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José Fernandes/SIC

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Entre o pacto de não agressão e o pragmatismo. O dilema de Cotrim

Uma vitória de Bugalho e um bom resultado de Cotrim nas urnas permitiria, em teoria, pleno: moderar ânsia de Pedro Nuno e evitar crise. Mas há muito eleitorado em jogo e pouco espaço para complacência

Um clássico é um clássico. A Iniciativa Liberal voltou a trazer para a campanha o “Autocarro Liberal” — um modelo tipicamente londrino, dois pisos, hits brasileiros nas colunas, DJ em cima, cerveja (portuguesa e alemã) no piso de baixo –, estacionou-o junto ao Jardim da Cordoaria, no Porto, e lançou João Cotrim Figueiredo à caça do voto do eleitorado mais jovem. Entre selfies, abraços e beijinhos, no barulho das luzes, todos os gatos foram pardos — o que significa que todos, ou quase todos, mostraram simpatia para com a Iniciativa Liberal — mesmo aqueles que não faziam ideia do que estava a acontecer e estavam mais fascinados com a música e a cerveja de borla. Mas isso pode não chegar para ter um bom resultado a 9 de junho.

Acontece que, nestas eleições, muito do sucesso do partido passará por conseguir recuperar parte do eleitorado jovem que, votando à direita, escapou para a Aliança Democrática de Luís Montenegro nas últimas eleições legislativas. Resta saber se Cotrim conseguirá ou não neutralizar Sebastião Bugalho. Nas últimas legislativas, Rui Rocha não o conseguiu fazer, mas o incentivo ao voto útil era muito maior. Desta vez, todavia, a abstenção é assumidamente a adversária mais temida. Ganha quem conseguir mobilizar mais aqueles que já são fiéis. No caso da IL, esses fiéis são sobretudo os mais jovens.

Posto isto, faria sentido evitar que Bugalho insuflasse a AD à custa da IL. Os dois partidos disputam parte do mesmo eleitorado e Cotrim poderia ter a tentação de forçar as divergências entre ambos. Até ver, o liberal tem poupado em grande medida o candidato da Aliança Democrática e focado as suas atenções no Chega e no Bloco de Esquerda. Em ambos os casos, por razões táticas e simultaneamente pessoais — Catarina irrita-se com Cotrim, que se irrita com Catarina e quer irritar Ventura. A AD, apesar de umas poucas menções, tem passado ao lado da campanha da IL.

Os dois, aliás, têm mantido uma dialética própria. Sebastião Bugalho ignora Cotrim Figueiredo, Cotrim Figueiredo poupa Sebastião Bugalho. À exceção do duelo entre os dois organizado pelo Observador, raras vezes se ouviram ataques entre os dois. No primeiro dia oficial de campanha, o liberal ainda ensaiou mais um crítica ao candidato da Aliança Democrática, dizendo ter saudades da irreverência do escolhido de Montenegro. Antes e depois, no entanto, poucas têm sido as críticas ou a vontade de marcar diferenças entre as duas candidaturas — algo que ficou evidente no debate televisivo entre os oito candidatos.

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Ninguém — nem mesmo os elementos da IL — ignora, ainda assim, que o eleitorado jovem que votou à direita nas últimas legislativas desempenhou um papel importante na vitória da Aliança Democrática. (Re)conquistá-lo seria importante para que os liberais tivessem um bom resultado nestas eleições europeias. Logo, em teoria, Cotrim teria muito a ganhar em comprar esse mano-a-mano com Bugalho, para mobilizar eleitores e convencer indecisos.

Ao mesmo tempo, uma eventual derrota da Aliança Democrática nestas europeias poderia ter um efeito perverso para as pretensões da Iniciativa Liberal, porque poderia ser o incentivo de que PS e Chega precisam para provocar nova crise política e lançar o país em novas eleições antecipadas. Ora, umas eleições antecipadas não estão nos planos dos liberais, que anseiam por alguma estabilidade para que possam, em primeiro lugar, evitar qualquer risco de perder expressão eleitoral, e, em segundo lugar, conseguir ganhar paulatinamente alguma influência na governação de Luís Montenegro.

Uma vitória (sobretudo se tangencial) de Sebastião Bugalho e um bom resultado de João Cotrim Figueiredo nas urnas permitiria, em teoria, o pleno: limitar a ilusão de autossuficiência de Montenegro, moderar a ânsia de Pedro Nuno Santos, manter viva a chama da Iniciativa Liberal e, cereja no topo do bolo, restringir os movimentos de Ventura. Talvez por isso, pelo menos para já, Cotrim parece apostado em evitar o confronto aberto com Bugalho, ainda que negue a existência de qualquer pacto de não agressão entre os dois.

“Com o devido respeito, penso que isso é mais uma construção jornalística. É mais ou menos evidente para todos que há uma diferença substancial entre a proposta política da Iniciativa Liberal e a proposta política da AD nestas eleições. A AD está particularmente espartilhada, está muito pouco assertiva e clara naquilo que interessa ao projeto europeu nesta altura. Dou dois exemplos: a defesa tímida da liberdade de expressão ou a forma como simultaneamente se defende a não existência de mais impostos europeus mas a emissão de dívida a nível central, que não pode resultar senão em mais impostos mais à frente. Tudo isso me parece tímido, pouco consistente”, justificou aos jornalistas.

Na altura de vincar as diferenças, Cotrim insistiu no discurso que vem ensaiando desde o início da campanha: “Os portugueses que gostam da Europa, que percebem que a Europa tem desafios grandes e que precisa de reformas, e que gostam de projetos que são competentes e determinados em fazer essas reformas, só têm uma escolha e essa escolha é a Iniciativa Liberal. E isso é diferente em relação ao projeto da AD. Não há dúvidas em relação a isso. Não há pacto de não agressão nenhum”.

Mais a mais, o cabeça de lista da Iniciativa Liberal voltou a apontar baterias a André Ventura e ao Chega, assumindo parte da estratégia da IL para estas eleições europeias: que sejam um primeiro sinal de travagem do Chega. “Gostava que esta fosse uma eleição em que fosse possível baixar a crista aos galifões que se enchem de ar quente quando há determinadas evoluções na sua representação eleitoral ou nas suas sondagens. E estou referir-me ao Chega. Gostaria particularmente que isso acontecesse”, sublinhou o liberal.

Cotrim cola investigações no Parlamento Europeu à extrema-direita e atira a Ventura

De resto, durante a manhã de quarta-feira, João Cotrim Figueiredo aproveitou uma ação de campanha num stand de automóveis em Gondomar para tentar marcar agenda com o histórico do Estado português em matéria de cobrança de ISV. Mas acabaria por dedicar largos minutos a comentar as buscas que decorreram no Parlamento Europeu por suspeitas de interferência russas, assumindo temer que não se trate apenas um caso isolado, mas parte de um plano maior para interferir em “eleições democráticas ou nos processos democráticos dos vários países”.

O cabeça de lista da Iniciativa Liberal não deixou de recordar que há vários partidos europeus que, no passado, se deixaram capturar “por interesses russos”, nomeadamente “na extrema-direita do Parlamento Europeu” e lamentou a inoperância das instituições europeias. “Preocupa-nos muito esta aparente placidez com que a Europa se achou achou até a invasão russa da Ucrânia mais ou menos imune a este tipo de ameaças e a este tipo de crises. É muito importante que os europeus tenham consciência que o seu modo de vida e os seus valores estão a ser atacados, às vezes por formas nada visíveis e nada evidentes”, afirmou Cotrim Figueiredo.

À boleia dessa investigação, o liberal desafiou ainda os eleitores a penalizarem “aqueles que estão ao serviço dos interesses russos, quer à extrema-direita, quer à extrema-esquerda do Parlamento Europeu”, deixando uma garantia: “Os portugueses que estejam descansados: em Portugal, há quem esteja atento a este fenómeno. Há quem esteja a combater sem tréguas e quem não seja influenciável por financiamentos, pressões ou interesses estrangeiros.”

Desafiado a concretizar a acusação, João Cotrim Figueiredo não nomeou ninguém, mas apontou baterias implicitamente ao Chega, que vai integrar uma família europeia com partidos que têm ou tiveram cumplicidades com Moscovo. “Refiro-me a partidos que se vão filiar em grupos parlamentares europeus, que têm outros partidos que são assumidamente defensores das posições de Vladimir Putin e que já tiveram ligações”, limitou-se a dizer Cotrim.

"Gostava que esta fosse uma eleição em que fosse possível baixar a crista aos galifões que se enchem de ar quente quando há determinadas evoluções na sua representação eleitoral ou nas suas sondagens. E estou referir-me ao Chega. Gostaria particularmente que isso acontecesse"

“Não gosto da espécie de impunidade de que o Bloco de Esquerda goza”

Ainda na ação de campanha da Iniciativa Liberal em Gondomar, Cotrim Figueiredo foi confrontado com bate-boca crescente entre bloquistas e liberais e se essa particular acrimónia não seria um sinal de que os dois partidos, atendendo à aparente proximidade nas sondagens, não estariam a disputar um lugar no Parlamento Europeu.

O liberal recusou essa tese, mas, na ressaca do debate entre os oito candidatos, o liberal reiterou ainda todas as críticas que fizer ao Bloco de Esquerda e a Catarina Martins. “Tem uma posição euro-sonsa. Por exemplo: no programa eleitoral das legislativas de 2022, ainda estava a saída da Nato; agora pretende dar apoio militar à Ucrânia. Se não for no contexto de uma aliança militar como a NATO é como? Cada país por si só?”, provocou o liberal.

“Há demasiadas incoerências programáticas. Não gosto que na política impere uma espécie de impunidade de que o Bloco de Esquerda às vezes goza por parecer muito moderno, quando, no fundo, usa uma forma enganadora de fazer política que acho que não devia ter lugar na sociedade democrática portuguesa.”

Horas mais tarde, à noite, João Cotrim Figueiredo seria novamente confrontado com as críticas de Catarina Martins e com a ligação que a bloquista fez entre os vistos gold atribuídos a cidadãos russos e o período em que o liberal foi presidente do Turismo de Portugal — acusação que leva quatro anos e que já motivou, noutras eleições, uma troca acesa de argumentos entre a IL e os partidos mais à esquerda. Cotrim não se desviou um milímetro da sua versão e voltou a atirar a acusar a bloquista de mentir. “Quem insiste em requentar uma história que já foi demonstradamente desmentida é porque já não tem mais argumentos. Ou faz da mentira uma prática política”, rematou.

LUSA

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