Índice
Índice
Quando Fernando Medina chegou aos estúdios da Rádio Observador esta segunda-feira à tarde, tinha já apresentado o plano da Zona de Emissões Reduzidas para a Baixa/Chiado e Avenida da Liberdade. Um projeto muito discutido que o presidente da Câmara Municipal de Lisboa defende com unhas e dentes, apesar das críticas. “Ganham todos”, diz. A cidade nos indicadores de poluição, bem-estar e qualidade de vida. E os automobilistas, que terão menos trânsito. Medina garante que não vai “vedar” uma parte da cidade, nem “reduzir os direitos de mobilidade de ninguém”, mas admite que o projeto pode sofrer alterações.
Os planos para a rede de transportes são, aliás, parte importante da longa conversa que foi gravada antes do Parlamento ter aprovado a suspensão da linha circular do metro de Lisboa (Medina reagiria mais tarde dizendo que a decisão é um “atentado gravíssimo aos interesses de todos os que vivem, trabalham e visitam” a capital). Assume querer ficar com gestão do metro e também dos barcos e dos comboios suburbanos. E está já a negociá-la com o Governo e com o ministro que é o seu rival político.
Mas é quando se fala de Pedro Nuno Santos que o ambiente arrefece alguns graus. Medina diz não saber se as críticas do ministro à distribuição de prémios na TAP o visavam a si próprio (por causa da mulher). E, numa aparente indireta ao hipotético adversário, diz isto sobre a disputa futura pela liderança do PS: “Não sonho com isso”.
[Veja aqui na íntegra a entrevista emitida no programa “Sob Escuta”:]
“Não vamos reduzir direitos de mobilidade a ninguém”
Na semana passada anunciou a Zona de Emissões Reduzidas Avenida/Baixa-Chiado. Normalmente estes planos vêm sempre acompanhados com a crítica a uma rede de transportes públicos insuficientes. Consegue hoje sair de casa, pôr os filhos na escola, ir para o trabalho, sair para uma reunião, voltar, almoçar, regressar ao trabalho, voltar a casa no fim do dia, sempre de transportes públicos?
A minha vida, enquanto Presidente da Câmara, não tem exatamente essa rotina e organização. Durante o dia saio muitas vezes para múltiplos sítios diferentes, muitas vezes incertamente, mas sou um utilizador dos transportes públicos. Gosto, em particular ao fim-de-semana, são eficazes e funcionam nos trajetos que eu faço.
Ao fim-de-semana não conta, porque a procura é menor….
Mesmo quando trabalho ao fim-de-semana, também uso. Mas o que estamos a construir aqui não é um discurso moral sobre quem precisa de utilizar automóvel. Há pessoas que precisam de o fazer, e têm o direito de fazer essa utilização. A questão é que temos que criar melhores transportes públicos, meios complementares de mobilidade para que mais pessoas tenham mais escolhas. E quantas mais pessoas conseguirem migrar do transporte individual para o transporte coletivo e para o transporte em meio suave, todos ganharão. Ganhará a cidade nos indicadores gerais de poluição, bem-estar e qualidade de vida. Ganharão também os que têm automóvel e precisam mesmo de utilizá-lo porque têm menos congestionamento.
Como responde às críticas daqueles que dizem que esse caminho está a ser imposto, ao proibir-se a circulação em determinadas zonas antes sequer de se garantir que há uma rede completamente funcional e para todas as necessidades de um previsível aumento da procura dos transportes públicos?
Conheço bem as várias dificuldades no sistema de transportes públicos da cidade. Estão a ser reduzidas, mas ainda são reais em muitas zonas da cidade. Mas não são reais na Baixa. Esta zona de que estamos a falar, é de longe a zona do país que está melhor servida de transportes públicos. Duas linhas de comboio, linha de metro, barcos, 15 carreiras da Carris e ainda temos previsto reforçarmos as carreiras nas áreas com mais necessidade, nomeadamente o período noturno. E vamos criar uma nova linha de transporte público, um shuttle elétrico dedicado a servir a Baixa, que vai fazer o percurso em contínuo entre o Marquês de Pombal e o Terreiro do Paço, entre os parques de estacionamento que disponíveis e as zonas de destino das pessoas.
Há parques suficientes?
A maioria dos parques de estacionamento subterrâneos da cidade de Lisboa estão sempre com capacidade disponível e vários deles têm pisos encerrados há vários anos por falta de procura. O do Marquês do Pombal é um exemplo claro disso. O do Martim Moniz a mesma coisa. Estamos a falar de zonas em que há essa capacidade enterrada.
O que vai acontecer aos parque de estacionamento que existem em algumas das zonas ZER? Não vai encerrar nenhum?
Não vamos encerrar nenhum, pelo contrário. Alguns vão encher. Para que esta zona funcione é preciso termos os transportes públicos adequados e o desenho seja compatível com esta organização. E é preciso que nas imediações haja capacidade para as pessoas deixarem os seus veículos e poderem chegar a esta zona.
Portanto, esse não é um problema.
Quando avançamos para a ZER avançamos por motivos de natureza ambiental, de poluição, de congestionamento, de melhoria da qualidade de vida. No fundo, uma filosofia de humanização da cidade e devolução da cidade às pessoas. Mas estamos a avançar porque temos a convicção de que o serviço de transporte público aguenta essa mudança. Não se reduzem os direitos de mobilidade de ninguém.
E não se está a começar ao contrário? Há áreas da cidade que não têm transportes suficientes para as pessoas terem essa mobilidade preferencial. E cada vez há mais pessoas a viver nas zonas onde não há tanta oferta de transporte, até porque viver no centro da cidade é impossível. Não se está a criar um ambiente explosivo?
Não. Volto a reafirmar que esta zona da Baixa é muito bem servida de transportes públicos. Mas se me perguntarem se da Ajuda para o Hospital de Santa Maria estamos adequadamente servidos dentro de todos os horários, não estaremos ainda. Mas estamos a trabalhar para estar.
Como é que uma pessoa da Ajuda vai até à Baixa?
Tem vários meios à sua disposição. Se morar na parte mais baixa da Ajuda tem um eléctrico 15 que pode chegar com rapidez à Baixa.
Medina admite que planos para a Baixa podem sofrer alterações
A oposição camarária tem-se queixado de que soube destes planos pela comunicação social. Um plano desta dimensão não deve ser conversado antes de ser anunciado publicamente?
E vai ser. Agora apresentámos a nossa proposta e ao longo do mês de fevereiro e março vamos discutir com todos. Com as juntas de freguesia, moradores, comerciantes, setor de hotelaria, setor do táxi e todos os setores intervenientes, vamos preparar bem esta decisão e ver o que é preciso adaptar relativamente à nossa proposta. E ver quais são as preocupações e se podem ser atendíveis. Depois sim, haverá uma apresentação formal.
Como vai ser controlada a lista de visitas aos moradores (têm direito a dez por mês)? Por quem é que vai ser controlada? Há um órgão que vai controlar a lista de visitas aos moradores que vivem nesse perímetro? Como é que isso vai ser gerido?
Há um aspeto importante no desenho desta zona ZER que é o facto de ter moradores e nós querermos ter mais moradores. É uma zona que tem vida e nós queremos que tenha mais, do ponto de vista do comércio, da restauração, das atrações e dos vários equipamentos culturais. Isto afastou-nos de um modelo que era avançar para a pedonalização integral das zonas, opção que nunca esteve em cima da mesa. Esta zona tem de ter condições para ter mais vida. Por isso é que introduzimos a figura dos cuidadores, para pessoas de determinada idade que precisam de acompanhamento por parte dos seus familiares. Os cuidadores terão irrestrito à zona. E os moradores terão a faculdade de estacionar à superfície, o que para nós é intocável.
E o controlo das visitas?
Convém dizer que não está proibido o acesso das pessoas à zona. Grande parte destes pontos não distam mais de 350 ou 400 metros das zonas de parques de estacionamento. Não estamos a vedar uma parte da cidade. A quem queira levar o carro dizemos que há um interesse que deve ser preservado. E por isso dizemos que há uma cota para as pessoas que queiram ter convidados, indicarão as matrículas, através de uma aplicação ou da internet, e essas matrículas serão retiradas da lista das que poderão ser autuadas.
Quando se fala tanto da proteção de dados, parece haver um controlo quase absoluto de quem acede à casa de quem num determinado dia numa determinada hora.
Não é de todo esse objetivo. É um risco que não existe. Este mecanismo é só para evitar que alguém seja autuado na zona. Será tudo feito de forma cega. Podíamos ter dito que não havia acesso a visitantes e que esse acesso era feito por transportes públicos, táxi ou qualquer outro meio. Várias cidades o fizeram. Como já temos a tecnologia que nos permite não ser tão restritivos, decidimos criar uma facilidade. Já os cuidadores têm um estatuto diferente.
“Queremos assumir a gestão do metro, barcos e transportes suburbanos”
Prometeu um aumento da frota em 250 autocarros, sendo que alguns deles não são um reforço, uma vez que alguns veículos precisavam de substituição. Este plano vai exigir que se vá mais além do que essa meta que traçou?
No plano que temos esta solução já estava equacionada. Com a chegada dos veículos, o que temos destinado é a utilização dos veículos elétricos para os shuttles e a renovação da frota da carris nas rotas que vão aqui atravessar. Está a ser preparado o lançamento de um novo concurso, relativamente à aquisição de novos autocarros, com um peso ainda maior dos autocarros elétricos. Está na fase final, de escolha do vencedor, o concurso da aquisição dos 20 elétricos articulados, e que vão complementar a oferta dos 15 já a circular. O primeiro deve chegar já no próximo ano.
A Câmara espera ficar com a concessão ou gestão do metropolitano de Lisboa, uma empresa que tem graves problemas de financiamento, insuficiências de carruagens, tempos de espera superiores ao que acontece em outros países europeus?
Temos interesse em assumir as funções da autoridade da gestão relativamente ao metro, aos barcos e aos transportes ferroviários suburbanos. Estamos a acompanhar a evolução do metro, que hoje está melhor do que há três anos. A recuperação do material que estava parado fez reduzir o número de problemas. A questão é que não se está a resolver um problema estático. As pessoas andam mais de transporte coletivo. O metro está a fazer os investimentos para aumentar significativamente a sua capacidade. A linha estratégica que está a ser seguida parece-nos positiva e vamos discutir com o Governo assumir a gestão.
E em que fase está a negociação?
Estamos em condições de, durante o ano de 2020 e de 2021, fazer este processo. Em primeiro lugar, a nossa prioridade foi para a Carris, está a funcionar melhor do que estava, mas ainda tem dificuldades óbvias. Muitos dos problemas, como os atrasos, devem-se ao congestionamento do trânsito na cidade de Lisboa, já que a Carris partilha as vias com os automóveis. Este projeto ZER vai permitir eliminar o top 5 de atrasos que são responsáveis por perdas de milhares de horas por ano para as pessoas que utilizam aquelas vias. A nossa prioridade foi melhorar e investir na Carris. Anualmente, estamos a investir 35 milhões de euros na Carris. É uma empresa sólida e sem dívidas.
Acha que pode vir a acontecer o mesmo com o metro nos dois próximos anos?
É uma novidade que posso dar: a autoridade metropolitana de transportes despachou favoravelmente o concurso da rede rodoviária integrada na Área Metropolitana de Lisboa. O trabalho que Lisboa fez com os outros municípios foi criarmos uma única rede de autocarros que estivesse ligada com a outra rede. Vai ter uma marca única, Carris Metropolitana, vai ter o aspeto dos autocarros da carris, vai ter novos sistemas de informação.
E o que é que isso vai significar para os utentes da Área Metropolitana?
Duas coisas, primeiro uma rede totalmente redesenhada em função das procuras, vai ter mais 40% de oferta do que tinha atualmente. Pode significar mais autocarros nas mesmas linhas, novas rotas, novos horários. Vai servir todos os municípios da Área Metropolitana com a exceção de Lisboa, que tem a carris, de Cascais e do Barreiro. Mesmo Cascais servirá com as rotas de atravessamento com destino a Lisboa. Isto é da maior importância para todos, para os que residem nesses municípios e é crucial para Lisboa, porque só consigo resolver e reduzir significativamente o trânsito dentro da cidade se conseguirmos que as pessoas que residem fora e que têm de trabalhar em Lisboa consigam chegar de transportes públicos confortáveis, fiáveis, regulares, de qualidade, agora que já resolvemos a questão do preço através do passe navegante.
E essa nova frota quando é que começa a circular?
Se tudo correr bem, que seja em 2021 que esteja a circular.
E a seguir vem a gestão do metro?
Isto foi por ordem, Carris, passe metropolitano, concurso da Área Metropolitana. Agora estaremos em condições de negociar com o Governo estas três dimensões. Admito que até possam ser primeiro os barcos, depois metropolitano e depois transportes suburbanos.
Novo aeroporto. “É urgente que o Montijo avance”.
Em junho de 2020, Lisboa será capital verde da Europa, mas ao mesmo tempo também temos o terminal de cruzeiros que tem sido criticado pela poluição, o aeroporto que vai ter mais movimentos por hora. Como se equilibra isto tudo?
Mais de 60% das emissões poluentes na cidade de Lisboa nos componentes mais críticos advêm do automóvel. Relativamente ao terminal, está a ser trabalhado com a administração do porto de Lisboa a apresentação de um plano que permita cumprir os requisitos da nova diretiva e reduzir significativamente a poluição dos barcos que acostam na cidade de Lisboa.
Reduzir significativamente quer dizer o quê? Em termos de percentagem ou de números?
Não estou em condições de concretizar. O plano está a ser realizado pela APL, que é quem tem a jurisdição sobre o terminal. Houve sempre um bom trabalho em conjunto e há um compromisso até ao final do primeiro trimestre para apresentar os requisitos que vão ser colocados aos navios e aos operadores para baixar os níveis de poluição que aquela infraestrutura coloca. E coloca sobretudo quando os navios estão para acostar e quando estão acostados na cidade de Lisboa.
E o aeroporto?
É talvez das questões mais delicadas que a cidade neste momento enfrenta. Por um lado, o aeroporto cresceu muito, temos cerca de 30 milhões de passageiros por ano. É essencial que se tomem medidas para repor a legalidade integral relativamente à questão dos voos noturnos. É um problema que se agravou muito nos últimos anos, é insustentável na qualidade de vida da cidade. Neste momento em que falamos essa realidade já não está a acontecer devido às obras que estão a acontecer perto da pista principal do aeroporto.
Pelo menos temporariamente está resolvido.
A grande questão é que depois das obras não se volte à situação anterior e não se tenha voos noturnos na cidade. Isso é essencial, tal como é que qualquer cenário de evolução das duas infraestruturas não deteriore a situação de ruído e poluição diurnos face à que existe.
E os acessos ao aeroporto?
O aeroporto foi crescendo, mas se repararem bem tem exatamente a mesma infraestrutura de acesso que tinha há três décadas. A segunda circular é hoje a via de chegada natural ao aeroporto, o que é um absurdo. A segunda circular foi feita para ser uma via circular, hoje é uma avenida de atravessamento no meio da cidade de Lisboa com as dezenas de milhar de pessoas que vivem a norte da segunda circular, estamos a falar algumas das freguesias mais populosas da cidade. É essencial resolver o problema das acessibilidades rodoviárias ao aeroporto, seja pela ligação mais franca da A1 à CRIL, seja também do IC19 à CRIL.
E o novo aeroporto?
É urgente que o Montijo avance, é urgente que se aumente a capacidade aeroportuária noutra infraestrutura, que não o aeroporto Humberto Delgado, para depois adaptar todo o movimento destas duas infraestruturas. A cidade beneficia por ter uma infraestrutura aeroportuária muito perto do seu centro, mas não quando se alargou tanto que os efeitos negativos começam a ser muito pesados. Já para não falar do risco de segurança que se colocam quando temos tanta gente sob os cones de segurança do aeroporto.
Montijo é uma boa opção?
A solução escolhida pelo Estado português é Montijo, então avance-se.
Não é uma solução de remendo?
Não tem de ser uma solução de remendo. Em primeiro lugar é preciso que o Montijo cresça e quando crescer e tiver capacidade, aliviará a Portela. Depois, há um debate que é necessário: o crescimento e expansão deve ser feito por onde? Por acréscimos contínuos na Portela ou se deve ser outra solução de crescimento do Montijo? A minha opinião é que deve ser por crescimento do Montijo.
“Se fosse outra pessoa, não fariam o mesmo”. Críticas a Manuel Salgado são “duras, agressivas e injustas”.
Manuel Salgado deixou o lugar de vereador que ocupava desde 2007, era já um dinossauro na Câmara de Lisboa. Mas permaneceu à frente da Sociedade de Reabilitação Urbana, que no seu mandato se decidiu que passasse a ter competência sobre as grandes obras da cidade, até aí nas mãos do executivo municipal. É a única pessoa com competência para estar à frente da SRU?
É uma pessoa muito competente e por isso eu lhe pedi que ocupasse essa posição. Estou muito satisfeito por ele ter aceitado continuar a prestar serviço à cidade de Lisboa numa idade em que podia perfeitamente ter tomado outra opção que era reformar-se e dizer que não estaria na disposição de ouvir muitas das coisas ouve. Muitas delas são duras, agressivas. São das razões que levam muitas pessoas de bem a afastar-se da vida pública.
Razões de escrutínio público, nomeadamente?
Não tem a ver com o escrutínio publico. A SRU perde competências face ao que tinha no passado. Se quisesse licenciar uma obra na sua casa, fazia-o através da SRU, se fosse preciso expropriar algo para haver uma intervenção da Câmara, era a SRU que o fazia, se fosse preciso fazer obra pública naquela zona, era a SRU que o fazia. A reforma que fizemos foi retirar competências urbanísticas da SRU, não tem nenhuma competência de licenciamento, nenhuma de expropriação e só tem uma competência que é fazer obras, executar obras.
Sem visto prévio do Tribunal de Contas…
Não, tem exatamente o mesmo regime, tem visto prévio do Tribunal de Contas. Esse é que é o equívoco. As sociedades e empresas municipais estão sujeitas exatamente ao mesmo regime a que está sujeita a Câmara por gestão direta.
Porque é que a Câmara tem de ter uma empresa e não o faz de forma direta?
Por uma razão simples: quando cheguei à Câmara, tínhamos uma Direção Municipal de Projetos e Obras que tratava desde a reclamação de um passeio que não tem a calçada arranjada, à reclamação de uma mãe ou pai que dizem que a escola tem um problema e é preciso resolvê-lo, à pretensão de uma comunidade que quer um equipamento novo, à grande obra de repavimentação numa via como a segunda circular ou a grande obra de construção de 500 fogos de habitação pública. Tudo isto, da micro obra à grande obra, estava numa só direção. O que significa que nada funcionava bem. A parte da construção nova, e exclusivamente esta, é que ficou na SRU.
Portanto, acha que as críticas da oposição são injustas.
Não reconheço nenhuma razão à critica que foi feita e acho que foi um mau momento de oposições, porque pessoalizaram a crítica de forma injusta face ao trabalho que essa pessoa tem. Pode ter a certeza de que se outra pessoa tivesse sido, as oposições não se teriam sequer lembrado de fazer metade das críticas que fizeram.
Mas qual é o problema que essa pessoa traz, do seu ponto de vista?
Acho que agregou, são muitos anos na Câmara de Lisboa e muitas vezes a fazer avançar muito um projeto político que avançou também pela sua ação.
A eternização de alguém num cargo público desta natureza não é nociva?
Tenho o pensamento inverso, acho que para a cidade de Lisboa foi muito bom que houvesse a disponibilidade do arquiteto Manuel Salgado para continuar a trabalhar com a cidade, depois de todos estes anos. A experiência que tem, o conhecimento que tem dos problemas e da realidade levam a que seja um excelente presidente para a empresa das obras. Está a fazer um ótimo trabalho.
No orçamento do Estado será aprovada uma proposta, que de resto já criticou, para acabar com os vistos Gold em Lisboa e no Porto. Já fez contas ao impacto que a medida vai trazer para Lisboa?
A critica que tenho é relativamente ao formato que a proposta tem, quando trata das áreas metropolitanas. Dentro da Área Metropolitana de Lisboa há realidades muito distintas: há municípios que têm tido um grande investimento por causa dos vistos Gold e outros que têm investimentos per capita muitíssimo inferiores, vários inferiores à média nacional.
O que é que devia ser feito?
Admito que a opção de facultar a liberdade aos municípios de poderem usar ou não essa prerrogativa fosse uma decisão mais feliz.
Mas concorda para a cidade de Lisboa?
Se fosse só para a cidade de Lisboa não teria tanta reserva. No caso da cidade de Lisboa não é um instrumento, neste momento, essencial do ponto de vista da dinamização da economia da cidade de Lisboa.
Mas vai criar dificuldades a outras cidades?
Eu gostava que a proposta tivesse sido afinada, dando, aliás, a possibilidade aos municípios de poderem optar ou não por ela. Podíamos ter um sistema mais equilibrado e mais benéfico que uma medida que trata as áreas metropolitanas toda por igual.
As críticas do Tribunal de Contas que são “um absurdo” e um “disparate completo”
Por falar em críticas, deixe-me revisitar as que fez sobre as declarações do Tribunal de Contas e o património mobiliário do Fundo da Segurança Social. Os futuros pensionistas — que são os beneficiários da gestão do património que pertencia à Segurança Social — têm ou não razão para ficarem preocupados?
Teriam razão se a crítica que o Tribunal aponta fosse verdadeira, se tivesse havido um delapidar do património da Segurança Social em prol de uma determinada política de habitação.
E não houve? O tribunal fala de uma venda 3,5 milhões abaixo do que seria o preço considerado de mercado.
Só isso deveria ter suscitado qualquer leitor atento ao relatório a perceber que a crítica não fazia nenhum sentido
Porquê?
Nos tempos do primeiro-ministro Cavaco Silva que houve uma má tradição que foi a utilização massiva de dinheiro da Segurança Social para a construção direta de fogos de habitação social, vários dos bairros que ainda hoje são propriedade do Estado na cidade de Lisboa. Esse dinheiro nunca regressou à Segurança Social. Eu sou um defensor claro de que a Segurança Social não deve entrar diretamente no financiamento de habitação.
Não foi apenas o tribunal de Contas que o criticou. Um ex-colega seu de partido, Paulo Pedroso, também o fez.
Por isso é que também reagi mal, considero um momento bastante infeliz as declarações que Paulo Pedroso teve sobre esta matéria. Quis criar uma diferença ideológica relativamente a mim nesta matéria, quando não há nenhuma. O acordo com a Segurança Social não faz rigorosamente nada disso.
Então fez o quê?
O que fez foi ver qual o valor de mercado das casas. E a Câmara Municipal adquiriu as casas a valor de mercado. Querer intuir que, por uma diferença apurada por usar a média das quatro últimas avaliações, em vez de se usar a média das duas avaliações mais caras, há aqui uma operação de desfavor da Segurança Social — quando a câmara compra por 57 milhões e vai fazer obras de quase 30 –, é um disparate completo.
Por isso é que chamou incompetente ao relatório do Tribunal de Contas?
Intuir que há aqui um favorecimento de 3 milhões de euros por se usar um critério técnico de avaliação que a auditora entende não ser o adequado, é absurdo. Assumir que há aqui uma ideia de financiamento… A Câmara de Lisboa tem um orçamento de 1500 milhões. Três milhões é 0,2%. Não dá para fazer um terço de uma escola nova, não dá para construir meia dúzia de casas.
Portanto rejeita que a Câmara tenha sido beneficiada neste negócio?
Claro que rejeito, porque não foi. E é muito ingrato ouvir determinado tipo de coisas que só por terem o selo do Tribunal de Contas. Relatórios que têm aquela fraca qualidade assumem uma grande valorização política. Estamos a tratar de uma operação que foi feita com todo o escrutínio, com todo o rigor, com um enorme empenho. Conheço muito bem as regras da Segurança Social, e nunca o ministro Vieira da Silva permitiria que fosse feito um negócio que não fosse bom para ambas as partes. É bom do ponto de vista da Segurança Social que ganhou dinheiro, tinha estes prédios disponíveis porque tinha comprado outro edifício no qual concentrou todos os serviços por menos do que aquilo que vendeu à Câmara.
O Tribunal chegou a considerar inaceitáveis as tomadas de posição que não respeitam o Tribunal de Contas como órgão de soberania. Não se revê nestas críticas e mantém o que disse.
Não me revejo nessa crítica porque certamente não me é dirigida.
Por acaso parece que era, veio depois das suas declarações.
Houve mais pessoas que se pronunciaram sobre essa matéria. Critiquei de forma muito precisa um relatório, a forma como ele é feito e a forma e o conteúdo que ele lá tem inscrito. O relatório não tem qualidade técnica para poder ser aprovado e tem pronunciamentos de natureza política que não pode ter. Não há nenhuma delapidação do património da Segurança Social. Convém não esquecerem que a Câmara comprou por 57 milhões, ninguém ofereceu os edifícios. Utilizei os recursos da Câmara para fazer essa aquisição numa operação justa, que foi feita de forma criteriosa e rigorosa.
Casas para renda acessível desviadas dos bairros sociais? “São bairros municipais”
Sobre a questão da renda acessível, uma das acusações que lhe são feitas é a de que na oferta de 120 habitações de renda acessível, cerca de 100 foram desviadas de habitação social para esse programa. É verdade?
Não é verdade. Temos um conjunto de património muito vasto. A larga maioria está localizada em bairros municipais. Depois, temos o chamado património disperso, casas que vieram parar à posse da Câmara por compra, por exercício do direito de preferência, por doações. A grande maioria deste património está nos bairros municipais, uns maiores, outros mais pequenos, bairros muito grandes, bairros de muito reduzida dimensão. É este património que vamos afetando às várias necessidades.
Quando fala de bairros municipais não está a falar de bairros sociais?
Estou a falar de bairros que correspondem a casas que são propriedade do município e que o município gere. No global, estamos a falar de cerca de 25 mil casas. Em propriedade municipal, residem hoje na cidade de Lisboa cerca de 70 mil pessoas. Grande parte deste stock de casas resultou das que foram construídas no tempo das presidencias de Jorge Sampaio e João Soares, o famoso programa de eliminação de barracas.
Mas nenhuma dessas casas está agora ao serviço do programa de rendas acessíveis?
Estas casas todas estão ao serviço dos dois programas da Câmara de acesso à habitação. O programa de renda apoiada, que é feito por critérios de necessidade, e também o da renda acessível, em que o critério é feito por sorteio, desde que as pessoas estejam dentro de determinados patamares de rendimento. O parque é uno e é gerido de forma integrada e faz com que possamos ter, em função das circunstâncias, das prioridades e da procura, a possibilidade de direcionar mais para um ou para o outro.
Portanto há casas do renda acessível que estão dentro dessa bolsa geral a que chama de bairros municipais.
Sim. Há pouco tempo tivemos num programa de renda apoiada, casas que pertenciam exclusivamente ao património disperso da Câmara. O programa de oferta de habitação no centro histórico, para as pessoas que estavam a perder as suas habitações fruto das mudanças na lei do arrendamento, foram casas em património disperso que não serviram o programa das classes médias, mas o das rendas apoiadas. O parque é gerido na sua integralidade e de forma conjunta. Há aliás vantagens em não criar guetos de pessoas de um lado e de outro.
Os atrasos nas rendas acessíveis, na Feira Popular, na expansão da FIL. E a burocracia “imensa”
Estamos em 2020, acabou agora o concurso das primeiras 120 casas. Este programa chegou a ser anunciado por si em 2015, com conferência de imprensa em 2016, a explicar como ia funcionar e onde prometeu sete mil fogos de habitação a preço acessível. A que se deve este atraso? Esta meta não foi excessivamente ambiciosa, tendo em conta os números que tem para apresentar?
A razão fundamental do atraso tem a ver com o Tribunal de Contas. O modelo que inventámos para promoção de casas de habitação acessível não teve nada assim de muito original. Fomos inspirar-nos naquilo que o Duarte Pacheco fez nos anos 30 e 40, na urbanização da cidade. A câmara avança com terrenos, os privados avançam com o investimento e depois a fórmula para compensar o investidor privado por praticar rendas mais baixas é ficar com um terço da operação para vender ou arrendar a preços mais altos.
E porque é que atrasou tudo?
Esta, que é a chave do nosso pipeline de projetos, ficou parada a partir do momento em que o Tribunal de Contas disse ‘não’. O primeiro ainda não tem decisão de recurso e já lá vai um ano. Depois disto, lançámos várias frentes: os prédios da Segurança Social, que ao longo deste ano vão começar a entrar nos nossos concursos, está lançado também o concurso para a construção direta na Avenida das Forças Armadas — e também com um processo burocrático muito interessante no nosso país, em que para construir casas naquele eixo foi preciso fazer Avaliação de Impacto Ambiental, que é algo que se percebe com alguma dificuldade…
Há demasiada burocracia?
Nem imagina quanto.
E deve haver agilização desses processos? Alterando legislação na Assembleia da República?
Claro, eu acho que o nível a que se levou numa década e meia em acumulação de procedimentos, para impedir que investimento se fizesse, é de uma dimensão que escapa a qualquer análise razoável.
Tem de se fazer urgentemente?
Na minha opinião sim, era absolutamente crítico que isso se fizesse relativamente a vários nós górdios que estão no sistema. Houve um acumular de processos e procedimentos relativamente a toda a parte de obra pública. Depois há uma dimensão que tem a ver com o ar do tempo. Esta crescente dimensão do populismo, da desconfiança face aos políticos e decisores.
Mas também há uma necessidade de transparência e de maior escrutínio público. Esse é o outro lado.
Se a intenção foi essa, o resultado não foi esse porque uma coisa são as exigências de transparência e escrutínio e regras, outra coisa é o acumular de um conjunto de procedimentos que só tem uma consequência que é atrasar que se façam obras que são absolutamente necessárias. Quando fazemos um concurso público, o critério dominante em Portugal é o do preço mais baixo. Não posso escolher a empresa em função da sua robustez. Há muitos concursos ganhos por empresas que depois param as obras a meio, não as entregam. Só se candidataram para receberem o adiantamento e o usarem para levar para outra obra qualquer e tudo parar. Se quisermos fazer uma pré-avaliação das empresas que podem concorrer com critérios de solidez — e o código permite isso — obriga a que se apresentem os projetos inteiros e acabados. Qual o sentido disto? Nenhum, mas é assim que hoje funciona. E qualquer empresa que fique em segundo lugar num concurso, pode contestar e isso tem efeitos suspensivos no primeiro.
Não há obra enquanto o processo não for fechado.
Claro . E há uma prática generalizadíssima em todo o lado, a contestação é feita muitas vezes na tentativa de se negociar com o primeiro colocado e ter uma parte da obra para realizar. O interesse público, que é neste caso fazer, não está cumprido. Além de não ser feito a horas, os custos que se têm para gerir com esta situação são custos imensos para o erário publico.
Falemos de promessas. Anunciou a nova Feira Popular há vários anos. Uma parte da construção estava prevista para ser inaugurada em 2018 até agora nada aconteceu. Como está o processo?
Está a avançar, vamos abrir o parque verde dentro de alguns meses, vamos lançar o concurso de concessão para a nova Feira Popular.
Quando?
Certamente ainda durante a primeira metade deste ano. O atraso tem justificação simples: para se construir uma grande área verde na cidade, de quase 19 hectares, também é preciso uma avaliação de impacto ambiental. E assim fizemos. Em tese, a área de diversão tem cerca de 9 hectares, dispensaria essa obrigação, por ter menos de 10 hectares. Mas entendemos que, no país em que estamos e no momento em que estamos, mais valia não correr o risco de uma litigância futura que atrasasse ainda por mais anos. Conto que as obras dos espaços verdes estejam concluídas em breve e que durante o primeiro semestre deste ano lancemos o concurso para a concessão.
Quando vai haver a feira aberta com diversões e parque verde?
O mais rapidamente possível, mas não posso adiantar uma data. Farei tudo para que seja o mais rapidamente possível.
O hub criativo do Beato também é um projeto atrasado por burocracias?
Aí tem a ver com o modelo que escolhemos para o desenvolvimento do hub e tem a ver com uma incapacidade de resolução com a parte do património do Estado em relação à propriedade efetiva do terreno. Não tínhamos na CML know how sobre a gestão de um hub criativo com aquela dimensão. Rodeámo-nos de um expertise necessário para o fazer e decidimos ir fazendo os concursos e escolhendo as várias parcerias. Não fizemos a concessão do espaço a um só. As primeiras grandes obras, o arranque da grande frente virada ao rio, que vai alojar várias empresas de base tecnológica, estarão prontas no primeiro semestre deste ano. Depois seguir-se-ão outras frentes. O projeto está a correr bem, precisamos de resolver com a direção de Património algo que está a ser muito difícil de resolver ao longo destes ano que é a formalização da operação.
E a expansão da FIL para a WebSummit? Também está atrasada.
Gostava que estivesse mais adiantada. Já estava previsto que a negociação não ficasse concluída nos termos exatos que eram apontados, por isso é que se negociou com a WebSummit soluções alternativas. Espero que o acordo fique finalizado não muito longe.
E vai mesmo passar pela expansão da FIL ou vai equacionar outro modelo?
A câmara aprovou uma deliberação que colocou o seu posicionamento: deve ser feita uma avaliação internacional sobre a FIL comportará. Que desenvolvimento da FIL é bom para a cidade e para o país, o que precisamos em termos de capacidade expositiva. Depois que a Câmara deve ter a correspondente parcela no capital do equipamento que seja construído. E depois o calendário, no primeiro trimestre deste ano, para desenvolver negociações exclusivas com a Fundação AIP e depois disso ser avaliado qual a solução a que se chegou.
Mas vai ou não haver a expansão?
Para já estamos neste processo de negociação que tem um calendário até março.
Museu das descobertas é mesmo para avançar
E o museu das descobertas? É um projeto que ficou abandonado? Foi contestado por um grupo de intelectuais incomodado com o termo descobertas. Cedeu à pressão?
Não, de forma alguma e o projeto vai avançar. Estamos alias a trabalhar nele. Assisti à polémica com alguma surpresa, porque quase ninguém leu o que estava no programa eleitoral. Houve um debate intensíssimo sobre um projeto que não era o projeto da CML. O debate que tivemos foi de um lado os que diziam que a CML iria ter uma visão neo-colonial na construção do museu, como se fossemos fazer uma exposição do Mundo Português. E do outro lado ouvimos que não queriam um projeto que tratasse o passado como de opressão que não tinha acrescentado mais nada ao mundo. Quem lesse o programa, e esta parte foi redigida por mim, foi criar um museu da descoberta que relatasse a história do período do descobrimentos, um centro capaz de abrir para as multidimensões de um processo daquela natureza teve. Do que significou de avanços científicos, de ligação de povos e cultura, alimentação. O impacto da presença portuguesa é muito vasto, complexo e é obvio, porque faz parte da história, que uma parte deste processo se fez quando Portugal era um grande potência no tráfico de escravos.
Portanto não será apagado esse capítulo do museu?
Não pode ser apagado porque faz parte da história. Não vou fazer nenhum julgamento moral porque não nos devemos sentir culpados da história.
Nem nos devemos pôr aqui a devolver património às ex-colónias?
Não vi ninguém fazer nenhuma solicitação de devolução do património. Se acontecer, deve ser avaliado. Lisboa nunca recebeu nenhuma solicitação. Portanto, essa questão estar a ser colocada por nós na agenda… eu não a colocaria.
E Lisboa pedir?
Também não pedimos.
Em França, por exemplo, está a ser feito esse debate.
Não creio que haja necessidade. Como fórmula geral, abrangente, não partilho dessa ideia. Se o debate se iniciar em torno de algum material específico, tudo bem.
Críticas do ministro Pedro Nuno Santos à TAP pretendiam atingi-lo a si? “Não sei”.
Em maio deste ano há congresso do PS. No último congresso falou-se no medinismo versus pedronunismo… tem trabalhado em conjunto com o ministro das Infraestruturas e dos Transportes tendo em conta os temas que temos falado ao longo desta conversa?
Sim, temos.
E tem corrido bem?
Tem. São dossiês todos eles muito difíceis: o do aeroporto, ferrovia na área metropolitana de Lisboa, habitação e também a passagem para o município de Lisboa das áreas que estão hoje sob a tutela da administração do porto de Lisboa, não restritas à atividade portuária. São quatro dossiês exigentes. Temos vindo a trabalhar.
O facto de serem tidos como rivais para o futuro do PS prejudica ou não tem qualquer interferência nessas conversas institucionais?
Só posso dizer que o trabalho tem corrido bem, de forma franca, de quem está a ocupar lugares distintos e com enfoques distintos, mas que está a procurar resolver os problemas.
Acha que as críticas públicas que o ministro Pedro Nuno Santos fez à distribuição de prémios de uma empresa com prejuízos, que foi a TAP, também pretendia atacá-lo a si tendo em conta que a sua mulher foi uma das beneficiadas por esses prémios?
Não sei.
E concorda com as críticas ou acha que o ministro não as devia ter feito naqueles termos?
Não sou ministro das Infraestruturas. Felizmente tenho muitas coisas para me pronunciar, mas não sobre a política relativamente à TAP.
“A liderança do PS nunca foi uma ambição minha”
António Costa parece ter fechado a porta à discussão sobre a sucessão em 2022. Portanto, ainda não será aí que se lançará nessa frente da liderança socialista?
O “aí” parte do pressuposto de que me lançarei em alguma. Fui um apoiante desde a primeira hora de António Costa, fui um defensor de que tivesse avançado antes, acho que ele tem sido um muito bom secretário-geral do PS, um melhor ainda primeiro-ministro…
Vai ser difícil a quem o suceder?
Aliás, na Câmara também foi difícil.
Portanto, pode continuar esse trajeto…
Vocês têm agora um problema que é o facto de António Costa ter arrumado essa questão até 2022.
Costa também disse que ia levar o mandato na Câmara até ao fim… e não levou.
A verdade é que nunca faltou à verdade a esse compromisso e na última campanha escolheu a formulação correta para responder às perguntas sobre isso.
Em todo o caso, já foi lançado publicamente como eventual substituto do ministro das Finanças, um facto que considerou bizarro. Acha que alguém quis criar aqui uma confusão com o seu nome propositadamente?
Quando vi essa do ministro das Finanças lembrei-me daquela frase do António Vitorino: “Não há festa nem festança que não venha a dona Constança”. O meu nome já tinha vindo para as europeias, para Comissário Europeu, ministro das Finanças… Não é propriamente uma despromoção política suceder a Mário Centeno, mas ser presidente da câmara de Lisboa é um cargo que me honra imenso.
Na área socialista, a câmara de Lisboa já deu Presidentes da República e primeiros-ministros, é um lugar interessante.
É verdade.
É uma ambição sua a liderança do PS?
Os políticos têm ambições. Mas a liderança do PS nunca foi uma ambição minha. Sou muito marcado pela educação que tive e o meio em que fui criado: o meu avô era um resistente anti-fascista e tinha posses para ajudar os outros. Nenhuma destas pessoas, os meus avós, pais, se moveram pela ambição dos cargos. Eu cresci nesse meio, num meio onde se discutia o futuro dos setores, como melhorar as condições de vida das pessoas. Lembro-me de ouvir discutir política em casa desde sempre. Nada daquilo tinha a ver com posições, lugares, cargos. A minha vida nunca foi orientada nesse sentido. Não sonho com isso. Os líderes dos partidos devem ser os que respondem às necessidades que o país tem. E não sabemos qual é a necessidade que o país terá nesse futuro longínquo em que António Costa abandonará a liderança.
Mas reconhece em si essas capacidades de liderança para um cargo desses?
Acho que tenho a humildade e o conhecimento suficiente para dizer que se trata do lugar mais exigente e mais ingrato do sistema político português.
Ser líder do PS?
Ser líder do PS e consequentemente candidato a primeiro-ministro. No início das minhas funções trabalhei de perto com António Guterres, e percebi bem o que era a dificuldade de ser primeiro-ministro. E a diferença que há entre a expectativa que as pessoas têm sobre um poder efetivo que se pode ter e a capacidade que às vezes não há para se resolver os problemas. Tenho enorme respeito pelas pessoas que aceitam esses lugares. A exigência é muito, muito grande.