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AFP via Getty Images

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É seguro e eficaz, mas será ético vacinar crianças contra a Covid-19?

Vacinas da Pfizer e Moderna são eficazes em crianças, mas especialistas não concordam se é importante para a imunidade de grupo. E receiam as questões éticas que a vacinação pode levantar.

Depois de os Estados Unidos terem aprovado a administração da vacina da Pfizer/BioNTech contra a Covid-19 em crianças e adolescentes a partir dos 12 anos, a União Europeia espera o aval da Agência Europeia do Medicamento para expandir os planos de vacinação nacionais aos jovens com menos de 16 anos. Os ensaios clínicos em desenvolvimento já demonstraram que tanto esta como a vacina da Moderna são seguras e eficazes em crianças e adolescentes a partir dos 12 anos. Mas essa não é a preocupação dos peritos.

Na mente dos três especialistas ouvidos pelo Observador subsistem duas dúvidas éticas: quão válido é administrar um medicamento preventivo a alguém que, em princípio, não desenvolveria a doença em causa? E quão justo é fazê-lo no caso de uma patologista pandémica quando outros países do mundo não têm sequer capacidade para proteger os seus grupos de risco? Cada um deles tem uma opinião pessoal sobre estas questões. E não se entendem sobre a resposta correta.

É assim tão importante vacinar as crianças contra a Covid-19?

Algumas crianças chegam a desenvolver quadros clínicos severos que culminam numa síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (MIS-C), em que o sistema imunitário liberta uma quantidade exagerada de citocinas e exibe inflamações desmesuradas em vários tecidos do organismo. Esta condição pode ser letal para as crianças, mas é rara: na verdade, a maioria das crianças e adolescentes infetados permanece assintomática; e a maior parte dos que tem MIS-C acaba por recuperar.

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Pedro Madureira, imunologista do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3s), acredita, ainda assim, que a importância de vacinar as crianças e adolescentes contra a Covid-19 é “inegável”: desenvolvam ou não sintomas da doença, tenham ou não quadros clínicos mais severos, ficam mais protegidas dessa possibilidade. “Quanto mais cedo for dada a vacina, mais cedo a pessoa fica protegida”, defendeu em conversa com o Observador.

Mas Manuel Carmo Gomes, epidemiologista da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, aponta outra vantagem de vacinar crianças — além do benefício pessoal para elas: reduzir a circulação da doença no resto da comunidade. “Uma pessoa infetada, seja adolescente ou não, se estiver rodeada de pessoas vacinadas, tem menos probabilidade de lhes transmitir a doença”, resume o especialista ao Observador.

Manuel Carmo Gomes lembra que sem adolescentes vacinados, "dificilmente atingiremos a imunidade de grupo". "Precisamos de 70% da população inteira vacinada, não apenas da população adulta", lembrou o epidemiologista.

O epidemiologista concorda com Pedro Madureira sobre os efeitos positivos da vacinação de adolescentes a partir dos 12 anos: evitam-se os (raros) casos de Covid-19 grave nos mais jovens, impedem-se os quadros de Covid-19 longo e as sequelas que eles podem provocar — mesmo pessoas assintomáticas podem desenvolver sequelas como cardiopatias e infeções pulmonares; e, mais do que isso, colmatam-se as complicações em termos de saúde mental.

É importante conseguir normalizar a vida destes adolescentes, na medida em que se sentem protegidos, os pais ficam mais descansados e podem retomar atividades que podem estar a coibir-se de praticar por receio nas consequências”, aponta Manuel Carmo Gomes. Além disso, deixam de ser “o motor de algumas transmissões que ocorrem na sociedade”, tanto no contacto entre jovens, como nos convívios com a família.

Mas o epidemiologista admite que a vacinação de crianças não é consensual porque levanta um problema ético: qual é a pertinência de administrar uma vacina, que é um medicamento dado a título preventivo, a um indivíduo que tem um risco tão diminuto de desenvolver Covid-19? É que as vacinas habitualmente dadas a crianças protegem-nas de doenças que as podem muito provavelmente matar — como a meningite ou o sarampo. Não é o caso da Covid-19.

Manuel Carmo Gomes é da opinião de que, mesmo assim, a vacinação contra a Covid-19 deve avançar para as faixas etárias mais jovens em nome do bem comum: assim, Portugal alcançaria coberturas vacinais tão grandes que, mesmo importando casos do estrangeiro ou surgindo surtos pontuais, eles são extintos sem necessidade de medidas adicionais. Mais: sem adolescentes vacinados “dificilmente atingiremos a imunidade de grupo”, avisa o epidemiologista. “Precisamos de 70% da população inteira vacinada, não apenas da população adulta”.

A posição de Henrique Veiga-Fernandes coincide com a da Organização Mundial de Saúde, que considerou uma "catástrofe moral" que se comecem a vacinar contra a Covid-19 as crianças e adolescentes nos países desenvolvidos enquanto noutras regiões do globo a vacinação está tão atrasada. "Eu entendo que esses países [ricos] querem vacinar as suas crianças e os seus adolescentes, mas encorajo estes países a reconsiderarem esta decisão e a doarem as suas vacinas ao Covax", apelou Tedros Ghebreyesus.

Mas esta posição não é unânime, tanto que Henrique Veiga-Fernandes, investigador principal na área da imunologia da Fundação Champalimaud, considera que “não é minimamente importante” vacinar crianças contra a Covid-19 porque “elas não são um problema do ponto de vista da saúde pública, nem põem em causa o atingimento da imunidade de grupo”.

Importante mesmo era disponibilizar as doses que seriam aplicadas às pessoas com entre 12 e 15 anos aos países que não têm capacidade financeira para vacinar os seus grupos de risco: “Na Europa temos os grupos de risco completamente vacinados, o que já deu resultados extraordinários na proteção da população, mas isso não está a acontecer em todas as partes do mundo e vacinar os jovens só vem pesar nessa assimetria”, defendeu.

Henrique Veiga-Fernandes argumenta que, à semelhança do que acontece com outros coronavírus e vírus respiratórios (incluindo o da gripe), o SARS-CoV-2 não vai ser erradicado: não só a transmissibilidade é extremamente fácil, como sofre várias mutações de forma a manter-se em circulação e a fintar o sistema imunitário. Por isso, proteger crianças e adolescentes não é tão urgente porque “desde tenra idade começamos a ter os primeiros contactos com estes vírus e desenvolvemos imunidade”. 

Covid-19. Vacinas para menores de 16 anos podem ser aprovadas em breve, mas ainda se discute se são necessárias

A posição de Henrique Veiga-Fernandes coincide com a da Organização Mundial de Saúde, que considerou uma “catástrofe moral” que se comecem a vacinar contra a Covid-19 as crianças e adolescentes nos países desenvolvidos enquanto noutras regiões do globo a vacinação está tão atrasada. “Eu entendo que esses países [ricos] querem vacinar as suas crianças e os seus adolescentes, mas encorajo estes países a reconsiderarem esta decisão e a doarem as suas vacinas ao Covax”, apelou Tedros Ghebreyesus.

O que se sabe sobre a eficácia da vacina em crianças?

A vacina da Pfizer/BioNTech contra a Covid-19 demonstrou ser 100% eficaz a proteger os adolescentes com 12 a 15 anos, induzindo uma resposta imunitária robusta nos voluntários. Não houve qualquer caso de Covid-19 entre as 1.131 pessoas que receberam a vacina, que desenvolveram quantidades importantes de anticorpos contra o SARS-CoV-2, mas houve 18 no grupo de 1.129 que receberam um placebo.

A Moderna confirma que os efeitos secundários desenvolvidos por estes adolescentes são semelhantes aos que foram reportados por voluntários mais velhos noutros ensaios clínicos. Os mais comuns foram o surgimento de dor no local da injeção, dores de cabeça, sensação de fadiga, mialgia e arrepios. Nada de estranho, garantiu a companhia.

No caso da vacina da Moderna, que testou a eficácia da vacina em adolescentes entre os 12 e os 17 anos, os resultados preliminares sugerem que ela é 96% eficaz nessa faixa etária. O comunicado da empresa revela que, entre os 3.235 participantes, foram detetados 12 casos de Covid-19 duas semanas depois da administração das primeiras doses, mas não explica quantos dos infetados tinham recebido a vacina ou um placebo.

A AstraZeneca/Universidade de Oxford também estava a estudar a segurança e a eficácia da vacina contra a Covid-19 em crianças e adolescentes entre os seis e os 17 anos. Os testes, que só tinham cerca de 300 participantes, tinham arrancado em fevereiro, mas foram suspensos em abril quando foi assinalada a associação entre a administração do medicamento e o surgimento de casos graves, mas raros, de coágulos sanguíneos.

E é mesmo seguro vaciná-las contra a Covid-19?

Os ensaios clínicos da Pfizer/BioNTech demonstram que sim: o comunicado de imprensa revela que a vacina foi “bem tolerada” nos adolescentes e que os efeitos secundários reportados entre os voluntários eram consistentes com aqueles que tinham sido detetados em pessoas vacinadas com entre 16 e 25 anos. A investigação da farmacêutica não transpareceu quaisquer motivos de preocupação sobre a segurança das vacinas.

O mesmo foi anunciado pela Moderna, que confirma que os efeitos secundários desenvolvidos por estes adolescentes são semelhantes aos que foram reportados por voluntários mais velhos noutros ensaios clínicos. Os mais comuns foram o surgimento de dor no local da injeção, dores de cabeça, sensação de fadiga, mialgia e arrepios. Nada de estranho, garantiu a companhia.

Estudo diz que crianças têm papel mais importante na propagação de Covid-19 do que se pensava

Mesmo a AstraZeneca/Universidade de Oxford garantiu que, apesar de ter suspendido as experiências nas faixas etárias mais jovens, “não há motivos para preocupações de segurança nos ensaios clínicos pediátricos”: “Os pais e as crianças devem continuar a comparecer em todas as visitas agendadas e contactar os locais para ensaios clínicos caso tenham alguma dúvida”, pediu a AstraZeneca.

Fala-se de vacinar crianças a partir dos 12 anos. Porquê essa idade?

Segundo o imunologista Henrique Veiga-Fernandes, os 12 anos foram apontados porque é a partir dessa idade que as pessoas começam a manter determinadas interações que podem representar mais risco — como a entrada em mais atividades extra-curriculares e o aumento de convívios com indivíduos da mesma idade, por exemplo. Além disso, é “uma questão de prioridades”: as estatísticas dizem que, entre os raros casos de Covid-19 grave em pessoas abaixo dos 16 anos, a maioria verifica-se a partir dessa idade.

Manuel Carmo Gomes também confirma que a escolha desta idade está relacionada com questões logísticas dos ensaios clínicos: não só pode ser o alvo mais pertinente para começar novos ensaios clínicos, como também é possível que as farmacêuticas tivessem mais facilidade em recrutar voluntários a partir dessa idade. 

A única vacina aprovada pela Agência Europeia do Medicamento que podia ser aplicada em indivíduos com menos de 18 anos era a da Pfizer/BioNTech — e mesmo assim ela só tinha sido aprovada para indivíduos com 16 anos ou mais. É assim porque, nos ensaios clínicos, não havia crianças ou adolescentes entre os voluntários. 

As vantagens de vacinar as crianças superam os riscos?

Nos Estados Unidos, a Food and Drug Administration — entidade que regula as autorizações para a entrada dos medicamentos no mercado  — confirmou que sim. O comunicado emitido a 10 de maio anuncia que “os benefícios conhecidos e potenciais” da vacina da Pfizer/BioNTech “em indivíduos com 12 anos ou mais superam os riscos conhecidos e potenciais, o que apoia o uso da vacina nesta população”.

Essas vantagens não dizem apenas respeito à saúde dos próprios adolescentes, mas também à saúde pública, sublinhou a FDA: “A ação de hoje permite que uma população mais jovem seja protegida da Covid-19, aproximando-nos de retornar a um senso de normalidade e de acabar com a pandemia. Os pais e encarregados ​​podem ter certeza de que a agência realizou uma revisão rigorosa e completa de todos os dados disponíveis”.

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Por enquanto, esta é a única entidade reguladora que já tirou conclusões sobre se as vantagens de vacinar as crianças superam os riscos da administração. A Agência Europeia do Medicamento está neste momento a fazer essa mesma análise, mas ainda não revelou a decisão final sobre se alguma vacina deve ou não ser administrada em pessoas com menos de 16 anos. O pedido de autorização da Pfizer foi enviado a 30 de abril e a decisão deve ser anunciada no próximo mês.

Porque é que as crianças não entraram logo no plano de vacinação?

A única vacina aprovada pela Agência Europeia do Medicamento que podia ser aplicada em indivíduos com menos de 18 anos era a da Pfizer/BioNTech — e mesmo assim ela só tinha sido aprovada para indivíduos com 16 anos ou mais. É assim porque, nos ensaios clínicos, não havia crianças ou adolescentes entre os voluntários. Por isso, não havia dados que garantissem que as vacinas eram seguras e eficazes nas faixas etárias mais novas.

Numa primeira altura, as pessoas com menos de 18 anos (ou, no caso da Pfizer/BioNTech, com menos de 16) não foram incluídas nos ensaios clínicos porque o mais premente era garantir que as vacinas protegiam quem estava mais vulnerável perante uma infeção pelo SARS-CoV-2 — as pessoas mais velhas e quem tem determinadas comorbilidades. Quando isso foi assegurado, as farmacêuticas puderam passar ao passo seguinte.

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