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JOÃO PEDRO MORAIS/OBSERVADOR

JOÃO PEDRO MORAIS/OBSERVADOR

E se um workshop de 90 minutos lutasse contra o machismo e trabalhasse a confiança no trabalho?

Esteve em Lisboa, na Web Summit, e lembrou a importância de dedicar um dia por semana a fazer a diferença. Falámos com Anna Vainer, a mulher que a partir da Google criou o projeto #IamRemarkable.

Anna Vainer, responsável no departamento de marketing da Google, utilizou o programa “20%”, no qual a empresa permite que um dos cinco dias da semana de trabalho sirva para desenvolver projetos, para trabalhar a confiança e as discriminações no trabalho. Chama-se “#IamRemarkable” e já teve 72 mil participantes. Vainer esteve na Web Summit, em Lisboa, e falou com o Observador sobre a iniciativa.

[O vídeo do projeto IamRemarkable em que mulheres falam do efeito que o worshop tem:]

Vainer está na Google desde 2010 e sentia que os workshops em que participava eram úteis e interessantes, mas não tinham efeitos a longo prazo. Por isso, criou este workshop e conseguiu bons resultados: 82% dos participantes ​​dizem que se sentem mais confiantes desde a realização do curso; e 49% dos inquiridos ​​afirmam que alcançaram crescimento no emprego ou na carreira desde que participaram no #IamRemarkable.

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A chave para o sucesso passa por análise de dados e ter muitos voluntários dedicados ao projeto. Ao todo, tem mais de 3600 colaboradores, dos quais 1800 são funcionários da Google. “Somos como uma startup dentro da empresa”, brinca. O objetivo para o futuro é continuar capacitar “mulheres e grupos sub-representados” para serem mais auto-confiantes e, se tudo correr bem, atacar o problema quando começa a surgir: antes da adolescência. Além disso, quer continuar a alargar a iniciativa para outras empresas que não a Google.

Anna esteve em Portugal pela primeira vez na Web Summit para falar do seu projeto

JOÃO PEDRO MORAIS/OBSERVADOR

Porque é que considera que o projeto está a ser tão bem sucedido? Como é que faz essa avaliação?
Começámos em 2016 depois de ter feito um workshop interno de dois dias para mulheres na Google. O objetivo do workshop foi tirar mulheres da sua zona de conforto. Pediram para nos sentarmos e escrevermos num pedaço de papel por que razão somos notáveis ​ e depois ficar em frente à sala e ler em voz alta. Não sei se já fez isso, mas, no início, é uma sensação muito desconfortável. No final desse treino, disseram: “Anna, você precisa de fazer um projeto.” O curso agora vai para um projeto que está fora do trabalho diário.

Uma boa amiga minha e colega, Anna Zapesochini, estava a trabalhar em Nova Iorque na altura e foi ter comigo e disse-me: “Ouve, acho que as pessoas passam por processos muitos interessantes durante esse exercício, vamos fazer um vídeo disso”. Por causa disso fui ao meu diretor e disse: “Hey, preciso de dinheiro para fazer um vídeo e, já agora, temos esta iniciativa muito boa que achamos que pode ajudar as mulheres no crescimento e na promoção”. E ela disse: “Se essa iniciativa é assim tão importante, como é que a vais levar a todas as mulheres do planeta?” E eu fiquei: “Ok, vamos conseguir fazer isto”. Voltámos ao projeto, pensámos sobre isso e preparámos um plano. Depois, levámo-lo à nossa vice-presidente que disse: “Bom plano, vamos fazer um piloto”. Fomos à Polónia e falámos das três coisas que acho que criaram sucesso.

Quais foram as três coisas?
A número um, e pode parecer surpreendente, foram os dados. Sempre que se trabalha em alguma coisa é importante garantir que registamos tudo. Desde o primeiro dia posso dizer exatamente quantas pessoas participaram num dos workshops: 72 mil. Sabemos exatamente quanto moderadores temos: 3300. Registamos como é que cada pessoa se sente logo após o workshop e fazemos um inquérito três meses depois. Por isso sabemos qual é o impacto. Muitas vezes perguntamo-nos: “O que é que pode mesmo um workshop de 90 minutos fazer por mim?” Muitos workshops, seja para treino ou auto-melhoramento, não ficam connosco. É só fazer a experiência. Até se gosta. Mas sai-se e, depois, esquece-se sobre o que foi. Foi muito importante perceber como é que as pessoas se sentem depois do workshop e ver que cerca de 50% das pessoas melhoraram no trabalho ou começaram a própria empresa.

“Muitos workshops, seja para treino ou auto-melhoramento, não ficam connosco. É só fazer a experiência. Até se gosta. Mas sai-se e, depois, esquece-se sobre o que foi”

E a segunda coisa?
A segunda é sobre empoderamento [original empowerment] e garantir que se leva pessoas para o caminho. Por isso, crescemos com a Google. Começámos como um projeto a 20%, eu e a Anna. Agora temos mais de 100 pessoas na Google a trabalhar nisto a 20% de capacidade, além disso, temos 3300 moderadores que são embaixadores e voluntários que gerem o workshop em 85 países. Esse é o número 2.

Quanto ao terceiro fator?
Falámos de dados e de trazer pessoas a bordo e a terceira coisa é a comunicação. Por isso, temos muitos voluntários ao longo do ano para manter pessoas motivadas, manter as pessoas a quererem voluntariar-se. É preciso comunicar muitas vezes e explicar o que podemos fazer para alcançar o que desejam.

Onde vê este projeto no futuro?
Quando olho para daqui a 5 ou 10 anos quero dizer onde estamos. Quando olhamos para os dados, quando realizamos o workshop, a primeira parte é olhar para a investigação e perceber qual é a situação neste momento para mulheres e grupo sub-representados, e isso é muito importante. Começámos com as mulheres, mas depois escalámos porque vimos que os mesmos problemas são iguais para outros grupos sub-representados. Sejam pessoas negras nos EUA, sejam grupos LBGT, ou sejam mulheres em geral, que é o maior grupo sub-representado, muito supreendentemente.

Anna Vainer foi uma das oradoras da Web Summit 2019 e realizou um dos workshops no evento

JOÃO PEDRO MORAIS/OBSERVADOR

Por isso, há algumas perspetivas importantes. A primeira é que tanto homens como mulheres não gostam de mulheres que se promovam a elas próprias. E isto é de uma investigação de 1998 que foi repetida nos últimos anos, vimos que isso se mantém. Posso contar uma história pessoal sobre isto. No primeiro workshop que fiz quando estava a fazer esse exercício, pediram para irmos para a frente da sala e ler alto as nossas declarações “#IamRemarkable”. Estava aí sentada a pensar: porque é que ela se está gabar? Porque é que aquelas mulheres se levantam e falam sobre o que alcançaram e os seus feitos? E fico a pensar para mim: isto é preconceito inconsciente. Estes sentimentos que temos estão a influenciar a forma como falamos com as pessoas, a maneira como as encaramos. Ao participar neste workshop podemos estar conscientes de preconceitos inconscientes e é-se capaz de mudar a forma como se pensa e como nos comportamos.

Mas são só apenas 90 minutos…
Certo

Como é que se altera o pensamento inconsciente?
Pode mudar-se a forma como se observa e entende outras pessoas. Podem mudar-se os pensamentos e comportamentos como consequência.

Como homem, não sei se posso sequer sentir a desigualdade de que fala. Se estiver no palco acho que não vou poder pensar nisso. Sente que as mulheres sentem que estão a ser mais julgadas e que estão sempre numa posição de desigualdade?
Acho que, com esta iniciativa, falamos de mulheres mas falamos também de grupos sub-representado. Quero que pense num cenário em que você, um homem branco, português, vai à Índia. Pense que está numa equipa de 20 pessoas. 19 indianos e você. Vai estar sub-representado. Não vai sentir-se da mesma maneira que se sente aqui no seu ambiente natural e na sua linguagem. Quando falamos de sub-representação é muito importante perceber que depende das circunstâncias e do ambiente em que se está. O homem médio, o homem branco, empresarial, no seu habitat natural é a maioria. Mas pega-se na mesma pessoa e coloca-se noutro sítio e, de repente, estão sub-representados, ficam fora da sua zona de conforto. Acho que é muito importante estarmos conscientes disso, os chefes de equipa estarem conscientes disso, e as empresas terem atenção a essas diferenças. E isso aplica-se a reuniões, a apresentações, a conversas do dia a dia. Aplica-se a promoções, a avaliações de desempenho. A tudo o que é feito.

Como avalia o apoio que tem tido da Google para manter este workshop, para o fazer crescer? 70 mil é muito, mas quer alcançar mais pessoas.
Acho que a Google tem este conceito mágico que é o 20%. A Google permite tirar um dia por semana para seguir um projeto, uma paixão, que pode estar relacionada com o trabalho do dia a dia, mas também pode não estar de todo relacionado com o teu trabalho quotidiano. A Google permitiu-me pegar nestes 20% que começámos e continuar desenvolvê-lo até hoje. E desenvolvê-lo gerindo uma equipa de 20 pessoas. Hoje temos uma equipa de pessoas a trabalhar nisso. Temos 1800 pessoas só na Google. O resto são pessoas externas. E a Google apoia a 100% esta iniciativa e deixou-nos geri-la nos últimos três anos.

“A Google permite tirar um dia por semana para seguir um projeto, uma paixão, que pode estar relacionada com o trabalho do dia a dia, mas pode também não estar de todo relacionado com o teu trabalho quotidiano”

Nos próximos 5 anos, o que vai acontecer ao projeto?
Uma das primeiras coisas que referi é que tanto homens como mulheres não gostam de mulheres que se promovem a elas mesmas. Duas coisas chave que também vemos é que os feitos não falam por eles mesmos. Muitas vezes o que se aplica a mulheres e grupo sub-representados é que fazemos um trabalho muito bom e depois esperamos que o trabalho fale por si. E espera-se ser promovido porque se fez um trabalho mesmo bom. Mas, na verdade, com a sobrecarga de dados que temos, temos de ser capazes de controlar a nossa história. E temos de ser capazes de ir ao nossos chefe e pares e falar dos próprios feitos. Isso é importante. E a terceira coisa é: não é gabamento se for baseado em factos. É muito importante, e as mulheres são muitas vezes pré-condicionadas. As raparigas são condicionadas quando os seus pais dizem para não se gabarem e para serem queridas.

Para serem as “princesas”, podemos também dizer isso?
Sim. Quando faço workshops e pergunto a quem é que ensinaram que não se devia gabar quando eram pequenos tenho pelo menos metade da audiência a levantar a mão. Por isso, para mim, se olhar para daqui a cinco ou seis anos, quero alcançar as crianças antes de chegarem ao ponto de que temos fazer workshops quando já estão na idade adulta. Para que saibam ao menos como podem promover-se. Há um estudo que mostra que a maior queda de confiança para raparigas mais novas acontece até aos 13 anos. Até aos 13 anos, as crianças sentem que têm menos valor do que os homens.

Web Summit? “Kudos [congratulações de mérito] para a organização”

Primeira vez na Web Summit. Queria perguntar-lhe…
[Interrompe pergunte] Assoberbada [original: overwhelmed, em português, sobrecarregada/deslumbrada/muita coisa a acontecer]

Mas quando diz isso é uma crítica ou elogio?
De todo que é uma crítica. É o maior evento em que já estive. Estive agora na Grace Hopper Conference que recebe 25 mil pessoas. Vir aqui e isto ser três vezes maior é notável. Ver a organização aqui e as startups e as pessoas e investidores e oradores: kudos [congratulações de mérito] para a organização.

Segundo a Web Summit, este ano, 43% dos visitantes foram mulheres. Como é que se pode chegar aos 50-50? Ou até 55-45
Não sei, tem alguma sugestão [risos]?

*Entrevista corrigida a 20 de novembro, às 18h17. Onde se lia Anna Zechini, deveria estar Anna “Zapesochini”. Onde se lia na resposta a uma das questões “unremarkable”, está agora de forma correta “#IamRemarkable”. Onde se lia “garantir que se há pessoas que trazem outras pessoas para o caminho”, lê-se agora mais corretamente “garantir que se leva pessoas para o caminho”.

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