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Octavio Passos/Observador

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Entrevista a José Neves: Farfetch vai ter "lucros operacionais já no próximo trimestre de 2020"

Pandemia trouxe mais 900 mil clientes à Farfetch e resultados operacionais aproximam-se dos lucros. Sobre as perdas, José Neves responde: "Ninguém quer saber", "não é dinheiro que sai da empresa".

José Neves tinha acabado de apresentar os resultados do terceiro trimestre aos investidores quando falou com o Observador em videoconferência. Em 15 minutos, o líder da plataforma de moda de luxo (que desde setembro de 2018 está cotada na bolsa de Nova Iorque) explicou porque anteciparam o objetivo de atingir a rentabilidade operacional para 2020 e porque os mais de 500 milhões de prejuízos trimestrais não o preocupam: “Estes movimentos são relativos às flutuação dos preços das ações da Farfetch. Portanto, quanto mais subir a Farfetch mais prejuízos vai haver. Se a Farfetch continuar a subir assim, vai haver mais outros 500 milhões no próximo trimestre. Ninguém quer saber. É uma questão contabilística”, responde.

Entre julho e setembro de 2020, a Farfetch faturou mais 62% do que no mesmo período do ano anterior, totalizando 798 milhões de dólares e as receitas aumentarem 71% para 437,7 milhões de dólares. Em termos de EBITDA [lucros antes de juros, impostos, depreciações e amortizações] ajustado, os resultados também melhoraram face aos do mesmo trimestre de 2019 — passaram de 35,638 milhões negativos para 10,314 milhões negativos. A margem (diferença entre as receitas e os custos) nos resultados operacionais melhorou e está agora nos 2,7% negativos.

Em plena pandemia Farfetch fatura mais 62%: 798 milhões de dólares. Prejuízos quintuplicaram

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A par destas subidas, os prejuízos quintuplicaram, ou seja, cresceram mais de cinco vezes e atingiram 537 milhões de dólares. O líder do primeiro unicórnio (empresa avaliada em mais de mil milhões de dólares) ADN português explica que são “provisões” feitas tendo em conta a compensação paga em ações das empresas aos colaboradores e o financiamento em notas convertíveis. “São ações que saem da empresa, não é dinheiro que sai da empresa”, diz, acrescentando que, “quando as ações da Farfetch sobem, nós, contabilisticamente temos de encaixar isso como um prejuízo teórico”.

Depois da apresentação dos resultados, no fecho da bolsa de Nova Iorque, as ações da empresa subiram mais de 12% no “after market“, motivadas pela subida nas receitas e pelo facto de os prejuízos serem menores do que o esperado, como explica o MarketWatch. Em setembro de 2020, o líder da Farfetch lançou uma fundação em nome próprio à qual prometeu doar dois terços da sua fortuna.

Em setembro, José Neves lançou uma fundação em nome próprio à qual se compromete a doar dois terços de tudo o que tem

Octavio Passos/Observador

O volume de negócios subiu, as receitas subiram e as margens também melhoraram. Mas os prejuízos também cresceram bastante. O que justifica esta subida de mais de cinco vezes nas perdas?
Na verdade, o que anunciámos foi o primeiro trimestre de lucro da Farfetch: no quarto trimestre vamos ser lucrativos. Neste trimestre, tivemos um resultado negativo de menos 10 milhões de dólares, ao nível do EBITDA ajustado, que é o que os mercados seguem. Estes movimentos são relativos às flutuação dos preços das ações da Farfetch. Portanto, quanto mais subir a Farfetch mais prejuízos vai haver. Se a Farfetch continuar a subir assim, vai haver mais outros 500 milhões no próximo trimestre. Ninguém quer saber. É uma questão contabilística.

A forma de ver a rentabilidade da Farfetch — e não é por acaso que as nossas ações subiram consideravelmente depois da apresentação dos resultados — é ao nível do EBITDA ajustado, o resultado operacional ajustado, que foi de menos de 10 milhões, uma melhoria significativa em relação ao mesmo trimestre do ano passado e com a rentabilidade à vista. Comprometemo-nos em entregar lucro operacional já no próximo trimestre. Será o primeiro trimestre de lucros operacionais desde que somos cotados em bolsa, o que foi muito bem recebido pelos mercados.

Tinham falado em atingir este break-even [rentabilidade] operacional em 2021, conseguem antecipar isto para o último trimestre de 2020. 
Correto.

Acha que isto se deveu muito à pandemia de Covid-19 e com a transferência de consumo para o mercado online?
Sim, sem dúvida. Temos muita honra em termos podido ajudar as boutiques e as marcas que estiveram fechadas durante o segundo trimestre. E mesmo no terceiro trimestre reabriram, mas tiveram algumas dificuldades. Mas a questão é a seguinte: o que estamos a ver é uma mudança de paradigma. As pessoas que compram luxo compravam muito poucas vezes online. A penetração do luxo era apenas de 12% em 2019. Nós sempre dissemos que esta era a maior oportunidade da Farfetch, porque estava previsto ir de 12% para 25% em 2025. As mesmas previsões da McKinsey já apontam para 30% em 2025, portanto, esse movimento para o online está a acelerar. E o que veio acontecer, com a Covid-19, foi a aceleração do que já ia acontecer — que era a descoberta do canal online como um canal de luxo, que está a acontecer de uma forma comprimida, mais rapidamente.

Esta mudança de paradigma está aqui para ficar. Fizemos uma sondagem aos nossos clientes — acrescentámos 900 mil clientes nos últimos dois trimestres, portanto um número espetacular — e 45% disseram que iam comprar mais luxo online depois da pandemia, 23% disseram que iam comprar a maior parte das compras de luxo online.

Não receia que no final da pandemia [esses clientes vão embora]…
No final da pandemia vão ficar, porque são clientes que experimentaram a primeira vez e ficaram satisfeitos e viram as vantagens que a compra online lhes traz e isso deixa-nos a nós (e às marcas e boutiques) muito confiantes no futuro.

Tinham anunciado no trimestre anterior que tinha havido uma subida de 500 mil utilizadores.
Não são utilizadores, são compradores. Utilizadores são muito mais. Mas foram 500 mil novos compradores no segundo trimestre e 400 mil no terceiro trimestre.

Os tais 900 mil clientes… E em termos de preço médio por compra? Também tem vindo a subir. Estes novos compradores que se juntam à Farfetch têm o mesmo perfil do antigo ou é diferente? Como é este tipo de compra agora?
No último trimestre, aquilo a que chamamos AOV, que é a encomenda média, foi em linha com a do ano passado, ou seja, desceu ligeiramente em cerca de 1%. O comportamento dos consumidores é ainda melhor do que os consumidores pré-Covid. Estamos a ver uma retenção muito grande. O Elliot Jordan [responsável pelas finanças da Farfetch] deu algumas estatísticas, mas são clientes que têm uma esperança de vida maior, que repetem mais compras, que compram cestos maiores e, portanto, são clientes de qualidade muito grande.

Voltando aos prejuízos, em muito se devem às compensações pagas em ações aos colaboradores da Farfetch, que não é habitual em Portugal. 
São duas coisas. Entre os nossos resultados operacionais, que é o EBITDA, e o resultado do exercício, o resultado final, há dois elementos com grande peso nas contas. Um é as ações que pagamos aos colaboradores. Tenho muito orgulho em que toda a gente na Farfetch seja acionista da empresa. Quando as ações da Farfetch sobem — e subiram este ano cerca de 500 ou 600% –, as provisões que temos de fazer para as ações que vão ser entregues aos colaboradores [também sobem], porque são alocadas no início do ano. É claro que se as ações se multiplicarem por sete são um valor sete vezes maior. E nós temos de fazer um ajustamento disto — que são ótimas notícias para os colaboradores e para a Farfetch.

José Neves estima que a Farfetch vai ser rentável ao nível dos resultados operacionais durante o ano inteiro de 2021

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Portanto, não é dinheiro que sai da empresa? 
São provisões e são ações que saem da empresa, não é dinheiro que sai da empresa. Esse é o ajustamento número um. No ajustamento número dois, temos notas convertíveis, operações de financiamento que podem ser convertidas em ações — quando as ações da Farfetch sobem, nós contabilisticamente temos de encaixar isso como um prejuízo teórico.

É virtual?
É virtual. Esse prejuízo é teórico. Vou dar um exemplo absurdo: se as ações agora caíssem de 45 dólares para 25 no próximo trimestre, íamos ter centenas de milhões de lucro, por causa da contabilização desses empréstimos convertíveis em ações. Imagine: os investidores que assinaram as notas de janeiro ou fevereiro, assinaram quando as ações estavam a 12 dólares e agora estão a 45, ou seja, esses investidores estão com um lucro tremendo. Essa apreciação tem de aparecer no nosso balanço num movimento oposto. Se as ações desvalorizassem abruptamente teríamos, de repente, centenas de milhões de lucro. São esses movimentos nos mecanismos [de financiamento] que escolhemos — foi uma escolha nossa para financiar a empresa, são derivados e convertíveis — que levam a estes números muito grandes, sempre que há uma apreciação muito grande da empresa. Penso que a verdade daquilo que estou a dizer pode ser apreciada pelo valor que estão a ver no movimento das ações.

Se fosse verdade que os prejuízos aumentaram cinco vezes e uma empresa que vendeu 789 milhões, que foi um recorde, desse 500 e tal milhões de prejuízo real, os prejuízos eram quase iguais às vendas, não teria a apreciação que teve. De uma vez por todas, o EBITDA ajustado é aquilo para o qual os investidores olham e é aquilo a que somos obrigados. É a contabilidade oficial. As normas obrigam-nos a contabilizar estes movimentos nos valores das ações da Farfetch. Não foram normas feitas para empresas que veem o valor das ações crescer 600% ao ano. Foram normas feitas há muitos anos, muitas décadas para movimentos muito mais modestos. É essa a razão.

Receberam um investimento recente de mais de mil milhões de dólares da Alibaba e da Richemont e, desta parceria, vai sair uma outra empresa, a Farfetch China. Como vai funcionar? Surgiu sobretudo para quê? Para atacar em força o mercado chinês?
O investimento tem duas vertentes. Uma vertente é a do mercado chinês, vamos formar uma joint-venture que, essencialmente, é a combinação da atual Farfetch China — porque nós já temos uma empresa na China, é um dos nosso maiores mercados — com a entrada de dois acionistas, a Alibaba e a Richemont. Eles têm 25% do capital dessa joint-venture e nós temos 75% e, na sequência disso, vamos abrir duas lojas na aplicação da Alibaba, que tem 757 milhões de compradores na China, o que é uma oportunidade fantástica para nós. Depois, existe uma parceria global.

Nós, ocidentais, estamos com muitos anos de atraso em relação aos chineses — os chineses têm todas as lojas conectadas. Na integração das lojas físicas em plataformas digitais eles estão muitos anos à nossa frente. E é com grande entusiasmo que fazemos esta parceria, porque vão poder ajudar-nos a tornar isto uma realidade no luxo, que é uma coisa que já fizemos com a Chanel, com a Browns e vamos agora lançar a versão 2.0 na Browns até ao final do ano e depois alargarmos isso a muitos outros grupos. São essas duas vertentes: uma chinesa e outra global, que estão incluídas neste investimento.

E quais são os objetivos para 2021? Se o break-even no EBITDA ajustado vai ser atingido ainda em 2020, já há novas metas para 2021?
A única coisa que dissemos é que em 2021 vamos ser rentáveis ao nível dos resultados operacionais, do tal EBITDA ajustado, para o ano inteiro de 2021. Pode haver um trimestre que fiquemos um bocadinho abaixo com a sazonalidade da moda, mas vamos estar em rentabilidade positiva, que era o marco que já tínhamos dado e que agora aceleramos com estas notícias da rentabilidade positiva já no quatro trimestre.

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