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Aos 41 anos, Nuno Lopes é um dos atores mais consagrados da sua geração
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Aos 41 anos, Nuno Lopes é um dos atores mais consagrados da sua geração

HENRIQUE CASINHAS / OBSERVADOR

Aos 41 anos, Nuno Lopes é um dos atores mais consagrados da sua geração

HENRIQUE CASINHAS / OBSERVADOR

Entre a Netflix, a pandemia e o futuro, estes são os dias de Nuno Lopes: “É altura de apoiar os artistas”

Antes da estreia da primeira série da Netflix em que participa, "White Lines", Nuno Lopes fala da experiência internacional e do que o preocupa. Critica o Governo e conta como vive a quarentena.

Cinco meses e quatro fases de casting bastaram para conseguir um dos papéis principais na nova série de Álex Pina, criador do sucesso “La Casa de Papel”. Do meio ano de gravações recorda um guião aberto — que lhe deu liberdade e versatilidade enquanto ator –  o espírito boémio de Ibiza e a mistura de culturas, etnias e idiomas, tanto no elenco como na equipa técnica. O original da Netflix tem dez episódios, estreia-se no dia 15 de maio e é apelidado pelo ator como “uma verdadeira montanha russa”.

Assim parece ser também o tempo que vivemos. A atual crise pandémica já trouxe ao ator alguns dissabores, como a interrupção da rodagem do novo filme do realizador Marco Martins, em Inglaterra. Nuno Lopes regressou a Portugal quando o país já estava em quarentena e na gaveta parece ter também ficado a gravação de um filme em França, com arranque marcado para junho. “Estou a fazer uma coisa que nunca fiz na vida que é estar em casa a preparar-me para um filme que não sei se vou filmar. É muito estranho.”

Ainda que não consiga prever o futuro, o ator, que é também DJ, sente-se um privilegiado e garante continuar a escolher os seus trabalhos até que as suas poupanças o permitam. Lamenta a falta de apoio à cultura e tem dúvidas de que o Governo esteja a fazer o suficiente nesta fase. “Um Governo que diz apoiar tanto a cultura, se calhar, neste momento, era altura de o provar.”

Os seus dias dividem-se entre o trabalho, que não sabe se será concretizado, a cidade, que vê agora da janela, e as participações nos diretos no Instagram do amigo e humorista Bruno Nogueira, que têm animado os serões de muitos portugueses. Nuno Lopes prometeu a si próprio não falar do assunto, mas revela que se trata apenas de uma conversa entre amigos, sendo também uma forma “terapêutica” de estarem juntos. Nós acreditamos.

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Nuno Lopes e Laura Haddock, a atriz protagonista de "White Lines"

Des Willie

Como é que se vai parar a uma série da Netflix?
Isto começou através do programa “Passaporte”, da Academia Portuguesa de Cinema, onde conheci o meu agente internacional, o Richard Cook. Ele tem um festival em Inglaterra, chamado Subtitle Filme Festival, em que tal como o “Passaporte” junta vários atores e diretores de casting. Claro que lá é um festival maior, reúne cerca 30 a 40 atores, cuja língua original não é o inglês, e na última edição teve uns 100 diretores de casting, ou seja, quase todos os filmes que se fazem têm lá os diretores. Nesse festival também passam filmes nossos e foi lá que conheci as diretoras de casting que fizeram o “White Lines”. Elas viram o “São Jorge”, conheceram o meu trabalho e gostaram. Quando receberam os guiões da série propuseram vários atores e pediram-me para fazer uma self tape. Depois de meses sem ter uma resposta, passei uma segunda fase em que tive uma conversa por Skype com o Álex Pina, o realizador, e algumas pessoas da Netflix, onde me deram algumas indicações relativamente ao que tinha feito. Fiz o casting por Skype e voltei a fazer a self tape. Aí passei a uma quarta fase em que fui a Londres fazer uma filmagem com a atriz principal, a Laura Haddock, uma vez que os nossos personagens iam ter muitas cenas juntos. No fundo, era para perceber se tínhamos química e pelos vistos tivemos porque fui escolhido.

Participar numa série da Netflix era um objetivo?
Eu não tinha, à partida, o objetivo de ser um ator internacional, tinha era a intenção de fazer coisas que gosto muito. Comecei a fazer muito cinema em Portugal e filmar é algo que me atrai imenso, então começou a apetecer-me fazer mais, mas cá é muito complicado. Infelizmente temos pouco apoio para o cinema, fazemos dez filmes por ano apenas. Para um ator ter um percurso em cinema em Portugal é preciso ter a sorte de ter uma personagem num desses dez filmes e de o realizador escolhê-lo entre todos os atores da sua geração para fazer o papel. Se tudo isso der certo, faz um filme por ano, o que não é nada. Depois do “São Jorge”, do prémio em Veneza, de conseguir um agente em Inglaterra e um manager nos Estados Unidos da América e em França, tomei a decisão de deixar de trabalhar basicamente em Portugal, a não ser em projetos de cinema muito específicos, para estar mais disponível caso aparecessem projetos fora. Queria apostar totalmente nesse mercado porque simplesmente quero filmar, não tanto porque quero ter uma carreira internacional.

E apareceu.
Sim e foi ótimo. Ainda por cima um original Netflix que tem um grande alcance. Tenho um dos personagens principais da série, estive seis meses fora a filmar para um projeto do Álex Pina. São só vantagens.

Como foi trabalhar com ele?
Foi muito interessante. Trabalhámos com um guião aberto, que era uma coisa que não estava habituado. Quando começamos a filmar tínhamos cinco episódios e não sabíamos o que se passava a seguir. Ele não está presente nas rodagens, fica longe, dá texto e fica a ver o que recebe das primeiras cenas que gravamos e vai construindo a partir daí o resto da história. De certa maneira, sentes que estás a fazer uma série, mas continuas a fazer um casting, no sentido em que tudo o que fizeres vai ser avaliado e vai ter consequências na própria história. Por exemplo, o facto de teres uma química muito forte com um personagem, significa que se calhar no episódio seguinte serás amigo dele. Isso é muito interessante e eu nunca tinha trabalhado assim numa série. Depois há um desafio cultural gigante para todos, porque o elenco e a equipa técnica era metade inglesa e metade espanhola, o que acabou por trazer muitas coisas cómicas durante a rodagem. Imagina o realizador dizer um termo técnico em inglês para um cameraman, mas que em espanhol significa outra coisa, isso tornava aquilo muito esquizofrénico, mas divertido ao mesmo tempo. Houve um diálogo constante entre várias culturas e idiomas, pois a série tem pessoas da Roménia, da Finlândia e portugueses, como o Paulo Pires ou o Rafael Morais que fazem pequenas participações. Sempre que te debates com outra cultura ou etnia, o facto de te adaptares, e começares a perceber o olhar do outro, é sempre valioso para o crescimento pessoal e para o próprio trabalho.

"Para um ator ter um percurso de cinema em Portugal é preciso ter a sorte de ter uma personagem num desses dez filmes e de o realizador escolhê-lo entre todos os atores da sua geração para fazer o papel. Se tudo isso der certo, faz um filme por ano, o que não é nada."

No seu caso, teve que falar as duas línguas?
A série é 70% falada em inglês e 30% falada em espanhol, o meu personagem fala os dois idiomas, às vezes até na mesma cena. É complicado porque nenhuma das duas é a minha língua mãe, esse foi um dos desafios.

Que personagem é este?
Ainda não vi a série toda, só três episódios, mas a maioria das séries do Álex Pina tem um grupo de protagonistas, ou seja, existe um papel principal, que neste caso é o da Laura Haddock, que interpreta a Zoe Walker, e mais dois ou três protagonistas à volta dela. Eu faço parte desse núcleo. O meu personagem chama-se Boxer, é uma figura icónica de Ibiza, trabalha como chefe de segurança para uma das famílias que tem vários clubes noturnos na ilha. A série conta a história de Zoe, cujo o irmão, Alex, era DJ em Ibiza nos anos 1990 e desapareceu. O corpo dele foi encontrado nas terras dessa família, que passa a ser suspeita pela morte dele. Como já se passaram 20 anos, o crime prescreveu e a polícia não pode continuar a investigação, então ela vai para Ibiza com o objetivo de tentar descobrir o que se passou com o irmão, quem o assassinou. O meu patrão põe-me a fazer o mesmo.

Gravar em Maiorca e em Ibiza não deve ser propriamente chato. Há alguma história engraçada durante a rodagem?
Há milhares. Em geral, a palavra que nós, atores, mais usávamos para descrever a série era: montanha russa. Víamos o guião, olhávamos uns para os outros e dizíamos sempre isso. O que parece ser um drama policial e de investigação não o é. A história tem esse lado, mas depois é uma loucura cómica sobre uma mulher bibliotecária de Manchester que chega à Ibiza das noites loucas, das orgias, dos crimes, das drogas, das discotecas, do sexo e da máfia da noite. Há uma espécie de caleidoscópio louco.

Como assim?
Nos primeiros minutos da série parece que entendemos o seu ritmo e velocidade, mas na verdade é só aquele momento em que vamos na montanha russa a subir para chegar até ao pico. A partir dos 20 ou 30 minutos do primeiro episódio atingimos o pico e a partir daí é sempre a descer, há reviravoltas e curvas de 90 graus. A coisa ganha um ritmo inacreditável e estonteante, as personagens não mudam de episódio a episódio, mas quase de cena a cena. A série pode ser muitas coisas, mas chata não vai ser seguramente.

[trailer da série “White Lines”:]

Em que medida é que fazer uma série para uma gigante como a Netflix é diferente do que já fez?
Os meios, o facto de estares seis meses a preparar uma coisa que tem dez episódios. Uma série com o mesmo número de episódios em Portugal seria feita em dois meses e meio, no máximo. Estar seis meses a gravar muda tudo, deixa de ser só uma série de entretenimento em televisão para ter algum cunho artístico e ser mais cuidada. Apesar de em todos os trabalhos estarmos sempre a correr para conseguirmos filmar tudo antes que o sol se ponha, acho que no momento que estamos a passar esta série pode ser uma espécie de lufada de ar fresco, pois é exatamente o oposto da situação que vivemos. Além de ser uma coisa alegre, explosiva, de verão e de festa, tem também um lado sério. A história refere duas épocas, os anos 1990 e 2020, portanto vemos os mesmos personagens, o que eles eram antes e agora. Há, por isso, uma reflexão sobre o que é envelhecer e sobre o que nós fomos e o que queremos ser. Isso também é interessante.

Que impacto terá esta crise pandémica no seu trabalho?
Na verdade, já teve um impacto gigante porque em pleno início da pandemia estava a rodar com o Marco Martins o novo filme dele em Inglaterra, “Great Yarmouth Provisional Figures”. Em Portugal as pessoas já estavam em quarentena, mas o vírus ainda não tinha chegado lá. Acompanhámos a situação de longe, sempre expectantes e a tentar perceber o que se passava, mas ao mesmo tempo sentimos que estávamos a filmar com alguém a correr atrás de nós. Tivemos mesmo que parar e regressar. Só os trabalhos essenciais é que foram permitidos pelo governo inglês e a cultura infelizmente nunca é essencial. Após meses e meses de trabalho, filmámos um terço do filme e agora não sabemos bem quando o retomamos. Não sabemos, inclusive, se iremos ter orçamento para que isso aconteça, esperemos que a produção consiga dar a volta a esta grande paragem. Além disso, tinha agora em junho um filme para rodar em França, chamado “Azurro”. Não posso dizer se será rodado ou não, mas muito provavelmente não o poderei fazer, porque em junho à partida as fronteiras ainda não estarão abertas. Neste momento estou a fazer uma coisa que nunca fiz na vida que é estar em casa a preparar-me para um filme que não sei se vou filmar. É muito estranho.

Como se gere isso? A falta de expectativa e de certezas?
A única coisa que eu posso fazer é imaginar que ele vai ser feito, mesmo que não seja em junho. A única coisa que eu posso ter é esperança e trabalhar como se fosse mesmo fazer o filme. Não tenho outra hipótese, porque se o filme for para a frente eu tenho de estar preparado. É uma situação estranhíssima. Apesar de estar nesta situação, sou um dos privilegiados porque tenho tido trabalho, tenho filmado, que dá sempre mais dinheiro do que fazer teatro, mas tenho muitos colegas que estão já numa situação muito grave. Um Governo que voltou a criar um ministério da Cultura e mostrou durante a campanha estar tão interessado em voltar a apoiar os artistas, acho que esta era altura certa para se chegar à frente e não tenho a certeza que o está a fazer.

Porquê?
O problema não é só deste Governo, é de todos os governos portugueses dos últimos 20 anos que sempre trataram a cultura como uma coisa precária e menor. A cultura está em crise desde sempre e quando acontece uma coisa destas fica mais visível o quão mau nós estamos. Um Governo que diz apoiar tanto a cultura, se calhar, este é momento de o provar.

"É muito fácil acusar o Governo, mas o desejo de uma vida melhor e o poder de escolher quem nos governa vem sempre da população. Se a população exigisse um governo com mais cultura, tenho a certeza que ele apareceria."

Nos últimos anos, tem tido a sorte ou o privilégio de poder escolher os seus trabalhos. Com esta nova realidade, isso pode estar em causa?
Enquanto tiver as minhas poupanças não, mas no dia em que elas acabarem vou começar a aceitar, pois terei de trabalhar de alguma maneira. Se esta crise continuar durante muito tempo, acho que todo nós teremos um problema. Mas, como já referi, sou um privilegiado, há colegas meus que estão a ter problemas já no fim deste mês. Sobretudo esta decisão de adiar peças e pagar metade agora e outra metade depois, num salário que já era precário significa que eles vão viver com dificuldades agora e depois. Se as coisas não mudarem vai ser muito grave para o meio artístico. A minha única esperança é que este momento horrível que estamos a viver demonstre também à população em geral o quão importante é a cultura, porque as pessoas estão todas em casa e a maior parte delas está efetivamente a consumir cultura. Espero que tenham consciência do importante que a cultura é nas nossas vidas. É muito fácil acusar o Governo, mas o desejo de uma vida melhor e o poder de escolher quem nos governa vem sempre da população. Se a população exigisse um governo com mais cultura, tenho a certeza que ele apareceria.

Como tem vivido esta quarentena? Os diretos no Instagram do Bruno Nogueira são uma espécie de terapia?
Eu prometi a mim próprio que nunca falaria disto numa entrevista. Não queremos fazê-lo porque aquilo é simplesmente uma conversa de amigos que serve para nos distrairmos, para terapeuticamente estarmos uns com os outros, e neste momento serve também como meio de apoiar algumas causas que o Bruno gostaria que fossem apoiadas, como a APAV, a associação Coração Amarelo e agora a CASA – Centro de Apoio ao Sem Abrigo. Tornou-se uma forma de ajudar alguém, mas é uma conversa entre amigos. Nada mais do que isso.

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