades europeias, como por exemplo de Lisboa para Roma ou Paris.
    Outro dos problemas será dentro dos próprios aeroportos, que terão de se reorganizar: com o Reino Unido a deixar de ter acordo para facilitar as entradas dos cidadãos dos restantes países da UE, quaisquer passageiros de voos de e para o país podem ser sujeitos a controlos de passaporte e de segurança ainda mais apertados, independentemente de onde vêm ou para onde vão. A Comissão Europeia já alertou os países da UE para prepararem os seus aeroportos. 
    A tudo isto somam-se as mudanças com os passaportes e os vistos: sem acordo, os britânicos passam a estar sujeitos às mesmas regras para entrar no espaço Schengen que os cidadãos de países fora da Europa e vice-versa — como, por exemplo necessitando de passaporte (e não apenas de documento de identificação). E, se o Reino Unido assim o quiser, pode igualmente deixar de facilitar a entrada de turistas da UE no seu país, obrigando-os a pagar um visto. No meio de tudo isto, apenas uma certeza: o passaporte britânico deixará de ser bordeaux e voltará a ser azul.
  • Comboio Eurostar em risco
    Um Brexit sem acordo pode representar o fim do comboio Eurostar, que liga Londres a capitais europeias como Paris ou Bruxelas. Isso mesmo reconheceu até a ministra francesa dos Assuntos Europeus. Para preveni-lo, o Governo britânico terá de fazer negociações individuais com cada um dos países para o qual o Eurostar viaja.

Sem acordo com a UE, os britânicos terão de passar nos controlos de passaporte e segurança para entrarem no espaço europeu (Photo by Oli Scarff/Getty Images)

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  • Escapadinha de carro até ao continente mais dificultada
    A possibilidade de os britânicos pegarem no carro e atravessarem o Canal da Mancha, para uma visita a um qualquer país europeu, fica agora mais dificultada. Não é impossível, é claro, mas as cartas de condução britânicas deixarão de ter validade na UE caso não haja acordo. A alternativa, explica o Governo, será obter uma Autorização de Condução Internacional (IDP na sigla em inglês), um documento pago que autoriza britânicos a conduzirem no estrangeiro. “Você poderá ser recusado na fronteira ou enfrentar outro tipo de ações, como por exemplo uma coima, se não tiver o IDP correto”, avisa Downing Street.

Justiça e Segurança

  • Disputas legais com países europeus em situação incerta
    A União Europeia deixa, a partir de 29 de março, de ter jurisdição legal sobre o território britânico. Isso significa que todas as matérias legais ligadas à UE passam a ser da responsabilidade do Reino Unido. Acaba qualquer obrigatoriedade de o país respeitar as decisões do Tribunal Europeu da Justiça, por exemplo. O próprio Governo britânico já deixou claro que irá aplicar os acordos internacionais extra-UE que assinou, como por exemplo as Convenções de Haia, mas aconselha todos os cidadãos e empresas envolvidos em disputas legais transfronteiriças a “procurar aconselhamento legal profissional sobre as implicações que estas mudanças podem ter nas circunstâncias individuais de cada um”.
  • Prender criminosos em fuga ficará mais difícil
    Sem acordo para o Brexit, o Reino Unido deixa de ter acesso ao Mecanismo Europeu de Mandados de Detenção. Isso significa que, para capturar suspeitos fugidos para outros países europeus, passará a ter de recorrer à convenção de extradição de 1957, que envolve um processo mais lento e complicado. “Um exemplo muito atual é o dos dois agentes secretos russos que foram responsáveis pelo ataque com Novichok [a Sergei e Yulia Skripal]. Se eles saírem da Rússia para um país europeu, há Mandados de Detenção Europeus à espera deles”, explicou Sara Thornton, responsável do Conselho Nacional de Chefes de Polícia. Após 29 de março, nem por isso.
  • Combate ao terrorismo passa a ser mais “lento e burocrático”
    O impacto do fim da cooperação europeia em matérias de segurança pode mesmo fazer-se sentir. A Associação de Comissários de Polícia e Crime avisou o Ministério do Interior britânico, por carta, de que um Brexit sem acordo poderá representar uma “perda de capacidade operacional significativa” que pode traduzir-se “num risco significativo” para a comunidade. Como? No combate ao terrorismo, por exemplo. “As ferramentas que existem na UE permitem-nos responder de forma rápida e inteligente ao crime e ao terrorismo no Reino Unido e na UE”, explica Thornton. “As alternativas que planeamos utilizar, quando existem, são sem dúvida mais lentas, mais burocráticas e na prática menos eficientes.” E não se pense que apenas os britânicos saem prejudicados: com o fim da cooperação profunda e da comunicação imediata, também os europeus perdem informação valiosa de contra-terrorismo que os britânicos podem dar.

Saúde

  • Rupturas de stock
    A possibilidade de haver falta de medicamentos é um perigo real em caso de saída sem acordo. Por um lado, alguns têm de ser importados. Por outro, sem a regulação da Agência Europeia do Medicamento, cada medicação terá de ser regulada e aprovada pelas autoridades britânicas antes de entrar em circulação. Por isso mesmo, o ministro da Saúde, Matt Hancock, já pediu às farmacêuticas que aumentem os seus stocks por agora, acumulando reservas para pelo menos seis semanas. Para além disso, os fornecedores de material médico também foram aconselhados a criar planos de contingência. O grupo de lóbi Best for Britain estima que este plano de acumulação de stock para seis semanas possa custar mais de dois mil milhões de euros.
    Muitas das farmacêuticas, antevendo um cenário catastrófico, já tinham começado a acumular stock muito antes da indicação governativa — e para períodos bem mais dilatados do que seis semanas. É o caso da francesa Sanofi, que aumentou stocks para 10 a 14 semanas, e da anglo-sueca AstraZeneca, que registou um aumento em 20%.

Uma rutura no stock de medicamentos para doenças como a diabetes ou doenças raras pode mesmo vir a acontecer (JEAN-CHRISTOPHE VERHAEGEN/AFP/Getty Images)

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  • Doentes raros em risco
    Um “no-deal” pode mesmo ter um impacto muito direto na vida dos doentes, como alertou a Associação Médica Britânica (BMA na sigla original). É o caso dos britânicos que sofrem de doenças raras, já que o Reino Unido será excluído da Rede Europeia de Doenças Raras e terá mais dificuldade de acesso aos medicamentos usados para tratar estas doenças. Downing Street reconhece isso mesmo nas suas linhas de orientação, garantindo que está a tentar regular os medicamentos deste tipo, conhecidos como órfãos, “incluindo incentivos para encorajar [a chegada] deste tipo de medicação ao mercado britânico”.
  • E também doentes com cancro e diabéticos
    Os pacientes com doenças mais comuns também podem ser gravemente afetados. A BMA alerta que os doentes com cancro podem ver o seu tratamento comprometido, já que o Reino Unido terá de passar a importar os radioisótopos utilizados na radioterapia, que até agora eram obtidos através da Comunidade Europeia de Energia Atómica. E até a primeira-ministra Theresa May, ela própria diabética, pode enfrentar dificuldades no acesso à insulina de que necessita todos os dias: o presidente da Agência Regulatória do Medicamento e da Saúde, que irá assumir o papel da Agência Europeia do Medicamento, já alertou para o facto de que o Reino Unido importa “cada gota” da insulina utilizada pelos seus 3,7 milhões de diabéticos.
  • Aumento do risco de pandemias na Europa
    A BMA também alertou para o maior risco de contágio de doenças infecciosas após 29 de março, em caso de não haver acordo. Com a saída do Reino Unido de organismos como o Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças, aumenta a “incerteza sobre a capacidade de o Reino Unido coordenar a preparação para uma pandemia” como o sarampo ou a gripe, diz o organismo consultivo e sindical. Um risco para os britânicos, é certo, mas também para os europeus, já que estas doenças atravessam rapidamente fronteiras.
  • Diminuição de número de médicos e enfermeiros
    A preocupação foi levantada pelo responsável da Organização de Prestadores de Cuidados de Saúde do Serviço Nacional de Saúde britânico, Chris Hopson, numa carta confidencial que acabou por ir parar aos jornais. Para além de levantar todos os problemas já mencionados, como rutura de stocks de medicamentos e problemas de coordenação nas políticas públicas de combate às doenças, Hopson escreve ainda que “os esforços de manter e atrair trabalhadores europeus dos quais o SNS necessita estão em risco”, acusando o SNS de estar totalmente em silêncio sobre estas matérias. O tema é fulcral num país onde quase 10% dos médicos, 5% dos enfermeiros e parteiras e 15% dos dentistas são cidadãos naturais de outros países da UE.

Agricultura e Pescas

  • Agricultores sem fundos europeus
    Muitas vezes apontados como fortes apoiantes do Brexit, a verdade é que os agricultores serão um dos grupos mais afetados por mudanças caso não haja acordo com a UE. Basta começar pelo facto de que os mais de três mil milhões de euros que recebem em fundos europeus — a maioria através da Política Agrícola Comum — serão perdidos. Para contornar esse problema, o Executivo de May promete que cobrirá essa falha: “O Governo garante que quaisquer projetos cujo financiamento tenha sido acordado antes do final de 2020 serão financiados em pleno”, diz Downing Street, prometendo cobrir quaisquer pagamentos em falta até ao final do projeto. Mas há quem tenha dúvidas sobre a eficácia deste esquema: um especialista em lei agrícola da Universidade de Cardiff, por exemplo, prevê que com estas novas regras (que incluem exigências ambientais em troca dos pagamentos), 25% das explorações agrícolas britânicas possam desaparecer.
  • Adeus às maçãs inglesas?
    Os problemas para os agricultores irão, muito provavelmente, acumular-se. Há o aumento das tarifas impostas pelas regras da OMC, com os produtores a terem de pagar 30 a 40% de taxa aduaneira, tornando as exportações muito difíceis. Há os controlos sanitários que irão ser impostos agora pela UE para que os produtos britânicos possam entrar no espaço comum europeu, que podem criar um embargo de meses à carne ou à fruta inglesa. E há questões burocráticas com grande peso nos lucros finais, como o facto de todas as embalagens terem de ser refeitas para não incluir símbolos da UE. Há problemas até de marketing: os britânicos já não poderão promover os seus produtos como biológicos no mercado europeu, já que para isso terão de se candidatar a um reconhecimento da Comissão Europeia como tal.

Os agricultores britânicos podem perder acesso aos fundos europeus e enfrentar aumentos exponenciais nas tarifas para poderem exportar os seus produtos (Matt Cardy/Getty Images)

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  • Menos área de pesca, mais guerras pelas vieiras
    Os pescadores britânicos também têm manifestado profundo desagrado ao longo dos anos com as quotas de pesca europeias. Com um Brexit à bruta, contudo, vão deixar de ter acesso automático a águas de outros países europeus, reduzindo assim a área de pesca que têm disponível. Com fronteiras marítimas mais definidas e com a obrigatoriedade de os britânicos patrulharem agora a sua própria zona económica, fica no ar a possibilidade de se intensificarem atritos como as chamadas “guerras das vieiras” — em que franceses e britânicos se têm envolvido em confrontos numa zona do Canal da Mancha onde os franceses estão proibidos de pescar vieiras, mas os britânicos podem fazê-lo.
  • Inspeções e burocracia
    Os pescadores britânicos deixam também de ter autorização automática para atracar em portos europeus. Daqui para a frente, têm de pedir autorização para o fazer e, depois de atracados, podem ser sujeitos a inspeções à carga que trazem. Isto significa que terão de apresentar muitos documentos a comprovar que estão licenciados, que estão a apanhar as espécies a que se comprometeram, que respeitam as normas de saúde e segurança, etc.

Sistema financeiro

  • Libra em queda livre
    A reação dos mercados na manhã de 29 de março é uma das mais imprevisíveis, mas, no entanto, é bastante provável que a libra britânica registe uma queda acentuada, tendo em conta o nível de incerteza. Essa queda teria um efeito bastante concreto na vida dos britânicos, com um aumento da inflação — e caberá ao Banco de Inglaterra decidir o que fazer para reagir a esse problema.
  • Nova crise financeira como a de 2008?
    O Banco de Inglaterra está a preparar-se para todos os cenários. Mas o próprio governador, Mark Carney, admitiu em privado junto do Conselho de Ministros que a situação pode ser catastrófica, com aumento do desemprego e queda dos preços da casas. Várias fontes presentes nesse encontro garantem que Carney comparou mesmo a situação à crise financeira de 2008.
  • Problemas no rating britânico
    Sem acordo, o mais certo é que o perfil de crédito do Reino Unido seja profundamente afetado, como explicou a agência Moody’s. “Políticas rápidas e diretas podem, em princípio, evitar danos materiais à economia britânica e à sua força fiscal e, portanto, à qualidade do seu crédito. Mas o equilíbrio dos riscos penderia firmemente para o lado negativo”, escreve a agência financeira.

A libra esterlina pode ter uma queda acentuada assim que o Reino Unido sair da União (GLYN KIRK/AFP/Getty Images)

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  • Pagamentos com cartão na UE mais caros
    Fora da UE, os serviços de pagamento financeiros britânicos estariam fora das infraestruturas europeias como a Single Euro Payments Area (SEPA), o que tornaria as transações com euros de e para o Reino Unido mais lentas e caras. O próprio Governo britânico admite que “o custo dos pagamentos com cartão entre o Reino Unido e a UE vão provavelmente aumentar”.

Comunicações

  • Bye bye, Netflix e Spotify
    Uma coisa é já certa, como o próprio Executivo de Theresa May admite: sem acordo, as regras da “portabilidade de conteúdo online” alteram-se e os consumidores britânicos “podem ter restrições no acesso a serviços de conteúdo online quando visitam temporariamente a UE”. O que significa isto? Que o acesso dos britânicos às suas contas de serviço como a Netflix ou o Spotify pode ser impedido quando estiverem num país da UE.
  • Bye bye, tarifas de roaming controladas
    O mesmo acontecerá aos britânicos quando forem de férias ao continente e quiserem utilizar o seu telemóvel: as regras da UE que obrigaram os operadores móveis a não cobrar mais aos seus clientes quando se deslocam para outro país da União deixam de se aplicar, como explica a própria Comissão Europeia.
  • Bye bye, GDPR
    O regulamento de proteção de dados europeu que entrou em vigor este ano deu muito trabalho a todos os que quiseram autorizar ou não o uso dos seus dados a várias empresas. Pois bem, os britânicos podem voltar a ter de enviar centenas de emails sobre o GDPR, já que as empresas europeias deixam de ter autorização para utilizar os dados dos consumidores britânicos e estes terão de voltar a dá-la.

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