Índice

    Índice

[Este é o 3.º de uma série de seis artigos sobre marcas de bebidas não-alcoólicas. Os anteriores podem ser lidos aqui e aqui]

A preparação dos atletas da Grécia Clássica não tinha os requintes que rodeiam os atletas de hoje e a sua dieta era, comparativamente, simples e rústica: pão de cevada, queijo e figos, complementados por quantidades modestas de carne (cabra para os corredores e saltadores, boi para os pugilistas e porco para os lutadores). No que respeita a líquidos, a água fria estava interdita a todos e, claro, ainda faltavam muitos séculos para o aparecimento das “bebidas desportivas” (“sports drinks”), caso contrário Fidípides, o soldado que (reza a lenda) correu de Maratona a Atenas para dar notícia da vitória grega na batalha, talvez tivesse esvaziado várias latas pelo caminho. Fidípides sucumbiu, como é sabido, após o seu heróico esforço, mas, se houvesse então uma marca de “sports drinks” certamente que tentaria aliciar os seus herdeiros para imprimir o nome e o perfil de Fidípides nas suas ânforas.

Como a água não-fervida oferecia, até ao nosso tempo, poucas garantias de salubridade e a água fervida tem sabor desagradável, as opções disponíveis para os atletas eram escassas; no século XIX e no início do século XX, a bebida desportiva mais corrente era a cerveja, que continua hoje a ser a preferida dos atletas de sofá – o incremento das vendas de cerveja por altura dos Campeonatos de Europa e do Mundo de futebol é um fenómeno bem documentado.

Hoje, o termo “bebida desportiva” (“sports drink”) é usado, por vezes, como sinónimo de “bebida isotónica” (ainda que nem todas o sejam, algumas são hipertónicas e outras hipotónicas) e “bebida hidratante” (um rotundo pleonasmo) e confunde-se com “bebida energética”, um termo que também é ambíguo e que, no caso das “bebidas energéticas” com perto de zero calorias, pode redundar em contra-senso. A nomenclatura não segue regras definidas nem está associada a parâmetros de composição, mas, geralmente, associa-se “bebida desportiva” a uma bebida que é tomada em contexto desportivo para repor água e sais minerais perdidos durante o exercício físico e melhorar o desempenho desportivo ou acelerar a recuperação após uma prova, enquanto a “bebida energética” costuma ser consumida em contexto recreativo – sobretudo nas pistas de dança e na vida nocturna juvenil – ou no decurso de uma jornada de trabalho particularmente longa e exaustiva. Claro que etas “definições” não impedem os atletas de consumir “bebidas energéticas” nem os couch potatos de consumir “bebidas desportivas”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A forma como a sociedade vê as bebidas energéticas varia muito com o contexto e a região do globo: para os jovens que frequentam as discotecas e os rooftops na berra, são um fluido vital, para o governo da Tchetchénia são uma “droga intoxicante”, “inaceitável numa sociedade muçulmana”.

Lucozade

A pioneira das bebidas desportivas foi a Glucozade, criada em 1927 por William Walker Hunter, um farmacêutico de Newcastle, na Grã-Bretanha. Durante as suas primeiras décadas de existência foi vendida em farmácias e indicada para a recuperação de enfermos, onde o seu sucesso terá sido negligenciável, o que não é de estranhar, já que consistia simplesmente em água, açúcar (glucose) e um vago sabor a laranja. Porém, o fracasso em produzir os efeitos benéficos propagandeados pelo fabricante raramente impediu uma bebida de ser um sucesso de vendas, e a Glucozade tornou-se tão popular que, em 1938, foi adquirida pela companhia farmacêutica Beecham’s, que lhe removeu o “G” inicial e não lhe acrescentou nenhum ingrediente digno de nota.

Anúncio de 1954, numa altura em que a Lucozade ainda era recomendada “por médicos e enfermeiras”

Só em 1983 a Lucozade começou a ser publicitada como “bebida desportiva”, domínio em que parece ser tão pouco eficaz como na recuperação de enfermos, como, aliás, acontece com as restantes bebidas desportivas, o que não impede que em 2018 o seu mercado global ascendesse a 22.400 milhões de dólares (com estimativa de crescimento de 4-5% ao ano até 2027). Se escasseiam estudos que atestem efeitos positivos das bebidas desportivas no desempenho dos atletas, é, por outro lado, provável que promovam a cárie dentária – até 2017, a Lucozade continha 12.4 gramas de açúcar por 100 ml (a Coca-Cola contém 10.8 gramas).

O grupo Beecham foi adquirido pela farmacêutica GlaxoSmithKline, que, por sua vez, em 2013, vendeu a marca Lucozade ao conglomerado japonês de bebidas Suntory.

Gatorade

A Gatorade, que é um dos principais fabricantes de bebidas desportivas, detendo 75% do mercado dos EUA, nasceu em 1965, quando o treinador da equipa de futebol americano Florida Gators solicitou à Faculdade de Medicina da Universidade da Florida uma bebida que repusesse os fluidos corporais dos jogadores. A bebida, desenvolvida, entre outros por Robert Cade e Dana Shires, foi baptizada como Gator-Aid, a partir do nome da equipa de futebol. “Gator” é uma versão encurtada de “alligator” = jacaré, ou seja o Alligator mississipiensis, que ocorre nas zonas húmidas do Sudeste dos EUA. Os primeiros exploradores e colonos espanhóis chegados à Florida chamaram-lhe “el lagarto”, palavra que foi assimilada pelo inglês como “alligator”.

O Dr. Robert Cade testa a sua bebida em jogadores de futebol americano, 1968

Quando, em 1969, Cade assinou contrato com a Stokely-Van Camp, uma empresa do ramo alimentar, para produzir e distribuir a sua bebida, o nome foi alterado para Gatorade, por receio de que o uso comercial do termo “aid” só seria possível mediante a comprovação científica dos seus benefícios para a saúde – benefícios que o próprio Cade encarava como duvidosos ou negligenciáveis. As alterações que a Gatorade foi sofrendo ao longo dos anos prenderam-se menos com a introdução de ingredientes passíveis de melhorar a reposição dos fluidos e do nível energético dos atletas do que com a aceitação dos sabores pelos consumidores.

Entretanto, em 1983, a Gatorade tinha-se tornado suficientemente apetecível para que fosse adquirida pelo grupo Quaker Oats. A expansão do leque de sabores levado a cabo nos anos 90 impulsionou as vendas e a PepsiCo., que pretendia impor-se no ramo das bebidas desportivas, deitou olho à Gatorade e acabou por concluir que a forma mais expedita de ficar com ela seria comprar todo o grupo Quaker Oats – o que ocorreu em 2001 e envolveu 13.900 milhões de dólares.

Red Bull

Antes dos touros vermelhos, houve os patos. É verdade, a famosa energy drink que se tornou no combustível essencial para o lifestyle hedonista da juventude ocidental (e ocidentalizada) e é vendida em 117 países tem origem remota numa humilde família de imigrantes chineses que vivia da criação de patos e da venda de fruta em Phichit, no centro da Tailândia. O longo caminho da lama e dos excrementos de pato da Tailândia rural até às pistas de dança dos clubs de Berlim e Londres começou quando o adolescente Chaleo Yoovidhya (1923-2012) deixou Phikit para ser aprendiz na farmácia do irmão mais velho, em Bangkok. Yoovidhya trabalhou também como delegado de propaganda farmacêutica e, após ganhar, nestes ofícios, conhecimentos de farmacologia e marketing, abriu, no início da década de 1960, uma empresa de fabrico de antibióticos, a TC Pharmaceutical.

Alguns anos mais tarde, apercebeu-se de que existia na Tailândia um nicho de mercado para bebidas energéticas (conceito ainda incipiente, à data), cujas vendas eram completamente dominado pela Lipovitan D, uma marca originária do Japão, onde fora lançada em 1962 pela Taisho Pharmaceutical e que ganhara apreço entre os “sararīman” (trabalhadores japoneses de colarinho-branco inteiramente devotados às suas empresas) como forma de lhes permitir aguentar as intermináveis jornadas de trabalho típicas das grandes empresas urbanas nipónicas.

Lipovitan, uma precursora das bebidas energéticas

Yoovidhya decidiu criar um produto similar à Lipovitan e manteve a garrafa de vidro castanho (típica dos medicamentos) e os ingredientes principais desta: a cafeína e a taurina (ácido 2-aminetanosulfónico), um composto vital para o bom funcionamento cardiovascular (mas que não é obtido a partir do sémen de touro, ao contrário do que por vezes se crê – o seu nome resulta de ter sido extraído, pela primeira vez, em 1927, da bílis de boi).

Todavia, o público-alvo de Yoovidhya era bem diverso do da Lipovitan: enquanto na Japão esta era consumida pelos sararīman e na Tailândia pela elite de Bangkok, Yoovidhya, que sabia por experiência própria o que era trabalhar arduamente, dormir pouco e comer mal, pretendia chegar às massas nas base da pirâmide social, que, nos campos agrícolas e nas fábricas, bem como ao volante de táxis e camiões, labutavam até ao limite das suas forças. Com este perfil de consumidor em mente, decidiu afastar-se do “sabor a medicamento” da Lipovitan e criou uma bebida açucarada, que lançou em 1976, na Tailândia, como Krating Daeng.

Primeiro anúncio à Krating Daeng, Tailândia, 1976

Krating Daeng significa “gaur vermelho”, sendo o gaur (Bos gaurus) um bovino originário do Sudeste asiático; é o membro do género bovino com físico mais imponente e a sua tonelada a tonelada e meia de peso faz dele um dos maiores animais terrestres. São dois gaurs vermelhos que se enfrentam, com um sol amarelo em fundo, no logótipo da Krating Daeng – e no da Red Bull.

[Gaur]

A Krating Daeng impôs-se rapidamente no mercado tailandês, em boa parte graças a uma astuta campanha de marketing delineada por Yoovidhya e que associou a bebida ao popular desporto marcial tailandês muay thai, e bastaram-lhe dois anos para ultrapassar em vendas a Lipovitan no mercado tailandês. Aproveitando o vento favorável proporcionado pelo boom da economia tailandesa na década de 1970, a Krating Daeng foi adoptada como “bebida nacional tailandesa” e alastrou para Singapura e Hong Kong.

Em 1982, deu-se um passo decisivo na internacionalização da bebida: Dietrich Mateschitz (n.1944), um técnico de marketing austríaco ao serviço da pasta dentífrica Blendax, visitou Bangkok, descobriu a Krating Daeng e propôs a Yoovidhya lançar o produto na Europa. Mateschitz teve de vencer a relutância inicial de Yoovidhya e os desanimadores resultados das prospecções de mercado na Europa: não existia tradição de bebidas energéticas (o mais próximo eram sports drinks como a Lucozade) e as primeiras reacções ao sabor da nova bebida foram de “repugnante” a “pegajosa”. Após a criação, em 1984, da Red Bull GmbH, detida em partes iguais por Mateschitz e Yoovidhya, o austríaco gastou três anos em estudos de mercado e experiências, que levaram a modificações na fórmula original (o açúcar foi reduzido e foi introduzida a gaseificação), a fim de a tornar mais familiar aos palatos europeus, e em 1987, lançou a Red Bull na Áustria.

O primeiro anúncio à Red Bull

O público-alvo eleito por Mateschitz era bem diverso do da Tailândia: adolescentes e jovens adultos, do sexo masculino, de classe média e alta, praticantes ou entusiastas de desportos radicais. Portanto, associou a publicidade à Red Bull a esse tipo de desportos (patrocinando eventos e equipas de mountain bike, snowboarding, skate, motocross, rallyes, acrobacias e competições aéreas), substituiu a garrafa de vidro castanho da Krating Daeng por uma esbelta lata de alumínio e, trocou, no nome, os gaurs, desconhecidos fora do Sudeste Asiático, por touros (embora o logótipo tenha preservado os gaurs). E, com efeito, a Red Bull chegou a este público, mas também provou ser o ingrediente necessário para conseguir dançar até de madrugada, pelo que foi recebida de braços abertos pela “club culture” europeia (e, depois, mundial). No primeiro ano de actividade, a Red Bull vendeu um milhão de latas na Áustria; dez anos depois, quando se expandiu ao mercado dos EUA, a Red Bull já estava a vender na Europa um milhão de latas por dia e Mateschitz tornara-se no 3.º homem mais rico da Áustria e Yoovidhya no 3.º homem mais rico da Tailândia.

No meio do investimento maciço em publicidade numa vasta gama de desportos (é proprietária de 15 clubes profissionais numa dezena de modalidades), os maiores esforços da Red Bull estão no futebol (com cinco clubes, nomeadamente o Red Bull Leipzig, o Red Bull Salzburg e os New York Bulls) e no mais estridente dos espectáculos desportivos, a Fórmula 1. Nesta modalidade, a marca, após ter patrocinado diversas equipas e pilotos, optou por tornar-se propietária de duas equipas, a austríaca Red Bull Racing (desde 2004) e a italiana Scuderia Toro Rosso (desde 2006), que absorvem 1/3 de todo o orçamento publicitário da Red Bull GmbH, que, por sua vez, representa 1/3 das receitas da empresa. Em 2020, a Toro Rosso foi rebaptizada como Scuderia Alpha Tauri, a fim de publicitar uma marca de roupa do conglomerado Red Bull, que foi lançada em 2018 e cujo nome provém de uma estrela na constelação do Touro.

Sebastian Vettel e Mark Webber no Grande Prémio da Malásia de 2013: A Red Bull Racing venceu quatro títulos de construtores (e outros tantos de pilotos) entre 2010 e 2013 e terminou o campeonato de construtores sempre entre o 2.º e o 4.º lugar entre 2014 e 2020; em 2021, continua a disputar os lugares cimeiros

Estas despesas extravagantes são possíveis (e financeiramente justificadas) pelo facto de, em 2019, a marca ter vendido 7.500 milhões de latas em todo o mundo e por a poderosa máquina publicitária montada pela Red Bull ser capaz de persuadir os consumidores a pagar 3.59 dólares por uma lata que custa 0.09 dólares ao produtor e 1.87 ao retalhista (preços para o mercado dos EUA, em 2019). Na verdade, uma vez que há muito que a Red Bull GmbH sub-contrata integralmente a produção da bebida, a empresa pode ser vista, basicamente, como uma mega-agência de marketing e de produção de eventos.

Monster

A Red Bull pode orgulhar-se de ter criado, praticamente do zero,  um mercado gigantesco e que continua a ter perspectivas de forte crescimento: em 2020, as vendas globais de bebidas energéticas foram de 57.000 milhões de dólares, o mesmo que em 2019, em vez dos 61.000 milhões previstos, por a pandemia ter limitado drasticamente o relaxamento after-work, as sunset parties, as rave parties, as all-night dance parties e os after-party chill outs e esvaziado os rooftops, os lounge clubs e outros lugares e eventos cool com nomes em inglês.

Nos primeiros anos, a Red Bull dominou este mercado de forma esmagadora, mas era inevitável que o seu sucesso atraísse competidores: em 2020, a Red Bull continua a ser a marca n.º 1 no mercado mundial de bebidas energéticas, com uma quota de 43%, mas a Monster, que tem tido uma taxa de crescimento muito rápida, já começa a disputar-lhe a primazia e registou uma quota de mercado de 39%; segue-se a grande distância, a Rockstar, com 10%, e, com quotas ainda residuais, a Amp (a bebida energética da Mountain Dew) e a NOS, com 3% cada, e a Full Throttle e a Xyience Xenergy, com 1% cada.

A história da Monster é tudo menos linear: a sua origem está na Hansen’s Fruit & Vegetable Juices, uma empresa criada em 1935 na Califórnia, por Hubert Hansen, e vocacionada para os sumos naturais. Na década de 1970, Tim Hansen, neto do fundador, desenvolveu, paralelamente, uma linha de refrigerantes gaseificados, ainda que continuando a colocar ênfase no “natural” (se se fizer o contorcionismo mental de admitir que há algo de “natural” num refrigerante gaseificado). O sucesso destes refrigerantes levou a que a empresa desse um passo mais longo do que a perna e construísse uma nova fábrica que foi incapaz de pagar, levando-a à falência, em 1988. Quem pegou nela foi a California CoPackers Corporation, que a rebaptizou como Hansen Natural Company e a vendeu em 1992 a um investidor chamado Rodney Sacks (que continua hoje a ser o seu proprietário e CEO).

A Hansen’s Natural registou algum crescimento, mas continuou a ser uma empresa de dimensão relativamente modesta e não muito inovadora, até que em 1996, alguém na administração, sabendo do sucesso da Red Bull na Europa, propôs lançar um produto similar nos EUA. A Hansen’s Energy surgiu em 1997, o mesmo ano em que a Red Bull entrou nos EUA, e contribuiu fortemente para o crescimento das receitas da Hansen’s nos quatro anos seguintes. Mas a verdadeira revolução deu-se em 2002, quando a empresa lançou outro produto no segmento das bebidas energéticas: a Monster Energy.

Anúncio à Monster Energy

A única novidade relevante que esta trazia era a capacidade da embalagem e a relação preço/quantidade: a lata de Monster Energy custava o mesmo que uma lata de Red Bull, mas tinha o dobro da capacidade – o que tem um apelo irresistível na terra do Big Mac e do formato XXL e onde os 2 litros são, há muito, o volume-padrão das garrafas de refrigerante (por cá, a mentalidade farta-brutos também ganha terreno e a tradicional garrafa de bebida de 1 litro já ganhou a companhia de formatos mais dilatados).

O patrocínio de competições automóveis nos EUA e da equipa de MotoGP da Yamaha e a proliferação de ginásios e fitness centres também ajudaram a impulsionar a Monster Energy. Nem o facto de, em 2014, uma “activista cristã” ter denunciado, num vídeo do YouTube (com 14 milhões de visualizações) que a Monster Energy é uma bebida satânica, uma vez que no “m” estilizado que lhe serve de logótipo (uma marca de garras, na linha estética do nu-metal e do rap) cada traço vertical representa “6” na numeração hebraica e um dos slogans publicitários é “Liberta a Besta!”, travou o crescimento continuado das vendas, que, em 2020, superaram as da Red Bull no mercado americano.

Outras bebidas energéticas

Em 2012, face ao sucesso estrondoso da sua bebida energética, a Hansen’s Natural mudou o nome para Monster Beverage Corporation e em 2015 erradicou os derradeiros vestígios da sua aura “natural”, ao fazer um acordo com a Coca-Cola, em que esta ficou com as marcas remanescentes de sumos e refrigerantes da Monster Beverage e esta ficaria com as marcas em que a Coca-Cola investira para tentar disputar (sem grande sucesso) o campeonato das bebidas energéticas: a Full Throttle, a NOS e a Burn.

As duas primeiras, além de partilharem a taurina, cafeína e vitaminas do complexo B que são correntes nas bebidas energéticas, têm nome e imagem vinculados ao mundo da competição automóvel: a Full Throttle, lançada pela Coca-Cola em 2004, tem um nome que significa “pedal a fundo” ou “a todo o gás” e patrocinou as provas da National Hot Rod Association (corridas de dragsters) durante vários anos. A NOS, lançada em 2005 pela Fuze Beverage e comprada em 2007 pela Coca-Cola, foi buscar o nome a “Nitrous Oxide System”, um sistema de injecção de óxido nitroso destinado a aumentar o rendimento do motor em automóveis de competição, e a marca tem patrocinado equipas que disputam campeonatos de automobilismo nos EUA. É uma atmosfera de borracha queimada e gases de escape, que não poderia estar mais distante dos aromas florais e chilreios dos pomares “biológicos” a que outras bebidas procuram colar-se… Para já, o mercado das bebidas energéticas não parece recear a anunciada “descarbonização” da economia nem a previsível cessação. a médio prazo, da produção de automóveis com motores de combustão interna – e certamente que, se esse tempo chegar, já os marqueteiros lhes terão reformulado a imagem.

Uma das equipas de automobilismo patrocinadas pela NOS Energy Drink nos EUA

A Burn, que tinha sido lançada em 2001 e tem uma imagem mais associada à club culture e às pistas de dança, acabou por, ao contrário do previsto inicialmente no acordo com a Monster, ficar na órbita da Coca-Cola Company, que parece ser incapaz de decidir-se sobre a atitude a tomar em relação às bebidas energéticas, já que, em 2019, reforçou a aposta neste segmento, com a Coca-Cola Energy, que tem a particularidade de não incluir taurina entre os ingredientes.

A arqui-rival da Coca-Cola, a Pepsi, dá sinais de que entende que o sector das de bebidas energéticas continua com margem para crescimento, pois em 2020 adquiriu a Rockstar, a 3.ª maior marca mundial no ramo, que é publicitada como “cientificamente formulada para acelerar a recuperação de quem tem estilos de vida activos e extenuantes – de atletas a rockstars” (e qual é o miúdo que não sonha ser uma estrela do desporto ou do rock sem talento, trabalho ou sacrifício pessoal, acedendo ao Olimpo apenas por esvaziar meia dúzia de latas de bebida?).

Anúncio à Rockstar Energy Drink

Embora exista um relevante segmento de mercado, geralmente feminino e de classe média-alta e alta, receptivo a (e até obcecado com) produtos “bio”, “diet”, “orgânicos” “equilibrados”, “naturais” e “saudáveis”, o grande negócio no ramo das bebidas continua a ser, como há um século, vender água com açúcar a miúdos facilmente sugestionáveis e com uma necessidade desesperada de afirmação.