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Cristina Gavina é diretora do Serviço de Cardiologia e do Serviço de Investigação da ULS de Matosinhos e professora associada da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
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Cristina Gavina é diretora do Serviço de Cardiologia e do Serviço de Investigação da ULS de Matosinhos e professora associada da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

IGOR MARTINS / OBSERVADOR

Cristina Gavina é diretora do Serviço de Cardiologia e do Serviço de Investigação da ULS de Matosinhos e professora associada da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

IGOR MARTINS / OBSERVADOR

E se o médico de família do centro de saúde falasse mais vezes com o cardiologista do hospital?

Em Matosinhos, após estudar 20 anos de registos médicos de 80 mil pessoas, a cardiologista Cristina Gavina começou o que poderá ser a reorganização do acompanhamento de doentes cardíacos em Portugal.

Mais de nove mil consultas de cardiologia por ano. Cerca de 7.200 ecocardiogramas, 250 ecocardiogramas de stress. Doze médicos especialistas, à volta de 1.200 internamentos.

Os números são altos, mas o que impressiona mais nem é a estatística. É o modelo moderno de cardiologia de proximidade em vigor na Unidade Local de Saúde de Matosinhos, a primeira ULS do país, que integra o Hospital Pedro Hispano e 14 centros de saúde. Os doentes – que fazem parte de um total de quase 320 mil utentes – chegam dos concelhos de Matosinhos, Póvoa de Varzim e Vila do Conde.

Cristina Gavina, diretora do Serviço de Cardiologia e do Serviço de Investigação da ULS de Matosinhos (ULSM) e professora associada convidada da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto chegou à unidade em 2011. “Temos uma relação com os cuidados de saúde primários que é particularmente importante”, explica a cardiologista. “Além da rede normal, os médicos de família têm os nossos telemóveis e ligam-nos diretamente sempre que têm dúvidas ou precisam de referenciar doentes.” O que facilita bastante a comunicação, desde logo perante a possibilidade de os médicos de família ligarem diretamente aos especialistas, muitas vezes com o doente à frente.

Dois cardiologistas, quatro médicos de medicina interna (um para cuidados paliativos) e duas enfermeiras compõem a equipa multidisciplinar que se articula com nefrologia, nutrição e serviço social

IGOR MARTINS / OBSERVADOR

“Perceber que o médico de família tem acesso direto ao especialista e que tira as dúvidas naquela hora dá uma grande segurança ao doente quando lhe dizem que não precisa de ir ao cardiologista porque este sabe e concordou.” Uma prática que poupa trabalho. E tempo. E dinheiro ao SNS.

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O Serviço de Cardiologia trabalha de forma autónoma em várias áreas: na reabilitação cardíaca, em colaboração com a Medicina Física e de Reabilitação; no internamento, que dá apoio ao Serviço de Medicina Intensiva, que tem 15 camas; na Unidade de Cuidados Intermédios Polivalente, com 13 camas; e no internamento de medicina com capacidade de telemonitorização (acompanhamento dos doentes à distância), com trinta camas.

“Sobretratamos o baixo risco e subtratamos o alto risco e isso mostra-nos que pecamos por defeito, ou seja, não somos suficientemente agressivos na forma como estamos a abordar a doença aterosclerótica.”
Cristina Gavina, cardiologista

“A organização de trabalho respeita um modelo de partilha das 140 camas do departamento médico entre as várias especialidades, de acordo com as necessidades, em colaboração com a medicina interna que garante a urgência interna à noite e ao fim de semana”, diz a médica.

No Serviço de Urgência, a Cardiologia assegura o apoio 24 horas por dia, sete dias por semana, à ULSM e ao Centro Hospitalar Póvoa de Varzim/Vila do Conde. Na consulta externa observa utentes encaminhados pelos centros de saúde e doentes indicados a partir da consulta hospitalar ou após internamento hospitalar.

A ULSM, garante Cristina Gavina, foi das primeiras no país a olhar para a população com insuficiência cardíaca como um todo e não focada numa única especialidade. Habitualmente, a maior parte das pessoas internadas por insuficiência cardíaca não são aquelas que a Cardiologia segue, mas as que a Medicina Interna acompanha. “E, portanto, este é um problema de saúde pública. É preciso um olhar mais alargado.”

A clínica, os diagnósticos, os dispositivos intracardíacos

A Clínica de Insuficiência Cardíaca (CLIC) da ULSM começou a funcionar em setembro de 2019. Desde então, já realizou 5.601 consultas, mais de quarenta por cento das quais agendadas no próprio dia, para situações urgentes (consultas abertas), e mais de 400 sessões de hospital de dia, para terapêuticas mais específicas. Tem uma unidade de apoio permanente com consulta aberta e hospital de dia, consulta de insuficiência cardíaca crónica, consulta e teleconsulta de enfermagem, telemonitorização e cuidados paliativos.

Dois cardiologistas, quatro médicos de medicina interna, um dedicado a cuidados paliativos, e duas enfermeiras compõem a equipa multidisciplinar da CLIC que se articula com a nefrologia, a nutrição e o serviço social. Neste momento, está a ser implementada a referenciação direta de doentes agudos a partir dos centros de saúde.

O Estudo Latino analisou dados de 78 459 doentes, 58% dos quais mulheres, com idades entre os 40 e os 80 anos, relativos a duas décadas, entre 1 de janeiro de 2000 e 31 de dezembro de 2019

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“Hoje, os doentes já não são puramente cardíacos”, diz a diretora de serviço. “Têm imensas outras doenças, podem vir por uma causa cardíaca, mas não podemos ignorar que têm mais problemas. Se otimizarmos essas doenças, também vamos otimizar a parte cardíaca.”

A principal causa de internamento urgente não programado, acima dos 65 anos, é precisamente a insuficiência cardíaca. A prevalência da doença é de 16,5% da população, acima dos 13% da diabetes. Atualmente, cerca de 700 mil portugueses vivem com esta doença. Uma em cada seis pessoas com mais de 50 anos tem este problema de saúde.

A ULSM tem também investido em equipamentos para a realização de exames de imagem específicos na área cardiovascular, por exemplo, eletrocardiografia, ecocardiografia transtorácica, ecocardiografia avançada, entre outros. E, além da ressonância magnética cardíaca, vai começar a ter também TAC cardíaca.

Desde setembro de 2019, a Clínica de Insuficiência Cardíaca da ULSM já realizou 5601 consultas, mais de quarenta por cento das quais agendadas no próprio dia, para situações urgentes. Tem uma unidade de apoio permanente com hospital de dia, consulta de insuficiência cardíaca crónica, consulta e teleconsulta de enfermagem e cuidados paliativos.

No que toca aos dispositivos intracardíacos, são colocados pacemakers, normalmente nos doentes com problemas de ritmo cardíaco, bem como cardiodesfibrilhadores, capazes e detetar arritmias potencialmente fatais e recuperar de uma possível morte súbita, e ainda ressincronizadores, quando o coração não contrai todo ao mesmo tempo. “À medida que vai crescendo a evidência científica, ficamos mais confiantes de que este é o caminho para evoluir. E a nossa equipa tem-se diferenciado nesse sentido, neste tipo de dispositivos.”

No risco cardiovascular, o colesterol é importante e essa mensagem tem de passar. Mas, garante a especialista, a forma como o risco é comunicado às pessoas está a falhar.

Um estudo com dados de vinte anos

E como se pode inverter esta situação? Na ULSM foram organizadas sessões para médicos de família e uma campanha de informação para perceber e explicar as conclusões do estudo detalhado e exaustivo que ali foi levado a cabo em 2019.

“Fizemos formações para internos para divulgação dos resultados e apresentámo-los em várias reuniões nacionais dedicadas fundamentalmente a médicos de família. O impacto só será conhecido quando voltarmos a analisar os números no final de 2024, cinco anos depois.”

O Estudo Latino (Lipid mAnagemenT iN pOrtugal) analisou dados de 78.459 doentes da área de influência da ULSM, 58% dos quais mulheres, com idades entre os 40 e os 80 anos, relativos a duas décadas, entre 1 de janeiro de 2000 e 31 de dezembro de 2019.

O objetivo do estudo foi avaliar a relação entre a intensidade da dor e o desconforto provocado por outros tipos de sofrimento, físico e psicológico, em doentes considerados críticos

A Unidade Local de Saúde de Matosinhos é a primeira ULS do país e integra o Hospital Pedro Hispano e 14 centros de saúde. Serve 320 mil utentes de Matosinhos, Póvoa de Varzim e Vila do Conde

IGOR MARTINS / OBSERVADOR

Os especialistas do Serviço de Cardiologia, coordenados por Cristina Gavina, quiseram perceber qual o risco cardiovascular de pessoas seguidas regularmente pelo seu médico de família. Ao longo de dois meses, e numa parceria com a Sociedade Portuguesa de Aterosclerose e a Novartis (parceiros do Observador no projeto Arterial e co-responsáveis pelo estudo), uma equipa de oito profissionais da ULSM, da Cooperativa de Ensino Superior Politécnico Universitário, do Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde, do Hospital dos Lusíadas, do MTG Research and Development Lab e da Universidade do Porto verificou se o colesterol estava controlado, uma vez que existe uma relação linear entre os níveis de colesterol LDL (o “mau colesterol”) no sangue e as doenças cardiovasculares.

Conhecer melhor o risco cardiovascular e descrever características clínicas, bem como analisar o perfil lipídico (grupo de exames que determina o risco de doença coronária), padrões de tratamento e de cumprimento da medicação por parte dos doentes foram os principais objetivos da pesquisa. A mesma resultou de informações de saúde de quase 90% da população de Matosinhos, o oitavo município mais populoso do país e o quarto da região Norte, de acordo com os últimos Censos.

Os resultados são conhecidos, foram apresentados pela primeira vez no Congresso Português de Cardiologia, em 2021, e publicados na revista científica Journal of Clinical Medicine em novembro de 2022.

A principal causa de internamento urgente não programado acima dos 65 anos é a insuficiência cardíaca. A prevalência da doença é de 16,5% da população, acima dos 13% da diabetes. Atualmente, cerca de 700 mil portugueses vivem com esta doença. Uma em cada seis pessoas com mais de 50 anos tem este problema de saúde.

Há dois aspetos que saltam imediatamente à vista no estudo. Um é que 39% dos doentes são considerados de alto ou muito alto risco cardiovascular, de poder sofrer um AVC ou um enfarte de miocárdio, por exemplo. Em alto risco, 53% são homens e 47% são mulheres. Em muito alto risco há mais homens, 57%, e 43% são mulheres. Em ambos os grupos (alto risco e muito alto risco), a idade média é de 67 anos. Outro aspeto é que apenas 7% dos doentes de alto risco têm o colesterol LDL controlado e somente 3% dos pacientes de muito alto risco, ou seja, pessoas que já tiveram um AVC ou em enfarte, estão na mesma condição. O que significa que mais de 90% desses doentes não conseguiram baixar o seu colesterol para os valores recomendados. “Naturalmente, um panorama preocupante”, avalia a cardiologista.

Os números validam a preocupação. O colesterol é responsável por cerca de 50% do risco de enfarte e por cerca de 35% do risco de AVC. É um dos maiores e mais perigosos fatores de risco das doenças cardiovasculares devido à acumulação de gordura nas paredes das artérias. Os pacientes de alto e muito alto risco exigem, portanto, particular atenção. O Latino veio revelar que esses doentes teriam de baixar em 50% o seu colesterol para ficarem dentro do valor recomendado. “Os que estavam descontrolados tinham uma mediana de LDL que andava à volta dos 100 mg por decilitro, quando queríamos que fosse abaixo dos 55”, especifica a médica.

“Temos uma relação importante com os cuidados de saúde primários”, diz Cristina Gavina. “Os médicos de família ligam-nos diretamente quando têm dúvidas ou precisam de referenciar doentes”

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Perante o cenário, surgiu uma pergunta. O que estava a ser feito para ter esse resultado de colesterol descontrolado? O estudo debruçou-se então na medicação e verificou que poucos pacientes estavam a tomar estatinas, os medicamentos para o colesterol mais conhecidos, de alta potência, quando tinham indicação para tal. Apenas dez por cento dos doentes de muito alto risco tomavam estatinas de alta intensidade. Conclusão: “Sobretratamos o baixo risco e subtratamos o alto risco e isso mostra-nos que pecamos por defeito, ou seja, não somos suficientemente agressivos na forma como estamos a abordar a doença aterosclerótica”, avisa a coordenadora do estudo.

Outro dado é que há diferenças entre homens e mulheres no cumprimento do que é desejável em relação ao controlo do colesterol. Elas atingem os valores alvo em menos 22% do que eles. “Uma em cada cinco mulheres, comparativamente com os homens, não vai atingir os alvos, apesar de ter a mesma categoria de risco e apesar de ter o mesmo tipo de tratamento que lhe foi prescrito”, adianta a médica, que refere que as mulheres são, regra geral, menos cumpridoras e mais resistentes ao levantamento e toma de medicação, não o fazendo de forma adequada e continuada.

Há outro problema. “As pessoas não estão sintonizadas para perceber que, por exemplo, o segundo evento depois de um enfarte pode não ser um enfarte, pode ser um AVC, pode ser doença arterial periférica, não tem de ser necessariamente um evento do mesmo tipo”, alerta a médica. O Latino coloca no radar os doentes de alto e muito alto risco cardiovascular, pessoas que preocupam os médicos particularmente porque sabem que “a possibilidade de terem um evento nos próximos dez anos é elevada”. A probabilidade de ter um segundo enfarte é de 10% ao fim de três anos. É necessário mais cuidado e uma maior atenção.

O estudo Latino coloca no radar os doentes de alto e muito alto risco cardiovascular, porque correm riscos acrescidos. A probabilidade de um segundo enfarte é de dez por cento ao fim de três anos. É necessário mais cuidado e uma maior atenção.

O Latino tem sido citado como o estudo de referência, na área da dislipidemia (níveis elevados de gordura no sangue), para descrever a realidade nacional. “No entanto, não conseguiu ter consequência em termos de políticas de saúde ou recomendações da Direção-Geral da Saúde”, garante a médica. O estudo teve eco noutros países, com a apresentação e discussão das conclusões em reuniões internacionais. “Os resultados estão em linha com outros registos internacionais, mas são representativos de uma população não selecionada, mais próximos da prática da medicina geral e familiar, ao contrário de outros registos que, embora envolvendo mais centros e países, analisam doentes mais selecionados”, sustenta.

Criar automatismos, investir no acesso aos melhores tratamentos, apostar na educação para a saúde, nomeadamente através dos enfermeiros que estão mais próximos dos doentes e suas famílias. É isto que, para Cristina Gavina, deveria ser feito. “É preciso comparticipar mais as medicações para doenças crónicas e que, neste momento, não são reconhecidas como doenças crónicas.” Se tal não acontecer, avisa, “é pôr para debaixo do tapete um problema que estamos a ignorar, mas que nos vai custar a longo prazo”.

Arterial é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com doenças cérebro-cardiovasculares. Resulta de uma parceria com a Novartis e tem a colaboração da Associação de Apoio aos Doentes com Insuficiência Cardíaca, da Fundação Portuguesa de Cardiologia, da Portugal AVC, da Sociedade Portuguesa do Acidente Vascular Cerebral, da Sociedade Portuguesa de Aterosclerose e da Sociedade Portuguesa de Cardiologia. É um conteúdo editorial completamente independente.

Uma parceria com:

Novartis

Com a colaboração de:

Associação de Apoio aos Doentes com Insuficiência Cardíaca Fundação Portuguesa de Cardiologia PT.AVC - União de Sobreviventes, Familiares e Amigos Sociedade Portuguesa do Acidente Vascular Cerebral Sociedade Portuguesa de Aterosclerose Sociedade Portuguesa de Cardiologia

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