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O Estado ensaia nova tentativa de venda da Efacec, empresa que nacionalizou em 2020, com o argumento de que estava criado um problema com aquela que era a sua principal acionista, a empresária angolana Isabel dos Santos, que “entrou em colapso” no decurso do Luanda Leaks, situou António Costa Silva, ministro da Economia. E esta quarta-feira, 7 de junho, num conselho de ministros eletrónico — que teve como único ponto a privatização da empresa — o Governo seguiu a recomendação da Parpública e “selecionou a proposta para a aquisição da Efacec apresentada pela Mutares”.
Em conferência de imprensa, o ministro da Economia, acompanhado pelo secretário de Estado das Finanças, João Nuno Mendes (um governante discreto mas que no espaço de uma semana foi ouvido na comissão de inquérito sobre a TAP e que também teve de explicar o corte nas remunerações dos certificados de aforro), explicou a escolha pelo fundo alemão Mutares, mas sem se alongar em explicações. “Peço a vosso compreensão”, pediu, com o argumento de que há ainda condições que têm de ser cumpridas até ao desfecho da operação. Ou seja, mais um passo foi dado para a venda da Efacec mas há ainda barreiras a passar, havendo otimismo do Governo.
O que foi decidido esta quarta-feira, 7 de junho, na venda da Efacec?
O conselho de ministros, em formato eletrónico, teve uma única decisão. A de escolher um entre quatro candidatos que tinham apresentado ofertas vinculativas para a Efacec, no processo de privatização que está a ser conduzido pela Parpública. Analisadas foram quatro propostas, tendo a holding pública apresentado a ordem da sua decisão: Mutares, Oaktree, Oxy Capital e o consórcio português Visabeira/Sodecia. Estavam em jogo os projetos financeiros e industriais para a Efacec, na qual o Estado tem 71,73% do capital depois da nacionalização de 2020, ficando com a posição da empresária angolana Isabel dos Santos.
Em conselho de ministros, o Governo selecionou a que tinha ficado em primeiro lugar, a Mutares. Avança-se agora para o desenho final da operação.
O que é a Mutares?
A Mutares é um fundo de investimento alemão, cotado na bolsa de Frankfurt, cuja capitalização bolsista é de cerca de 500 milhões de euros. Cerca de 37% do capital é detido pela gestão e membros do conselho de supervisão, o que a empresa considera ser uma demonstração de que os administradores estão empenhados “no processo de criação de valor”. A própria empresa define-se como uma private equity [fundo de investimento] focado em “situações especiais”. Concentra-se em “aquisições de partes de grandes companhias e de empresas de média dimensão que estejam em situações de transição. O objetivo é alavancar o desenvolvimento potencial de empresas alvo em situação difícil”, avançando com um processo de recuperação para as rentabilizar. O foco, lê-se no seu site, são empresas com receitas entre 100 e 750 milhões de euros nos segmentos da automóvel e mobilidade; tecnologia e engenharia; e bens e serviços.
O fundo aponta como objetivo, geral, dos seus investimento produzir um retorno de 7 a 10 vezes o capital investido. Garante, ainda, no seu site que investe a pensar no longo prazo para “dar às nossas companhias o tempo necessário para aumentar as vendas e rentabilidade e expandir a posição de mercado”, assumindo que “a nossa participação” está aproximadamente entre os três e os cinco anos numa empresa. Por não ter qualquer obrigação junto dos seus investidores de permanência nas empresas em que entra, a Mutares descreve-se como holding de investimentos (e não como fundo).
Desde a sua criação em 2008, a Mutares fez mais de 75 aquisições na Europa, contando atualmente com um portefólio de 32 companhias, que geram receitas anuais consolidadas acima dos quatro mil milhões de euros.
Algumas das empresas do seu portefólio são a Arriva (transportes públicos), Frigoscandia, ISH, Palmia.
Quais as razões para o Governo e a Parpública terem escolhido a Mutares?
Só houve elogios de António Costa Silva para a Mutares. Uma empresa com “credibilidade, idoneidade e capacidade financeira”, além de ter apresentado um projeto de “sustentabilidade e desenvolvimento da Efacec” que agradou à Parpública e ao Governo. Cumpria, por outro lado, a pretensão do Governo de não pretender cindir a Efacec, como propunha o consórcio Visabeira/Sodecia.
Segundo Costa Silva, a proposta da Mutares dá “grande conforto e convicção sobre o futuro da Efacec”, porque “assegura a manutenção da Efacec como grande projeto tecnológico e industrial, assegura a preservação da força de trabalho, há o compromisso na aposta nas qualificações e reforço das capacidades de engenharia da empresa, e minimiza os encargos para Estado”.
Em particular, a Mutares “traz uma carga financeira importante, um aporte financeiro à Efacec para a sua autonomia, sem exigir garantias sobre os ativos da empresa”, mas o “que seduziu” o Governo foi o projeto “industrial e tecnológico”. Depois de estudarem “profundamente” a empresa, pretendem apostar no seu desenvolvimento em mercados alvo como a Alemanha e os Estados Unidos (um dos investimentos de risco e que mais dinheiro custou à Efacec foi precisamente nos Estados Unidos, onde chegou em 2010 a inaugurar uma fábrica de transformadores na Geórgia com um investimento inicial de quase 150 milhões de euros, unidade que acabou por ser vendida num dos processo de reestruturação da empresa da Maia).
Além desses mercados-alvo a Mutares pretende avançar, segundo palavras de Costa Silva, num plano “centrado no negócio dos produtos”, com estratégias para alavancar valor em quatro grandes produtos da Efacec — transformadores; aparelhos e equipamentos; soluções de automação; e mobilidade elétrica. Negócios que se enquadram na carteira da Mutares, salientando o ministro da Economia que a holding alemã pode “usar todo o seu ecossistema, de 32 participadas”, para “potenciar a criação de valor” da Efacec. Há em particular algumas — como a Guascor, a Exi, a Sirti energia, a Arriva, a Nem, a Balcke Dürr e a Lapeyre que podem ser essa alavanca.
Quanto vai a Mutares pagar pela Efacec e injetar na empresa?
Não se sabe. O projeto financeiro, aliás, não foi divulgado, porque há ainda condições, nomeadamente negociação com credores e com a Comissão Europeia, que podem mudar os números finais. Ainda assim, Costa Silva garantiu que a Mutares “vai capitalizar a Efacec, vai trazer aporte financeiro, quer através de injeção de cash [capital] quer com garantias, e não exige nada em relação aos ativos da empresa”. Segundo o Eco, que foi o primeiro a avançar a escolha do Governo pela Mutares, a Efacec fechou 2022 com capitais próprios negativos de 50 milhões de euros.
O Jornal de Negócios chegou a avançar que a Mutares pretenderia injetar 100 milhões na Efacec.
O Estado vai perder dinheiro com a Efacec?
António Costa Silva continua otimista sobre o desfecho do custo para o Estado. No final de maio a exposição do Estado português à Efacec atingia os 217 milhões de euros: 132 milhões em suprimentos acionistas e 85 milhões de euros em garantias. O Governo acredita que “o mecanismo financeiro inovador” apresentado pela Mutares vai permitir ao Estado “recuperar grande parte, se não mesmo a totalidade” do dinheiro que meteu na empresa. Mas não é uma garantia e também não se compromete sobre o tempo em que isso pode acontecer.
Qual é a proposta financeira da Mutares?
Pouco se ficou a conhecer sobre a proposta financeira da Mutares. Sabe-se apenas que não deverá haver pagamentos à cabeça ao Estado porque o modelo acordado deverá ser o de ir pagando consoante a Efacec consiga o retorno esperado, que não foi quantificado. Não foi comunicada a taxa de rentabilidade que se pretende para a Efacec, sabendo-se apenas que a Mutares tem traçado nos seus objetivos gerais, enquanto holding, o de conseguir um retorno de 7 a 10 vezes do capital investido.
Não se sabe se no caso da Efacec será essa mesma meta.
Esse modelo que Costa Silva apelidou de “inovador” permite “partilhar com o investidor resultado atividade da empresa”, há uma “repartição do valor criado”. Ou seja os atuais acionistas deverão ficar sem capital mas com direito económico para recuperar investimento.
Quanto vai comprar a Mutares da Efacec?
O objetivo, segundo expressou João Nuno Mendes, é o de ficar com a totalidade da empresa. A Efacec tem, no entanto, um acionista minoritário, a MGI Capital (sociedade que é detida pelo Grupo Mello e pela Têxteis Manuel Gonçalves – TMG), que ainda não se pronunciou sobre a operação. O secretário de Estado indicou apenas que no final ainda depende dos outros acionistas. O Estado está a privatizar 71,73% do capital.
Quando fica concluída a operação?
O Governo espera que possa fechar o negócio em dois meses, finais de julho, inícios de agosto. Mas há ainda condições que têm de ser cumpridas, o que pode arrastar o processo ou no limite deitá-lo novamente por terra.
Que condições faltam cumprir?
Há três condições ainda em falta. A primeira é a assinatura do acordo de compra de participações. Mas há duas mais difíceis. A primeira tem a ver com as negociações com a Comissão Europeia para que não haja a determinação de que existe um auxílio de Estado. A outra, que o Governo apelida até de mais sensível, é a negociação com os credores da Efacec. Aliás, Costa Silva acabou mesmo por apelar aos credores que se juntem na solução para a Efacec. A negociação com os credores será feita pela Mutares. “Alguns já deram sinais” de que têm vontade de acertar agulhas, disse Costa Silva que deixou uma mensagem: “apelava para também eles fazerem o esforço da mesma dimensão que o Estado está a fazer”, o que indiciaria que o Estado se preparava para fazer um corte no seu investimento. Mas isso não foi assumido.
Que negociações estão a acontecer com Bruxelas?
O dinheiro que o Estado meteu na Efacec não foi notificado como ajuda de Estado. Agora, a Comissão Europeia analisa se é ou não um auxílio de Estado e se for, e se considerado ilegal, teria de ser revertido. Há vários critérios para avaliar se há auxílio de Estado e um deles é o de saber se haveria investidores privados a fazer o mesmo investimento. É o chamado teste de operador de mercado. O Governo está convencido que a operação passa no teste.
Como exemplo, em 2017, na recapitalização da Caixa Geral de Depósitos, a Comissão Europeia concluiu que seria “realizada em conformidade com os termos que um operador privado teria aceitado em condições de mercado e, por conseguinte, as medidas não constituem um novo auxílio estatal a favor da CGD”.
Mas há um plano de negócios que tem de ser apresentado — no caso da Caixa levou a uma reorganização — e garantido o retorno que um privado teria. Segundo avançou o Jornal Económico, a proposta da Mutares teria implícito um retorno de 14% a 15%.
É com a DG Comp, direção geral da concorrência, na tutela da comissão da concorrência Margrethe Vestager, que o Estado está a negociar.
Quanto tempo vai ficar a Mutares na Efacec?
Costa Silva garantiu que não foi determinado qualquer tempo de permanência do fundo. A Mutares diz, por seu lado, que investe a pensar no longo prazo. O Negócios tinha avançado que a empresa alemã teria um objetivo de cinco anos, até vender com retorno o investimento.
A Mutares vai reduzir os postos de trabalho e manter a gestão?
Sobre o processo industrial e plano de negócios para a Efacec da Mutares nada se sabe. Apenas desejos de Costa Silva. A Mutares, segundo disse, pretende “fazer crescer em valor a empresa”, apostando na qualificação dos trabalhadores e reforço das capacidades de engenharia. Quanto à força laboral, a Mutares “dá-nos conforto e serenidade que poderá ser preservada”, mas não haverá um compromisso. A Mutares vai trazer especialistas para a recuperação da empresa, garantiu Costa Silva. A Efacec tem cerca de 2400 trabalhadores e tem sede na Maia.