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Uma coisa é certa, o próximo presidente do governo espanhol vai ter de entender-se com quem quer e com quem não quer. Os resultados das eleições gerais de domingo deram a vitória ao PP, mas com uma vantagem muito menor do que a prevista pelas sondagens. Assim, mesmo tendo sido o mais votado, e conseguindo 136 deputados em 350, Alberto Núñez Feijóo está muito longe de ter garantida a sua investidura. Há sapos para engolir e é o próprio líder dos populares quem o assume. No rescaldo das eleições, o tom das suas declarações foram menos otimistas do que no final da noite eleitoral e reconheceu que os resultados ficaram aquém do esperado.
“O Governo resultará de um acordo entre partes que podem pensar de forma diferente, mas cujo objetivo comum é o desenvolvimento económico, social e institucional”, disse Feijóo, mantendo a mesma tónica do alerta que fez domingo. Espanha “não pode dar-se ao luxo de ter contra-alianças” ou bloqueios políticos. “Os resultados das urnas dizem-nos que devemos romper os blocos políticos com acordos, com uma maioria para desbloquear o país e ser coerentes com o mandato que saiu das eleições.”
Imune a tudo isto — e à insistência de Feijóo de que quem ganha deve formar governo — parece estar Sánchez, que recomendou aos colegas de governo que descansem e gozem as férias. Não há pressa, acredita o socialista, e no PSOE há mesmo o entendimento de que são os populares quem deve avançar para a investidura em primeiro lugar. A estratégia, ou a esperança, é de que Feijóo não consiga reunir apoios suficientes, deixando aos socialistas via aberta para reeditarem o governo de coligação, que em Espanha foi batizado de Frankenstein.
Mesmo sabendo o que vai na mente do seu principal adversário, Feijóo continua a contar espingardas. “Desde esta manhã que mantenho contactos com diferentes forças políticas para conseguir um governo estável em Espanha nas próximas semanas”, afirmou. Segundo Feijóo, o presidente da UPN, União do Povo Navarro, garantiu-lhe o seu apoio, enquanto que a CCa, Coligação Canária, deixou a porta entreaberta.
Com o PNV “houve um primeiro contacto” com o presidente dos nacionalistas bascos, mas a conversa poderá ser mais complicada. E, claro, Feijóo conversou com Santiago Abascal, líder do Vox, “para ver se ele está disposto a fazer mudanças”.
Feijóo e Sánchez também falaram ao telefone, confirmou o líder dos populares, mas combinaram deixar detalhes para mais tarde, depois de os votos dos emigrantes estarem contados. “Concordámos em conversar.”
Para já, “a responsabilidade do PP é tentar”, disse Feijóo na reunião de direção do partido, segundo a imprensa espanhola. “Vamos fazer tudo que estiver ao nosso alcance, e até mais, para o conseguir. Vale a pena tentar e não vou desistir.” Em cima da mesa, Feijóo vê apenas três cenários: “Quem ganhou as eleições poder governar”, “o bloqueio político” e uma maioria alternativa, que junte os movimentos independentistas. E não está enganado.
Vox não está disponível para se aliar a formações pró-independência
O Vox está em negação. Perdeu 19 deputados, mas mantém-se como a terceira força política mais votada em Espanha, um lugar que disputava com a Sumar de Yolanda Díaz. Apesar dos resultados, começou, desde o início da noite de domingo, a chutar responsabilidades pela queda de 52 para 33 deputados em direção a todos os que estão à sua volta, em particular para o PP.
No rescaldo da noite eleitoral, Ignacio Garriga, secretário-geral do partido de extrema-direita, fez o que Santiago Abascal tinha feito na véspera: apontou o dedo a Feijóo. Ainda assim, a vontade de chegar ao Governo é grande e o Vox está disponível para firmar compromissos com os populares.
Justiça espanhola pede mandado de captura internacional contra Puigdemont
Imposições? Tem algumas. “Não vamos concordar com formações pró-independência porque temos isso nos nossos estatutos. O Partido Popular fez os adversários errados. Agora, devem ser responsáveis e fazer um exercício de reflexão”, afirmou Garriga. “A autocrítica deve ser feita por quem disse não haver alternativa. Se a nossa mensagem não tivesse sido manipulada, não estaríamos agora a falar nestes termos.”
Este será mais um problema para Feijóo resolver.
Coligação Canária negoceia com todos, mas não apoia governos com Sumar ou com Vox
Nem extrema-direita, nem extrema-esquerda. Quem quiser o apoio do único deputado do CCa, Coligação Canária, não poderá passar pastas de Governo nem à Sumar nem ao Vox. Parece simples, mas complica as contas tanto de Feijóo como de Sanchéz. A Coligação Canária quer mais autonomia, mas não exige a independência das ilhas.
Nesta segunda-feira, a deputada Cristina Valido pôs todas as cartas em cima da mesa. A CCa apoiará o candidato que não der a mão à “extrema-direita ou à extrema-esquerda”, estando disponível para negociar quem quiser tentar a investidura.
Depois da reunião do partido em Tenerife, Cristina Valido sublinhou o que foi frisando durante a campanha eleitoral: não governará com Vox, não apoiará governos onde esteja o Vox e o mesmo se aplica com o Podemos. A coligação eleitoral da extrema-esquerda, liderada por Yolanda Díaz, inclui dez forças políticas, entre elas o Podemos.
O que querem os autonómicos? Partido de Puigdemont exige referendo vinculativo
“Mais do que nós, quem tem de mudar é quem quer a Presidência do Governo.” A mensagem dos independentistas, neste caso do Junts, o partido do exilado Carles Puigdemont, não deixa nada ao trabalho da imaginação. Querem a amnistia de todos os que foram acusados depois do referendo na Catalunha de 2017 — 90% dos catalães votaram a favor da independência, no referendo considerado ilegal pelo Governo espanhol então liderado por Mariano Rajoy — e querem, de novo, um referendo pela independência. Desta vez, a decisão terá de ser vinculativa.
Mas as exigências surgem em simultâneo com novos desenvolvimentos no processo judicial em Espanha em que Puigdemont é, precisamente, um dos principais visados. Esta segunda-feira, o antigo líder do Junts, exilado na Bélgica, viu ser emitido um mandado de detenção internacional pela sua relação com o referendo de há seis anos. Além dele, também um seu antigo conselheiro para a saúde, Antoni Comín, foi alvo de um mandado semelhante. E uma eurodeputada do Juntos Pela Catalunha, Clara Ponsatí, foi mesmo detida pelas autoridades espanholas pouco depois de revelar que — também ela fugida à justiça desde outubro de 2017 — tinha regressado a Barcelona.
A reboque destes casos, os líderes do partido insistiram nas exigências para que possam admitir estender a mão ao PSOE. “Se houver amnistia, mas não houver referendo, voltamos à mesma coisa”, disse, nesta segunda-feira, Jordi Turull, secretário-geral do Junts. O seu partido, deixou bem claro, não vai cair na “armadilha emocional” para onde estão a tentar empurrá-lo, por isso, “não se sente obrigado a escolher entre Pedro Sánchez e Alberto Nuñez Feijóo”.
Pelo contrário, estendeu a mão a outros partidos catalães — a ERC e à CUP — dizendo ser “a hora da unidade da independência”. A Candidatura de Unidade Popular (CUP) perdeu os seus dois deputados, mas a Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) ficou com sete, menos seis do que em 2019.
Mais comedida, Teresa Jordà, número dois da ERC, pediu a revisão do financiamento da Catalunha e quer mais autonomia, mas não exigiu um referendo. “Devemos concordar com o Junts sobre um preço aceitável para investir Sánchez.”
Da amnistia a um referendo. As exigências independentistas a Sánchez
Noutra região separatista espanhola, o País Basco, também há exigências a fazer. Para o Euskal Herria Bildu, quaisquer conversações com Feijóo estão fora de questão (e o contrário também é verdade). O coordenador-geral do partido, Arnado Otegi, garantiu que “fará tudo o que for possível” para que Feijóo não esteja à frente do próximo governo espanhol. Em contrapartida, está pronto a facilitar um governo PSOE/Sumar desde que as reivindicações de independência dos bascos (e dos catalães) sejam ouvidas.
Além do PP e do PSOE, o Bildu — partido separatista radical, herdeiro do Batasuna (braço político da ETA) e que teve nas suas listas antigos militantes do grupo armado, sete deles condenados a penas de prisão por assassinato — foi o único partido que cresceu em relação a 2019, conseguindo seis deputados.
Ainda no País Basco, outro partido determinante é o PNV, Partido Nacionalista Basco, com quem os populares e os socialistas tentarão negociar o apoio dos seus cinco deputados. Na última investidura, o PNV facilitou a subida ao poder de Sánchez, mas muitos dos acordos feitos, que passam por questões ligadas à autonomia, ficaram por cumprir. Agora, o PNV não deverá deixar passar a oportunidade de ir mais além.
Com o PP, as negociações são mais complicadas, já que o partido culpa Feijóo de ter branqueado o Vox, partido de extrema-direita, durante a campanha eleitoral.
Sumar no terreno. Junts, ERC, Bildu e PNV estão na mira de Yolanda Díaz
O que Yolanda diz, Yolanda faz. No seu discurso da noite de domingo, a líder da coligação Sumar prometeu começar de imediato a negociar com outros partidos para garantir a investidura de Pedro Sánchez. E assim foi. Esta segunda-feira, segundo fontes do partido citadas pela imprensa espanhola, Yolanda Díaz manteve o ritmo que, durante a campanha eleitoral, imprimiu aos debates em que participou.
A escolha da vice-presidente de Pedro Sánchez recaiu no catalão Jaume Asens, a quem passou a pasta de negociar com os independentistas. O primeiro telefonema de Asens foi para Carles Puigdemont, fundador do Junts per Catalunya, para conseguir garantir a abstenção dos seus seis deputados se Pedro Sánchez tentar uma investidura.
Se Junts foi o primeiro alvo de negociações da Sumar, a seguir virão ERC, Bildu e PNV, todos votos de apoio (ou abstenções) que Díaz e Sánchez não podem negligenciar, se quiserem reeditar o governo de coligação.
Novas eleições? Sánchez põe ideia de parte
Quando foram conhecidas as últimas sondagens, que davam uma vantagem muito maior ao PP do que aquela que veio a revelar-se no domingo de eleições, era difícil imaginar um cenário como o desta segunda-feira. Na reunião do executivo de Pedro Sánchez havia caras felizes, abraços e beijos, muito longe do desaire e da tristeza que se previa.
A reunião decorreu à porta fechada, mas várias fontes do PSOE, citadas pela imprensa espanhola, contam que Sánchez não podia estar mais descansado, já que parece acreditar que se manterá à frente do governo espanhol. Aos seus colegas do executivo, pediu para não terem pressa e sugeriu-lhes que descansem e aproveitem o tempo de férias. As negociações, da parte que lhe toca, não são para começar já, mesmo que Yolanda Díaz se ande a multiplicar em contactos.
O líder do PSOE, apesar de já ter falado ao telefone com Feijóo, não tem intenções de conversar a sério com o Partido Popular (nem com mais ninguém), antes das Cortes, a 17 de agosto, dia em que se constituem as câmaras do Congresso e do Senado.
De resto, o que ficou do day after socialista foi uma certa tranquilidade, com Pedro Sánchez a rejeitar a ideia de novas eleições, e a acreditar que Espanha terá um executivo dentro do prazo esperado, a fazer fé na sua frase que atravessou a porta fechada e chegou a todos os jornais: “Esta democracia encontrará a sua fórmula da governabilidade.”